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“Grande Vitória respira vapor de solda e sofre epidemia crônica”

André foi um dos relatores da primeira CPI sobre o tema, em 95 e 96, disse que as medidas apresentadas nunca foram implementadas pelo Estado e não acredita que a nova CPI do Pó Preto vá gerar melhorias no ar da Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra

André Ruschi é biólogo e filho do cientista capixaba Augusto Ruschi, Patrono Nacional da Ecologia. Além de guardião da memória e do legado do pai, André é um dos protagonistas do movimento ambiental do ES e do país, sendo o redator do Artigo 225 da Constituição Federal. Também atua na área da saúde, sobretudo em pesquisas e atuação política referentes às doenças geradas pelos gases e pó preto emitidos pela Vale e ArcelorMittal Tubarão.

Você foi coordenador técnico da CPI da Poluição que a Assembleia Legislativa fez em 1995/1996. Qual o desdobramento daquela CPI?

Antário Filho, assassinado tempos depois quando começou a mexer com o Prodespol, foi o presidente daquela CPI. Eu, Davi Gomes da Silveira e Felix Montenegro escrevemos o relatório que indicava uma averiguação da Procuradoria de Meio Ambiente do Estado. A Assembleia encaminhou para o Ministério Público que arquivou.  Que o Ministério Público tome as providências que deveria ter tomado em 1996.

Quais foram as conclusões dessa CPI?

A eliminação das emissões do dióxido de enxofre (SO2) com uma usina de dessulfurização na CST; que o óleo diesel usado teria que ser de baixo teor; que se buscasse uma forma de calcular os custos à Saúde Pública para que Vale e Arcelor indenizassem. Também determinou um estudo mais aprofundado sobre os danos à saúde da população e dos trabalhadores. O relatório também concluiu que o gasto por pessoa por problemas respiratórios era de cem dólares mensais na época.

Qual sua expectativa em relação a CPI de agora?

Por que não se resgata a CPI de 1996, que já analisou não só as consequências do pó preto, mas do SO2 (dióxido de enxofre), benzeno e outros poluentes? Porque agora é só o pó preto? É uma maneira de fazer desaparecer os outros da cena que são piores, invisíveis e matam. Nas siderúrgicas há hidrocarbonetos. Um dos mais conhecidos é o benzeno.  Da família dos benzenos há entre 230 e 240 tipos de gases. Então junta hidrocarboneto, SO2, carvão, metal pesado, forma sulfetos metálicos. Isso é respirar vapor de solda.

O Conselho Estadual de Saúde chegou a propor indenização da Vale e da então CST ao SUS pelos custos com tratamento de doenças respiratórias…

Isso foi dez anos depois. Os valores foram baseados nas informações do relatório da CPI. Antes disso, em 2000, fiz um estudo epidemiológico em parceria com uma escola, onde entrevistamos 10 mil pessoas que visitavam a Feira do Verde, considerando o bairro de origem e o resultado impressionou demais.  Doenças respiratórias, pressão alta, dor nos olhos, problemas de audição, rinite, ardência nos olhos, asma, alergias. Tinha regiões como Praia do Canto, Camburi e Jardim da Penha em que 80% das pessoas tinha rinites e dor de cabeça.Temos uma epidemia crônica.

E o pó preto?

A exposição contínua causa irritação crônica que vira inflamação pulmonar crônica que leva a enfisema, asma incurável.  Quadro que num cardíaco é causa mortis. Basta uma determinada concentração de pó preto para matar cardíacos ou bebês prematuros. Só quem tem resistência sobrevive, mas com sequelas: pressão alta, rinites, sinusites.  O Iema (Instituto Estadual de Meio Ambiente) se recusou e se recusa até hoje a colocar as questões de saúde nos processos de licenciamentos de Vale e Arcelor. Isso é ilegal. Todos os licenciamentos dados pelo estado deveriam ser revistos, alguns anulados.

Qual seria a solução para a poluição de Tubarão?

É necessária a remoção de todo o solo do complexo, porque o pó está compactado no solo de toda a área. Quando venta nordeste esse pó é levantado. Se as empresas fecharem hoje a poluição vai continuar por até 100 anos. E fazer um sistema de drenagem com caixas de decantação. Também já recomendei que as pilhas de minério e carvão sejam fechadas por galpões.

Em 12 de dezembro será o centenário do nascimento do seu pai, Augusto Ruschi. O Estado, a sociedade está atenta para essa data?

Não e nem ficará. A mensagem e o trabalho dele seguem como um problema para muitos. Quando chegar a data, farão alguma coisa e tudo bem.

A morte do Augusto Ruschi foi carregada de simbolismos, com o seu sepultamento na floresta em Santa Teresa em pleno 5 de junho de 1986, Dia Mundial do Meio Ambiente, pajelança  com os índios Raoni e Sapain em função do envenenamento por um sapo amazônico…

Essa é a versão que se popularizou, mas a certidão de óbito dele feita após autópsia apontou hepatite. A contaminação do sapo foi em 1970 e ele foi medicado. O veneno do sapo não seria suficiente para provocar o que provocou. Tenho dúvidas de como foi isso, essa é uma história mal explicada e que pode ter implicações criminais, policiais. Algo que a história precisa esclarecer. Essa causa de como ele morreu não veio a público, nem como ele se contaminou. Por que a verdade não foi dita?

E existe alguma tese diferente da morte dele?

Isso é o que eu gostaria de saber.

Ana Paula Bonelli

Moradora da Serra, Ana Paula Bonelli é repórter do Tempo Novo há 25 anos. Atualmente, a jornalista escreve para diversas editorias do portal.

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