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A Serra precisa de um Conselho Municipal de Comunicação

Os conselhos de políticas públicas representam uma das maiores conquistas da população brasileira após a redemocratização do país. São mecanismos institucionalizados de participação democrática previstos pela Constituição Federal de 1988 que ganharam força entre as décadas de 1990 e de 2000. Foram criados dentro de uma concepção mais participativa de democracia, ao permitir que a sociedade colabore ativa e diretamente no processo de formulação e execução das políticas públicas, antes restrito a agentes estatais, políticos e lobistas de grandes empresas.

Essas instâncias existem em nível federal, estadual e municipal, abarcando diversas áreas de interesse público. Na Serra não é diferente. De meio ambiente a assistência social, passando por cultura, educação, saúde, igualdade racial e juventude, os conselhos municipais de políticas permitem que prefeitura e sociedade civil atuem lado a lado sobre assuntos que irão impactar diretamente a vida dos quase 600 mil serranos.

Mas e quando falamos de comunicação? Existe um conselho municipal para essa área na Serra? A resposta é sim e não! Eu vou explicar.

Lei tem 20 anos e muitas falhas

Em dezembro de 2005, o então prefeito Audifax Barcelos sancionou a lei nº 2.891, instituindo o Conselho Municipal de Comunicação. A legislação existe, não há qualquer indício de que foi revogada, mas também nem um sinal de que foi regulamentada. Ou seja, o Conselho Municipal de Comunicação da Serra só existe no papel. Em 2025, a lei vai completar 20 anos desde que foi aprovada pelo então chefe do Executivo, o qual – vale mencionar -, soube reconhecer a importância daquela iniciativa. Entretanto, o elogio não vai além disso.

Ao se fazer uma breve análise de seu texto, a lei se revela atrasada; não dialoga com o momento atual da comunicação no Brasil e no mundo; utiliza termos arcaicos (audição pública, por exemplo); e – o mais grave – não contempla aquela que seria a função primordial de um conselho de políticas. Refiro-me ao papel de discutir, formular, deliberar e monitorar as políticas de comunicação executadas pelo poder público municipal. Em vez disso, a lei atribui ao Conselho a simples tarefa de “estudar, avaliar e examinar a função social das empresas concessionárias de serviços públicos na área de comunicação e telecomunicação (…)”.

A “função social” ou qualquer outra obrigação atribuída às empresas de radiodifusão (emissoras de rádio e TV aberta) e de telecomunicações (telefonia e internet) deve ser fiscalizada (e regulada) pela União (Governo Federal, Anatel e Congresso Nacional), segundo a Constituição brasileira e as leis federais. O Conselho Municipal poderia, sem dúvida, ser um espaço de debates entre sociedade civil, prefeitura e empresas de comunicação a respeito da qualidade dos serviços oferecidos à população do município, como TV aberta e por assinatura, telefonia fixa e móvel, banda larga etc. Enfim, nada impede que o Conselho seja uma referência local nesse sentido.

Outra “área de sombra” nesse mesmo trecho do artigo 4º da lei está em “(…) manter o equilíbrio socioeconômico entre as concessionárias e a população do município”. Acredito que a intenção do autor tenha sido a de afirmar que o objetivo do Conselho é manter o equilíbrio socioeconômico entre as empresas concessionárias de comunicação, a fim de evitar práticas de monopólio ou oligopólio no setor, extremamente prejudiciais à liberdade de expressão dos cidadãos e à livre concorrência, missão esta que já tem um titular, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão ligado ao Ministério da Justiça.

Onde está a sociedade civil?

A ausência da sociedade civil é outro ponto a ser questionado na lei. Para compor o Conselho, o texto prevê a participação de membros do poder público municipal, de “indicados pela entidade representativa de Audição Pública, Rádios Livres e Comunitários de Serra”, de representantes de veículos de imprensa que residem no município e de indicados por “diretórios acadêmicos de escolas de nível superior” sediadas na Serra.

Nada muito detalhado e totalmente passível de interpretações controversas, visto que os segmentos ali descritos – à exceção do poder público – podem ou não ser inseridos dentro da categoria “sociedade civil”, a exemplo dos representantes da imprensa. Este setor, segundo a literatura da ciência política que estuda o tema, se inclui na categoria “mercado”, isto é, o conjunto das empresas privadas.

Por isso, defendo que a composição do colegiado – pelo menos quanto à sociedade civil – deve ser definida na regulamentação da lei, após um amplo debate público com todos os setores ligados direta ou indiretamente à temática.

Por que é importante um Conselho Municipal de Comunicação

Tão relevante quanto expor as falhas de uma lei, propor melhorias e alertar para a necessidade de sua atualização, é trazer à tona as razões para se defender o funcionamento de uma instância de participação democrática como essa aqui em análise.

Em primeiro lugar, um Conselho de Comunicação na Serra elevaria essa área ao patamar de política pública, além de inserir a população na sua construção, deixando de ser apenas alvo das ações governamentais.

Outra razão, fruto da primeira, são os inúmeros benefícios à gestão pública municipal, que teria a seu favor um mecanismo plural e qualificado para propor e deliberar políticas voltadas ao desenvolvimento do setor na cidade. Entre elas, destaco: fomento e incentivo aos meios de informação locais e às iniciativas comunitárias de comunicação a fim de promover a diversidade e a pluralidade de conteúdos; ações de transparência e acesso livre à informação pública; adoção de critérios transparentes e objetivos para a publicidade oficial em veículos de imprensa e sua fiscalização; ações de combate à desinformação (fake news) junto à sociedade por meio da educação midiática; capacitação de populações vulneráveis para o uso das ferramentas de comunicação, entre tantas outras iniciativas.

Fiscalizar e avaliar periodicamente os resultados dessas e outras políticas também seria um papel fundamental desse Conselho, além de realizar estudos sobre o setor de forma a embasar as políticas públicas.

Do “mundo ideal” à realidade que precisa avançar

O cenário acima seria o mais próximo do ideal de uma comunicação voltada ao interesse público. Mas ao contrário das demais áreas, são raríssimos os conselhos dedicados às políticas de comunicação no Brasil.

No Ceará, partiu do legislativo estadual uma tentativa sem êxito, muito devido à pressão daqueles que controlam canais de rádio e TV por lá. Em Curitiba, veio de uma vereadora a proposta de um conselho, em 2014, mas que no ano seguinte foi arquivada pela Câmara. Em Goiânia (GO), uma lei instituiu o órgão; porém, de caráter consultivo. Mas é da Bahia a única experiência conhecida de sucesso quanto à criação e funcionamento de um conselho de comunicação, em nível estadual, que nasceu em 2011 fruto de proposta aprovada na primeira (e única) Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009.

Uma realidade que preocupa, já que, no mundo atual, a comunicação está cada vez mais presente no dia a dia de todos, seja para se informar, se entreter, estudar ou para acessar serviços públicos essenciais. Desse modo, ter acesso às tecnologias e meios de comunicação, exercendo domínio sobre suas funcionalidades, tornou-se crucial à garantia dos demais direitos que nos fazem cidadãos, fato que obriga os poderes públicos a darem a esse setor a mesma importância que dão à saúde, à educação e à segurança.

Logo, firmar a comunicação como instrumento essencial para o pleno desenvolvimento de uma cidade é o papel último de um Conselho Municipal dedicado a essa área, que se tornou estratégica em uma sociedade onde as relações se baseiam em redes digitais conectadas, interativas e complexas, controladas por empresas globais com amplos poderes políticos e econômicos que desafiam o futuro da democracia e da cidadania.

Vilson Vieira Junior é jornalista e mestre em Ciências Sociais pela UFES

Redação Jornal Tempo Novo

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