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“A Serra precisa de um teatro e espaço para exposição de artes”

Além de pintar, o artista já trabalhou como desenhista na A Gazeta e fundou um jornal na Serra no fim dos anos 70. Foto: Bruno Lyra

Por Bruno Lyra

Nascido em Putiri e atualmente morando em Goiabeiras, Vitória, o pintor serrano Walter Francisco de Assis é um apaixonado por sua cidade e raízes. Descendente de escravos e autodidata, Assis ficou conhecido como o artista que eternizou em suas telas imagens da Insurreição do Queimado e da Serra pré-industrial. O pintor está com 83 anos e enfrenta limitações nos movimentos por conta de um AVC. Mesmo assim segue trabalhando em novas obras.

Boa parte de seu trabalho tem relação com a insurreição do Queimado.  Por que tanta dedicação ao tema?

Minha avó foi escrava e morreu lá. Ela ajudou a construir a igreja, por isso foquei mais lá em Queimado para contar a história dos escravos. Uma vez um amigo me perguntou por que eu só pintava quadros com pessoas negras. É a sensibilidade da raça.  Sou muito ligado aos escravos, eu gosto da história e queria dar voz a quem pouco apareceu nela.

As ruínas do cemitério e da Igreja do queimado estão bastante deterioradas. Falta a Serra olhar com mais carinho para aquele patrimônio?

Falta. A Serra é uma cidade que tem uma grande comunidade negra. Agora que o dono do terreno onde estão as ruínas doou para a Prefeitura, espero que consiga melhorar aquilo com a ajuda do Governo federal.  O que não pode é uma cidade que teve tanto escravo não preservar a memória deles.  Depende do Governo, das autoridades, porque é só arrumar uma boa firma de restauração e ver o que pode ser feito.

Quais relatos ouviu de seus familiares sobre a vila de Queimado? 

Não cheguei a conhecer a vila. Ouvi muitas histórias de parentes e de professores que haviam dado aula lá. Uma das histórias era a de que os corpos dos escravos não eram enterrados no cemitério, mas jogados numa lagoa que fica lá perto. Essa lagoa era chamada de Lagoa dos Mortos. Se forem lá hoje vão encontrar ossadas daquele tempo. Também ouvi relatos da navegação no rio Santa Maria, que na época era muito caudaloso.

Onde estão as obras do senhor?

Fiz mais de 200 quadros em óleo sobre tela ao longo da minha vida, retratando a escravidão e a vida do trabalhador rural na Serra antiga. Também pintei muitas paisagens, algumas de Vitória, inclusive. Muitos desses quadros eu doei, então não posso fazer um levantamento assim. Tem alguns ainda na Câmara de Vereadores. Também fiz arte sacra na igreja de Pitanga e na de Nossa Senhora da Conceição. Mas essa última foi apagada por um padre que mandou tirar.

 

As obras do senhor retratam uma Serra antiga, que mudou profundamente. Como o senhor  vê a Serra hoje?

Eu senti muito a transformação da Serra. A cidade perdeu completamente aquele espirito de sensibilidade e de naturalidade das pessoas humildes. Começou a vir rico, a criar coisas e o pessoal humilde foi sumindo e não sentia mais aquela vibração dos mais velhos. Eu perdi, mudaram as ruas, até a festa de São Benedito, que era tradicional do povo, começou a perder a sensibilidade.  Perdeu aquela coisa gostosa.

Isso quer dizer, na opinião do senhor, que a Serra não preserva bem sua cultura?

Olha, estou achando falho. Os secretários de Cultura que entram não conhecem a história,  então vão deixando morrer as coisas. E perde aquela vontade, aquele povo antigo que brincava o congo, por exemplo, não tem mais.

A cidade tem uma lei de incentivo cultural, a Chico Prego, em homenagem ao líder da insurreição do Queimado.  Como avalia a contribuição dela para o fomento da produção artística?

Essa lei Chico Prego é mais para ganhar dinheiro. Muita gente que não é artista se beneficia dela.  Precisa ter fiscalização para essas coisas. Há muito interesse de quem entra hoje na lei. E gente querendo fazer livros que nada têm a ver com a cidade.


A Serra tem bons espaços para guardar e expor o acervo dos seus artistas?

Não. Precisamos de um espaço melhor. A Serra também precisa urgentemente de um teatro. Está muito fraco ainda, acho que deveriam dar mais incentivo.
A Serra contemporânea é um dos lugares mais violentos do Brasil e do mundo.  De que maneira a arte poderia ajudar a diminuir toda essa tensão cotidiana?

Produzindo teatro, festas folclóricas, dar incentivo às crianças, aos jovens a praticar o esporte e a arte. Isso pode modificar a mentalidade do povo.

O senhor é autodidata. Como conseguir aprender tudo que fez?

Acho que o desenho já nasce com a pessoa. Eu, por exemplo, trabalhei na Escola Técnica, fui desenhista no jornal A Gazeta, fazia a capa da Gazetinha.  Aprendi e aperfeiçoei o que faço trabalhando. Cheguei a fundar o Jornal da Serra, que durou cinco anos apenas. Eu era diretor comercial. Mas também trabalhei na roça, plantando mandioca, cana, fazendo farinha. Lá em Putiri, onde nasci, e até hoje tenho família.

O senhor continua pintando?

Eu tive um AVC. Engraçado é que não bebo nem fumo. Mas pela alimentação eu tive o AVC. Eu continuo pintando, o médico mandou não parar. Estou fazendo um tratamento para voltar a pintar bem. Estou trabalhando com o tema do folclore da Serra e paisagens.

O tema do racismo tem gerado muita polêmica. Qual sua visão sobre?

Eu tenho a impressão de que falar sobre racismo é bom, porque a gente foge um pouco da ignorância do passado. Eu aceitei, eu fui criado nunca casa onde era chamado de Fifi, um macaco que era esperto. Era um pretinho esperto, eu não considerava isso uma ofensa.
Eu não via problema, fui criado onde só tinha italiano, eu jogava futebol, entrava duro neles e me caçoavam. Eu nunca liguei. Mas ainda existe muito preconceito, não só com negro, mas com outras situações também. O melhor caminho é ir para o lado cristão onde diz que todos somos iguais.

Mari Nascimento

Mari Nascimento é repórter do Tempo Novo há 18 anos. Atualmente, a jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a de Política.

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