A vida exemplar de Judith Leão Castello Ribeiro (Serra, 31/08/1898-Hospital Beneficência Portuguesa, Rio de Janeiro, 23/03/1982) já é um destacado motivo para qualquer serrano, de berço ou opção, se orgulhar da conterrânea. Mas o nome de Judith vai, além disto, é um destaque até entre os destaques, pois foi “primeira mulher” em muitas das atividades que abraçou (tabela abaixo). Isto a torna um ícone das lutas femininas, embora não haja notícia de que em algum momento tenha classificado a si mesma como feminista.
Nas veias de Judith corria sangue português, povo que a História caracteriza como desbravador, habituado ao pioneirismo. A família Castello, de seus avôs paternos (capitão João Cardozo Castello e Thereza Rodrigues da Conceição Castello), veio do Porto; enquanto a família Leão, de seus avôs maternos (Miguel Barbosa Leão e Anna Maria da Conceição Barbosa Leão), veio de Penafiel.
O sobrenome Ribeiro lhe veio do marido, Talma Rodrigues Ribeiro (interventor da Serra de 1945 a 1946), com quem se casou em 1938. Talma e Judith não tiveram filhos, mas se fizeram pais de inúmeros familiares e outras crianças de sua convivência. Por exemplo, o sobrinho João Luiz Castello Lopes Ribeiro (vereador da Serra de 1989 a 1993), que, cheio de orgulho, faz questão de se dizer “filho de criação” de Judith, que foi “criado por ela”.
Atividades
Judith cursou o Primário na Serra e se diplomou como professora no Curso Normal do Colégio do Carmo, em Vitória. Passou então a lecionar no Ginásio São Vicente de Paulo, recém-criado por seus tios Aristóbulo, Kosciuzko e Miguel Barbosa Leão, também na Capital.
Em 1930, foi para a Escola Normal Pedro II, também de Vitória, onde deu vazão a sua vontade de transformar a realidade social. Aplicando o princípio da educação com ênfase humanística, estimulava os alunos ao aprimoramento cultural, com inúmeras atividades extra-sala, como um museu pedagógico, um jornal dos alunos, a “Hora da Arte”, o intercâmbio com outras escolas, etc.
Trabalhou na Pedro II até se aposentar, oficialmente em 04/06/1963, com dois salários mínimos. Revelou-se aí o caráter exemplar da digna serrana: para que ela pudesse se aposentar com remuneração melhor, o governador Francisco Lacerda de Aguiar lhe ofereceu o cargo de ministra (hoje conselheira) do recém-criado Tribunal de Contas do Estado, mas Judith recusou, por ser adversária política do governador e por discordar de agir em prol de uma causa pessoal.
Ela foi deputada estadual por quatro mandatos consecutivos, tendo tomado posse para o primeiro em 29/03/1947. Na eleição de 1962, ficou como suplente, tendo assumido algumas vezes. Depois disto, já com 64 anos, deixou a vida política e, no ano seguinte, se aposentou como professora, dedicando-se apenas à escola dos tios, o São Vicente de Paulo, até 1974, quando se aposentou também pelo INPS, com um salário mínimo.
Católica fervorosa, Judith fez parte da Comissão pró-Obras da Catedral Metropolitana de Vitória, por indicação do bispo Dom Luiz Scortegagna e do Conselho Episcopal. Também participou e/ou ajudou a fundar inúmeras entidades filantrópicas, entre elas o Hospital Santa Rita de Cássia (nome sugerido por ela); a Colônia Pedro Fontes, para hansenianos (Itanhenga, Cariacica); e o Preventório Alzira Bley, para filhos de hansenianos (também em Itanhenga).
Quatro vezes “1ª mulher”
- 1ª mulher eleita deputada estadual no Espírito Santo (posse em 29/03/1947).
- 1ª mulher a receber a Comenda Jerônimo Monteiro (1979), no grau de “comendadora”.
- 1ª mulher a entrar na Academia Espírito-Santense de Letras (10/09/1981).
- 1ª presidente (uma das fundadoras) da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras (julho/1949).
Outras entidades de que participou
12/06/1981 -Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo.
25/08/1949 -Associação Espírito-Santense de Imprensa (AEI).
06/02/1979 -Academia Anapolina de Filosofia, Ciências e Letras (Goiás).
Livros e Imprensa
1932: Livro “A Educação e o Ensino Interessante”, tese que lhe deu o título de catedrática em Ciências Pedagógicas.
1980: Livro “Presença”, crônicas e outros textos (doou o livro à Igreja, para que a receita das vendas fosse destinada aos pobres).
1981: Livro “Recompensa”, discurso de posse na Academia Espírito-Santense de Letras.
- Publicou artigos nos jornais A Gazeta, Diário da Manhã e nas revistas Vida Capixaba, Canaã, Revista do DSP e Revista da Educação.
- Também atuou em rádios.
Momentos de dor
A carinhosa atenção de Judith aos familiares fez com que sofresse muito a cada vez que a morte lhe tomava alguém querido. Aos 36 anos, perdeu o pai, João Dalmácio Castello. Quatro anos depois (1939), morreu o irmão Rui; em 1954, o irmão Romeu; seis anos depois, o irmão Rômulo (prefeito da Serra de 1947 a 1951). Mas o maior golpe foi a perda da mãe, Maria Grata Leão Castello, que estava paraplégica, devido a um AVC, desde 1958.
Dez anos depois, próximo ao final de 1981, chegou a vez da própria Judith. Ela adoeceu gravemente e foi operada no Hospital Beneficência Portuguesa, no Rio de Janeiro. Insistiu em passar as festas de passagem de ano em Vitória, mas a doença se agravou e teve que retornar ao hospital carioca, de onde não pôde mais voltar para o meio de seu povo querido: faleceu em 23 de março de 1982. O prédio da Câmara Municipal da Serra, uma sala plenária da Assembleia Legislativa, várias escolas do Estado e uma rua de Jardim Camburi (Vitória) foram batizados com o nome dela.
Este texto é uma adaptação da coletânea produzida e publicada pelo Jornal Tempo Novo em 2011, com o nome: ‘Protagonistas da Serra’. Escrito originalmente pelo jornalista Maurilen de Paulo Cruz e publicado na edição 925.