Evidentemente, não é algo comum, mas em se tratando de uma empresa do setor siderúrgico, eventos como o ocorrido neste final de semana na ArcelorMittal — com o som de uma explosão e labaredas de fogo — podem eventualmente acontecer. O grande desafio para essas empresas está no fato de que tais incidentes serão sempre mais visíveis, considerando o histórico de ocupação urbana na Grande Vitória, especialmente na Serra e na zona continental de Vitória.
Em resumo, na tarde deste domingo (16), um estrondo vindo do Complexo de Tubarão assustou milhares de pessoas. Quem tinha visão da Ponta de Tubarão ficou ainda mais preocupado ao ver labaredas de fogo subindo da ArcelorMittal. Segundo a empresa, o incidente foi causado por um blecaute, que gerou uma ocorrência na Central Termelétrica da usina, resultando em uma queima deliberada de gases para controlar a situação.
Fotos e vídeos do ocorrido rapidamente viralizaram nas redes sociais e aplicativos de mensagens, além de serem destaque em diversas reportagens de jornais. No entanto, para além deste caso específico, o episódio ilustra mais uma vez um desafio que há muito tempo afeta a vida dos capixabas que vivem na Grande Vitória: a proximidade das gigantes industriais com os centros urbanos mais movimentados do Espírito Santo.
Esse é um aspecto historicamente complexo, pois, embora isso não exima a Vale e a ArcelorMittal de suas responsabilidades, é importante lembrar que ambas foram estabelecidas antes da urbanização ao redor. Ou seja, elas não são resultado da urbanização, mas, em grande parte, a urbanização capixaba é que foi moldada por essas indústrias.
Na década de 1960, quando o Governo Federal e o capital internacional decidiram construir um terminal oceânico para a Vale, a Ponta de Tubarão foi escolhida por estar distante do centro urbano da época, que era o Centro de Vitória.
Cerca de 20 anos depois, a antiga CST foi planejada como um projeto que se beneficiava da proximidade com o já existente Porto de Tubarão, o que acelerou ainda mais a ocupação urbana ao redor da Ponta de Tubarão. Esse processo já havia começado com a instalação da Vale. Tudo isso aconteceu sob os olhos do Governo Militar, mas os governadores biônicos não se atentaram para os riscos de permitir a expansão de áreas urbanas tão próximas ao Complexo Industrial da Vale e da CST, o que acabou gerando prejuízos tanto para a população quanto para as próprias empresas.
E pior: não apenas permitiram a ocupação urbana nas cercanias da Ponta de Tubarão, como também a estimularam por meio das Companhias de Habitação e dos aterros em Camburi, alterando completamente os eixos de desenvolvimento urbano da Grande Vitória. Isso criou uma nova dinâmica imobiliária, com a zona litorânea de Vitória destinada à elite capixaba e o distrito de Carapina, na Serra, voltado para trabalhadores de baixa renda e operários imigrantes, especialmente nordestinos e mineiros.
Hoje, o Complexo de Tubarão precisa ser tratado com uma visão de Estado. As duas empresas, Vale e ArcelorMittal, são absolutamente estratégicas para a economia do Espírito Santo e da Grande Vitória, e não devem ser vistas apenas como vilãs. No entanto, seus impactos precisam de atenção: consumo de água do Rio Santa Maria, poluição do ar (especialmente com a emissão de pó preto), mobilidade urbana nas entradas e saídas das fábricas, trânsito pesado de caminhões em áreas urbanas, entre outros fatores.
Essas empresas, por exemplo, deveriam ter assentos em todos os conselhos municipais da Serra, não para “auto proteção”, mas para participarem ativamente dos debates sobre o futuro da cidade. Se foi um erro estratégico do Espírito Santo e do Governo Federal instalar essas empresas onde estão, cabe à sociedade avaliar. No entanto, é impossível pensar na Grande Vitória sem considerar a Vale e a ArcelorMittal.
Veja o exemplo da terceira ligação entre Serra e Vitória, debatida há 20 anos e que, pelo ritmo atual, deve ser executada em 2025.
Esse projeto enfrentou historicamente a resistência das empresas do Complexo de Tubarão em ceder áreas para a construção de um novo viário. A Serra não tem uma ligação litorânea direta com Vitória há quase 70 anos, e as consequências dessa realidade são incalculáveis. Basta comparar a ocupação urbana da Orla de Camburi com a da comunidade de Carapebus.
O recente acidente na ArcelorMittal não é exatamente atípico para uma indústria de transformação como ela ou para uma indústria de base como a Vale. O problema é que incidentes como esse se tornam mais visíveis, pois estão na vitrine da Grande Vitória, de frente para Camburi, em uma das áreas com os metros quadrados mais caros do Brasil. Embora existam outros exemplos, não é normal haver tanta urbanização ao redor de duas gigantes da mineração e siderurgia.
Esse debate precisa incluir as empresas, não encurralá-las. Afinal, a ArcelorMittal é, de longe, a maior empresa localizada na Serra, mas possui unidades industriais em oito estados e a maior rede de distribuição de aço do Brasil.
Recentemente, a Arcelor inaugurou uma expansão de sua Unidade de Vega, em São Francisco do Sul (SC), com um investimento de R$ 2 bilhões. O projeto incluiu uma nova linha de galvanização e recozimento contínuo, aumentando a capacidade de 1,6 milhão para 2,2 milhões de toneladas por ano e ampliando o portfólio de produtos de alto valor agregado.
Entre 2022 e 2028, a ArcelorMittal planeja investir R$ 25 bilhões no Brasil, abrangendo ampliações, modernizações, aquisições e energia renovável. O desafio do Espírito Santo é vender o estado como um destino atrativo para esses investimentos, garantindo que uma parcela significativa deles seja direcionada para cá.
Trata-se de um equilíbrio delicado: as empresas devem participar ativamente do debate metropolitano e assumir suas responsabilidades, ao mesmo tempo em que o Espírito Santo precisa reafirmar sua importância estratégica para os planos de mercado delas.