Com 833 metros de altitude em relação ao nível do mar, o Mestre Álvaro, na Serra, é uma das maiores elevações rochosas litorâneas do Brasil. É até curioso conjecturar que, se os portugueses tivessem ajustado a proa dos navios alguns graus mais ao sul, ao invés de avistarem o Monte Pascoal, em Porto Seguro, que tem 536 metros de altura, teriam avistado o Mestre Álvaro, fazendo do Espírito Santo o marco zero da chegada dos lusos ao Brasil.
Mesmo com toda essa importância geográfica, é surpreendente a falta de referências sobre o Mestre Álvaro na documentação dos primeiros momentos da colonização portuguesa no Brasil e posteriormente no Espírito Santo. Embora o donatário da capitania do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho, tivesse alguma sedução pela montanha, o Mestre Álvaro definitivamente não atraiu os primeiros jesuítas que chegaram. Não se sabe nem o nome indígena do Mestre Álvaro, já que certamente havia ocupação de indígenas nativos do território da Serra habitando o litoral e as proximidades da montanha.
As pesquisas do historiador Clério José Borges apontam que a origem do nome ‘Mestre Álvaro’ teria relação com o Álvaro da Costa, filho do 2º governador-geral, Duarte da Costa. O nome teria sido dado em 1560 pelo chefe dos jesuítas no Espírito Santo, Braz Lourenço, segundo defende Borges1.
Para entende essa tese, é preciso voltar alguns anos antes, quando Álvaro da Costa e o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha entraram em rota de colisão. Nessa questão, a Companhia de Jesus ficou ao lado do filho do governador-geral2. Braz em especial conhecia bem Álvaro, já que eles dividiram o mesmo navio na viagem para o Brasil.
Segundo Clério José Borges, em 1560, durante um trajeto entre Bahia e São Vicente, Álvaro da Costa teria feito uma parada no Espírito Santo para visitar o amigo Braz Lourenço. Como forma de homenageá-lo, Braz teria batizado a maior montanha da região de ‘Mestre Álvaro’, já que o visitante era comandante-mestre de navio.
Importante ressaltar que, não obstante o filho do governador-geral fosse considerado herói para a história portuguesa, ele também foi responsável por trucidar diversas tribos no Brasil com requintes de crueldade e autoritarismo. Embora não tenha sido possível encontrar registros da passagem de Álvaro da Costa pelo Espírito Santo, em 1560, a tese de Borges faz sentido, haja vista que a documentação da Companhia de Jesus confirma que Braz e Álvaro da Costa estavam na mesma armada em direção ao Brasil. A viagem durou cerca de dois meses, o próprio Braz forneceu indícios de que ele e Álvaro se tornaram amigos.
“Eu ensinava a doutrina todos os dias, onde se reunia muita gente (…) formaram-se muitas amizades. O Governador [Duarte da Costa] é muito afetuoso à Companhia. Confessou-se comigo”3. Supõe-se que Álvaro também tenha se confessado com Braz. Ambos eram jovens e tinham a missão de colonizar o Novo Mundo, mesmo que tenham usado métodos diferentes. Além disso, como dito acima, os jesuítas ficaram contra o bispo e a favor dos Costas (Duarte e Álvaro da Costa) no conflito em Salvador, o que aproxima ainda mais Braz da família Duarte.
Até existem diversas explicações populares acerca da origem do nome ‘Mestre Álvaro’. Contudo, todas elas são invalidadas pela cartografia do século 16. O português Luís Teixeira elaborou o primeiro mapa da baía de Vitória em 1586, chamado ‘Ilha de Duarte de Lemos’, no qual consta um desenho do monte com a escrita: “Serra de Mestre Aluaro”4.
‘Aluaro’ era uma forma antiga de se referir ao nome ‘Álvaro’. É comum encontrar variações e adaptações ortográficas em textos antigos e essa é uma delas. Um exemplo semelhante é o nome ‘Duarte’. Em textos antigos, é possível encontrar variações como “Duartte”, “Dwarte” ou “Duardo”. Essas formas representam a mesma palavra, escrita de maneiras diferentes de acordo com a época e o contexto. A cartografia do século 17 também ratifica o nome Mestre Álvaro.
Por isso, todas aquelas teses populares de que Álvaro seria um professor ou um ermitão que residia na montanha, ou que o nome original seria Mestre Alvo, ou qualquer outra informação similar, não procedem. A origem do nome Mestre Álvaro é anterior a 1586, registrado documentalmente na cartografia capixaba. Portanto, tem origem portuguesa-jesuítica das primeiras décadas dos lusos em território capixaba.
No livro “Serra: a história de uma cidade“, este autor que vos escreve apresentou uma segunda possibilidade para tentar acrescentar aos estudos a respeito das origens do nome da maior montanha da Serra, que ditou geograficamente o processo de ocupação da cidade. Vamos a ela:
O próprio imperador D. Pedro II forneceu uma dica sobre a origem do nome Mestre Álvaro. Em suas anotações feitas durante a visita à Serra no século 19, ele mencionou um relato de um capitão local. Esse capitão contou ao imperador que o nome ‘Mestre Álvaro’ teria sido dado porque a montanha serviu como ponto de referência para um mestre de navio chamado Álvaro5. Embora essa informação tenha sido passada séculos depois do primeiro registro cartográfico, representa a memória de uma época.
Junto a isso, há informações da época que podem ajudar a interpretar a origem do nome ‘Mestre Álvaro’. Esse registro remonta a março de 1550. Durante esse período, seguindo ordens da Coroa Portuguesa, a capitania do Espírito Santo estabeleceu os postos de Alcaide do Mar e Guarda dos Navios. Estas responsabilidades foram concedidas a um morador da região, chamado Álvaro Afonso. A decisão de escolhê-lo foi justificada por sua reputação de competência e confiabilidade6.
Na época, o Alcaide do Mar tinha a responsabilidade de proteger e vigiar as áreas marítimas, especialmente os portos. Paralelamente, o Guarda dos Navios cuidava da supervisão e segurança dos navios ancorados, assegurando que seguissem as regulamentações portuguesas, inspecionando cargas, tripulações e garantindo o pagamento de taxas e impostos. Nesse sentido, o batismo do Mestre Álvaro pode ter sido uma referência ao primeiro colono a ocupar essas funções no Espírito Santo, haja vista que o monte era um ponto de referência marítima, não por acaso aparece em todos os mapas cartográficos da região de Vitória.
Além disso, Álvaro Afonso era um colono ligado a Duarte de Lemos7, nobre influente e o primeiro dono da maior ilha de Vitória (considerando que em regra, Vitória é um arquipélago) – antes de os portugueses deixarem Vila Velha e se estabelecerem na atual capital capixaba. Essa, portanto, seria outra possiblidade com as características informadas por D. Pedro II e dentro do recorte temporal do primeiro mapa cartográfico do Espírito Santo e contextualizada na importância para a navegação que o monte exercia.
É uma tese que vai ao encontro do batismo do Morro do Moreno, por exemplo, que é muito mais documentado e conhecido. Logo quando os portugueses chegaram ao Espírito Santo em 1535, o morro passou a ser um ponto estratégico para a proteção de Vila Velha e, posteriormente, de Vitória. Em seu topo, era possível acompanhar movimentações de indígenas e a possível chegada de navios piratas. Havia entre os colonos um português de nome João Moreno. Ele ficou responsável por essa função de vigia e defesa, e por isso, a elevação rochosa foi batizada de Morro do Moreno. Esse padrão de batismo de topônimos é muito similar à possibilidade apresentada a respeito do Mestre Álvaro e ocorreu mais ou menos nos mesmos períodos da colonização.
A verdade é que, até o momento, nenhum documento da época foi encontrado que ateste com certeza a origem do nome da montanha. Por isso, resta a especulação ancorada nos fragmentos de informações da época que ficaram preservados. Dentro dessa realidade, a melhor hipótese, por meio de elementos capazes de sustentar a origem do nome do Mestre Álvaro, é a do colono Álvaro Afonso, o primeiro Alcaide do Mar, em alusão à importância da montanha como referencial marítimo.
1 – Borges, Clério José. História da Serra. Serra, CTC, ano 2008. Página 152.
2 – Braz Lourenço chegou ao Brasil em 1553, na expedição jesuítica vinda com Duarte da Costa e seu filho, Álvaro da Costa. Naquele tempo, pai e filho entraram em rota de colisão com o Bispo Dom Pero Fernandes Sardinha (1º bispo do Brasil). A disputa de poder gerou um racha político em Salvador. Como a autoridade civil e militar, Duarte da Costa mandava prender e espancar aliados do Bispo, enquanto, como autoridade eclesiástica, o Bispo multou, confiscou e prendeu quem quisesse sob a acusação de heresia. Nessa contenda, a Companhia de Jesus se posicionou a favor do governador-geral e de seu filho. Em 1556 a Coroa portuguesa ordenou o regresso do Bispo à Europa. Durante a viagem o navio naufragou próximo à costa de Alagoas e a tripulação foi canibalizada pelos caetés. Paiva, José Pedro. Artigo “Trabalho mais para que não se pervertam os brancos do que para a conversão dos negros”: Pedro Fernandes, bispo de Salvador da Bahia (1551-1556), entre Paris, Lisboa, Goa, Cabo Verde e o Brasil. Página: 41.
3 – Carta Braz Lourenço. Leite, Serafim. Cartas dos Primeiros Jesuítas do Brasil. Volume I. Ano 1954. Página 513.
4 – No Mapa ‘A Ilha de Duarte de Lemos’ consta: “irei percorrendo esta terra extensamente até alcançar as montanhas elevadas e não confiarei na primeira que avistar. Apenas verei uma grande montanha redonda ao longo do mar, chamada de Serra de Mestre Álvaro, e terei a indicação de que, indo além dessa montanha na direção norte, encontrarei um rio chamado Rio dos Reis Magos. E seguindo para o sul até descobrir a entrada da baía no Cabo dessa montanha ao sul, há um ponto chamado Ponta do Tubarão. Do lado sul da baía, existem duas montanhas altas [Penedo e Morro do Moreno]. E colocando-me no meio da baía, entrarei por ela em uma latitude de 20 graus, onde ela se encontra”. Texto original pode ser acessado em: historiacapixaba.com/documentos/ ilha-de-duarta-de-lemos-de-luis-teixeira-ca-1586/.
5 – Rocha, Levy. Viagem de d. Pedro II ao Espírito Santo. 3ª Edição. Vitória, 2008.
6 – Documentos Históricos, Volume 35, de 1549 – 1559. página 67.
7 – Documentos Históricos, volume 37, de 1549 – 1552. Página 69.
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