Histórias da Serra

Afonso Cláudio: incluiu a Serra para sempre na história do abolicionismo do Brasil

Afonso Cláudio. Acervo Público

Talvez o caro leitor não conheça em detalhes a Insurreição do Queimado, entretanto, certamente já ouviu falar neste fato histórico. Ocorrido na Serra no dia 19 de março de 1849 caracterizou-se como o principal movimento contra a escravidão no Espírito Santo e um dos mais expressivos no Brasil, sendo comparado com a Guerra dos Palmares.

Não é necessariamente a intenção deste texto em detalhar o acontecimento em si (que você pode ler clicando aqui); porém, relembrar a importância de um ser humano na historiografia da Insurreição, permitindo com que a luta heroica de pessoas escravizadas na Serra não caísse em esquecimento absoluto (assim como queriam os poderosos da época que desejavam a manutenção do sistema escravagista).

É por esse motivo que a Serra, o Espírito Santo e o Movimento Negro Brasileiro reconhecem com louvor a figura de Afonso Cláudio de Freitas Rosa. Foi ele que aos 25 anos, militante da causa abolicionista, documentou o levante por liberdade dos heróis negros serranos: o livro “A Insurreição do Queimado – Episódio da História da Província do Espírito Santo”, lançado em 1884, é a maior riqueza documental sobre a Insurreição do Queimado.

Escrito 35 anos depois dos fatos terem ocorrido, o livro é tido como referência para a literatura pró-abolicionista. O próprio Instituto Palmares, ao detalhar a Insurreição do Queimado, inclui como 1ª referência bibliográfica o livro escrito por Afonso Cláudio. O Instituto tem por missão a promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

Foi a partir da documentação histórica de Afonso Cláudio que inúmeros outros trabalhos sobre Queimado surgiram nestes 173 anos pós-insurreição, em prosa, verso, teatro, cinema, etc. Se não fosse o abolicionista Afonso Cláudio, uma das partes mais importantes da história da Serra poderia nunca ter sido conhecido pelas gerações futuras.

Igreja de São José do Queimado, na região Serra Sede. Foto: Arquivo Jornal Tempo Novo

História de Afonso Cláudio de Freitas Rosa

Afonso Cláudio nasceu 10 anos depois da Insurreição do Queimado, em 2 de agosto de 1859 em Santa Leopoldina; e faleceu em 16 de junho de 1934, no Rio de Janeiro, aos 74 anos. Filho de um ruralista muito conhecido em Santa Leopoldina, Afonso Cláudio seguiu por outros caminhos além dos limites territoriais do Espírito Santo. Estudou no Rio de Janeiro, se formou bacharel em Direito pela faculdade do Recife intercalada com a Faculdade de São Paulo, em 1883.

Retorno ao Espírito Santo: luta contra escravidão e a favor da República

Neste mesmo ano, em 1883, Afonso Cláudio voltou para Vitória alforriou todas as pessoas escravizadas que a família possuía e abriu um escritório de advocacia com o colega Muniz Freire.

Logo se transformou entre os capixabas que mais defendiam o Abolicionismo (é neste período que ele documentaria pela 1ª vez na história a Insurreição do Queimado). Ele fundou o clube abolicionista mais influente na época, chamado Sociedade Libertadora Domingos Martins, juntamente com Aristides Freire, Cândido Costa, Cleto Nunes, Francisco Escobar, Muniz Freire e Poggi de Figueiredo.

Em 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel sancionou a Lei Áurea, que em caráter formal pôs fim à escravidão. É neste momento que Afonso Cláudio se engaja noutra campanha de reivindicação social: a Proclamação da República.

Afonso Cláudio se aliou aos componentes do Clube Republicano de Itapemirim – agrupamento mais aguerrido no Espírito Santo contra a Monarquia; na época comandado por Antônio Gomes Aguirre e Bernardo Horta de Araújo.

Nessa época, Afonso Cláudio dedicou-se à propaganda em Vitória e no norte da província do ES, no sentido de incentivar e congregar a população em torno da campanha cívica para transformar o Brasil em uma República.

1º Governador do ES na era republicana

No dia 15 de novembro de 1889 o Brasil pipocava; o marechal Deodoro, acompanhado por uma tropa de cerca de mil militares marcharam até a frente do Palácio Real, no Rio de Janeiro. Naquele dia o Brasil se transformaria em uma República; com a família real recebendo um prazo para deixar o país.

Cinco dias depois, Afonso Cláudio (com 40 anos) seria nomeado o 1º Governador do Espírito Santo na era da República Federativa do Brasil, como reconhecimento de ter sido a pessoa de maior responsabilidade no movimento republicano capixaba.

O exercício da função durou pouco, dada a efervescência e a instabilidade política daquele momento, ficando até 7 de janeiro de 1890 no cargo, ou seja, governando por 10 meses.

Mas a experiência com a política lhe permitiu deixar o livro “História da Propaganda Republicana no Estado do Espírito Santo” (escrito em 1922, só publicado em 2002). Deixou também dezenas de outros livros, numa admirável versatilidade, pois escreveu sobre assuntos dos mais variados possíveis.

Presidiu o Tribunal de Justiça

Um ano depois de deixar o Governo Estadual, Afonso Cláudio ajudou a reorganizar o Tribunal de Justiça do Estado e ali exerceu a Presidência, como desembargador, aposentando-se em 1920. Naquele ano ele se transferiu para o Rio de Janeiro, voltando a advogar. Em 1923, a Academia Espírito-Santense de Letras (AESL) diplomaria Afonso Cláudio como ocupante da Cadeira 01.

Afonso Cláudio já havia completado 65 anos quando se tornou professor, passando a lecionar Direito Romano na Faculdade de Direito de Niterói. Faleceu no Rio de Janeiro, em 16 de junho de 1934, vitimado por uma angina pectoris (causada pela falta de oxigênio no músculo cardíaco).

Cidade leva seu nome como reconhecimento

O nome de Afonso Cláudio foi dado ao município criado pelo Decreto Estadual n° 53, de 20/11/1890, na Região Serrana do Estado, formado por território desmembrado do seu município-natal, Santa Leopoldina. Abrangia também os hoje Municípios de Itaguaçu (emancipado em 1914) e Laranja da Terra (em 06/05/1988). Estudante, advogado, historiador, abolicionista, republicano, governador, desembargador e professor. Com todos esses méritos, Afonso Cláudio ainda se notabilizou como escritor de um vasto acervo literário.

“Nenhum outro escritor espírito-santense nos legou obra mais ampla, mais meditada, mais duradoura, na qual se destacam trabalhos de Direito, de História e Crítica, Sociologia e Etnografia”, diz o texto do livro “Patronos e Acadêmicos – AESL, 3ª edição de 2010.

Influências na Serra

Pintura de Valter Assis (in memorian) da antiga vila de São José do Queimado, que foi palco da revolta dos escravos. Foto: Arquivo TN

Além de documentar a maior revolta de pessoas escravizadas no Espírito Santo, ocorrida na Serra, Afonso Cláudio ainda teve ampla atuação na cidade. Inclusive as famílias de que Afonso Cláudio provinha se espalhavam pelos vizinhos municípios da Serra e de Santa Leopoldina.

Muitos de seus parentes foram destaques em suas épocas, principalmente na política. Exemplos:

1) O primeiro presidente da Câmara da Serra após a Independência do Brasil (a partir de 1833), Major Luiz da Roza Loureiro, era avô de Afonso Cláudio.

2) O sobrinho-neto de Afonso Cláudio, de nome José Celso Cláudio (Serra, 1905- 1975), professor muito reconhecido e elogiado, era tetraneto do mesmo Major Loureiro.

3) O sobrinho de Afonso Cláudio, Luiz Cláudio de Freitas Rosa (Serra, 1882-1956) foi vereador e prefeito da Serra e deputado federal.

Este texto é uma adaptação e complementação feito pelo jornalista Yuri Scardini, publicado originalmente na Edição 946 do Jornal Tempo Novo em 2011 e assinada pelo jornalista Maurilen de Paulo Cruz.

Yuri Scardini

Morador da Serra, Yuri Scardini é repórter do Tempo Novo. Atualmente, o jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a editoria de política.

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