A Prefeitura da Serra é o maior poder em nível municipal do Espírito Santo e com orçamento estimado para 2022 de R$ 2 bilhões é a responsável direta por uma cidade de 540 mil pessoas, que carecem diariamente de serviços fundamentais, como saúde, assistência social, educação e segurança, por exemplo. Para isso, em 2020, a população elegeu o prefeito Sérgio Vidigal como regente institucional da Prefeitura e, portanto, o responsável direto pela mesma.
Porém, existe um vácuo na legislação que está atualmente somado a um contexto político-eleitoral, do qual pode se configurar em uma ameaça a institucionalidade do município e acarretar em instabilidade jurídica. É importante esclarecer, que este texto trata de um cenário hipotético, mas que pode ocorrer de incontáveis maneiras que nem os mais criativos poderiam alcançar.
Na prática, em um caso hipotético do qual o prefeito Sérgio Vidigal precisasse de uma licença temporária do cargo, seja por necessidade médica, por exemplo, a Serra poderia ficar sem linha de sucessão. Isso, hipoteticamente, poderia ocorrer pela somatória do vácuo na legislação e pelas condições políticas.
O primeiro na linha de sucessão de Vidigal é naturalmente o vice-prefeito, Thiago Carreiro. No entanto, ocorre que ele é pré-candidato a deputado federal; caso assumisse a função interinamente, ele ficaria impossibilitado de participar da eleição, já que a legislação eleitoral proíbe o exercício de cargos que ordenem despesas seis meses antes do pleito. Como no caso hipotético citado, Thiago poderia optar por não assumir temporariamente a prefeitura, visando preservar seu projeto eleitoral.
Realidade semelhante ao terceiro na linha de sucessão, o presidente da Câmara da Serra, Rodrigo Caldeira. Ele também é pré-candidato a deputado federal e assim como Carreiro, vem trabalhando para se eleger ao cargo em Brasília. Dificilmente ambos confirmariam essa tese, de que poderiam não assumir a função em nome da manutenção das respectivas candidaturas, mas na política é normal a grande distância entre os discursos nos casos hipotéticos e as ações nos casos reais.
A resolução em uma situação como essa deveria estar na Lei Orgânica da Serra, mas este é o segundo ponto que sustenta a hipótese de instabilidade jurídica. A reportagem fez uma consulta jurídica a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) 17º Subseção da Serra, para apontar quais soluções à legislação poderia dar a uma realidade semelhante a essa.
Após alguns dias debruçados sobre o tema, a OAB confirmou que existe um vácuo na legislação e que o tema é preocupante diante do cenário político. Por meio do presidente da OAB/Serra, o advogado Ítalo Scaramussa, a instituição apontou a urgência de atualizar a Lei Orgânica da Serra para proteger a institucionalidade.
“A OAB/Serra fez um estudo preliminar por meio da Comissão de Direito Constitucional e Acompanhamento Legislativo. Verificamos que a princípio temos um vácuo legislativo sobre o assunto [linha de sucessão], pois a reforma da Lei Orgânica de 2010 revogou os artigos referentes à substituições temporárias do chefe do Executivo e ao que consta, não houve nova Lei tratando do assunto”, disse dr. Ítalo.
Ele confirmou que essa situação acarreta em insegurança jurídica. “Se ocorrer algum evento que faça com que o atual chefe do poder Executivo deixe o cargo temporariamente, teríamos que se socorrer a uma legislação externa, no caso aplicar a Constituição Federal ou Estadual, mas ainda assim seria complexo, visto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já deu decisões que a linha sucessória prevista na Constituição Federal não obrigatoriamente se repete nos municípios e estados posto que existem situações diferentes em termos de composição de poderes”, afirmou o presidente da OAB/Serra.
E finaliza: “A OAB vai notificar a Câmara da Serra recomendando a imediata revisão dessa legislação. Na maioria dos casos, normalmente é vice [que na Serra é candidato a deputado federal], em seguida o presidente da Câmara da Serra [que na Serra também é candidato a deputado federal], a princípio o Judiciário não entraria a nível municipal”, completou.
Este cenário apesar de ser hipotético, já ocorreu em outras cidades brasileiras; é o caso por exemplo, do município de Guamaré, no Rio Grande do Norte, na região da Costa Branca potiguar, que em 2018 ficou por dias sem nenhum gestor, porque o vereador eleito presidente da Câmara Municipal se recusou a assumir o cargo interinamente, também por questões de ordem política.
Hospitais da cidade chegaram a enfrentar falta de comida e insumos. Em 2020 a cidade de São Braz do Piauí também ficou sem gestor, pois o vice-prefeito se recusou a tomar posse de prefeito devido ao cenário político, assim como o quadro hipotético que foi trazido neste texto.