A Ambiental Serra, empresa que deveria despoluir os mananciais do município – ao custo de 80% a mais na conta de água da população – já recebeu 103 multas por poluição que somam R$ 12.992.906,00. A Cesan por sua vez, que é a gestora do contrato – fixado em mais de meio bilhão – e responsável pela fiscalização, sequer se pronunciou sobre a má conduta de sua parceira privada.
As informações referentes às multas foram repassadas pela Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano da Serra a pedido do Jornal TEMPO NOVO.
Desde 2015, a Ambiental Serra é a responsável pelos serviços de coleta, tratamento e descarte de esgoto na cidade. Mas de lá pra cá, pouca coisa mudou nos mananciais da Serra, que seguem poluídos.
Basta dar uma andada rápida pelo município para ver, por exemplo, os córregos São Diogo, Guaxindiba, Maringá, Laripe, Irema, Das Laranjeiras, Capuba e córrego Preto, além do rio Jacaraípe, que são verdadeiros canais de esgoto a céu aberto a sujar praias e afugentar turistas.
Em agosto de 2018, o TEMPO NOVO já tinha feito uma matéria trazendo um raio-x das multas por crime ambiental da empresa. Na época foram contabilizadas 41 infrações que batiam a casa dos R$ 2 milhões. Em menos de três anos, a empresa dobrou a quantidade de multas por promover danos ambientais à cidade, sendo a maioria por descarte irregular de esgoto. Enquanto isso córregos, rios e lagoas seguem contaminados e a população pagando taxa de esgoto no valor de 80% a mais na conta de água.
Mas a poluidora é articulada, tanto é que das 103 multas que resultaram em quase R$ 13 milhões, a empresa já conseguiu suspender ou cancelar 57 delas, que totalizam R$ 8.835.066,00 a menos. Ao todo, 46 autos estão ativos totalizando R$ 4.087.840,00 a pagar.
Como se sabe, o sistema de multas ambientais no Brasil é uma ferramenta frágil e lenta, tanto é que até julho de 2020 – de acordo com a Prefeitura da Serra – a poluidora só pagou cerca de R$ 500 mil em multas para o município.
Além do poder judiciário, outro canal para a empresa questionar as infrações é o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente – o Comdemas. Trata-se do órgão municipal responsável pelo julgamento no âmbito da municipalidade a respeito da manutenção ou cancelamento das infrações lavradas pelos fiscais de meio ambiente.
É por lá que a empresa tem conseguido parte do sucesso no cancelamento de suas multas. Até 2020, entre os advogados da Ambiental Serra, estava a ex-secretária de Meio Ambiente, Andréia Carvalho, que inclusive presidiu o próprio Comdemas quando chefiou a pasta. Na época, tanto a Associação dos Servidores Arrecadadores da Serra (Asa-Fisco), quanto a Sindicato dos Fiscais Municipais da Serra questionaram a atuação de Andréia e excesso de cancelamentos de multas.
O TEMPO NOVO não conseguiu confirmar se esse ano ela continua advogando a favor da poluidora no que tange ao cancelamento das multas no órgão da qual ela presidiu no passado. Até porque o órgão ainda não retomou os trabalhos em 2021.
Vale lembrar que o Comdemas e seus membros, inclusive, deverão ter que prestar esclarecimentos à Câmara da Serra em um recente caso de cancelamento de uma multa de outra empresa, a siderúrgica ArcelorMittal, no valor de R$ 250 mil, também por poluição. Há suspeitas de fraude no processo para beneficiar a empresa.
O contrato da Ambiental Serra com a Cesan tem valor estimado de R$ 628 milhões e vigência de 30 anos. Acontece que em agosto de 2019, durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa, a então presidente da empresa, Reginalva Santana, disse que a Cesan já tinha repassado R$ 250 milhões a mesma.
Além das multas, outro forte questionamento que se faz a poluidora é a preterição de só investir em obras de coleta de esgoto, ao invés de modernizar o sistema de tratamento de esgoto. Vale lembrar que cada residência ligada à rede paga uma taxa de 80% do valor da água, já a taxa para o comércio é de 100%, ou seja, o valor da conta de água literalmente dobra.
A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Manguinhos que é a mais moderna da Serra foi construída com dinheiro público do programa Águas Limpas do Governo do ES pouco antes da Cesan entregar o serviço à Ambiental Serra em 2015. De lá pra cá, o Governo do Estado fez investimentos importantes na ampliação da capacidade da ETE, mas se tratando de investimentos privados, seguem estacionados.
A maioria das outras 20 estações de esgoto são antigas e defasadas, do tipo lagoa de decantação, construídas entre as décadas de 80 e 90. A poluidora não construiu nenhuma nova ETE e nem fez investimentos estruturantes nas outras com recursos próprios.
Em 2020, a Prefeitura da Serra, na época comandada pelo ex-prefeito Audifax Barcelos, se vangloriava em dizer que a cidade tinha 90% de cobertura de esgoto, o que significava 1 bilhão de litros tratados por mês (equivalente a 400 piscinas olímpicas).
É bom esclarecer que o sistema de contraprestação mensal da Cesan à Ambiental Serra, firmado em contrato, é um cálculo que leva em consideração a quantidade de esgoto coletado e ‘tratado’, no valor de R$ 1,06 por m³ o que geraria uma arrecadação milionária, dado o volume de litros coletados.
Além disso, a poluidora é remunerada mensalmente por uma parcela fixada em contrato, que até 2019, já tinham somados R$ 128 milhões. Por fim, tanto a parcela variável quanto a fixa, são ainda multiplicados por dois índices de desempenho.
Em 2015, quando faturou o contrato com a Cesan, a Ambiental Serra era formada por um consórcio entre as empresas Artepa, Mauá e Sonel. Mas desde 2017, foi comprada pela gigante Aegea. Neste período, a mesma empresa já abocanhou a gestão do esgoto de Vila Velha e Cariacica.
A empresa é blindada pela Cesan, tanto é que até mesmo demandas jornalísticas devem ser encaminhadas para a estatal ao invés da Ambiental Serra. Demandas inclusive que a Cesan geralmente se nega a responder, assim como o posicionamento a respeito das informações contidas nessa matéria.
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