A deficiência na operação de quase todas as Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) gerenciadas pela Ambiental Serra através de Parceria Público Privada (PPP) com a Cesan já poderiam estar solucionadas. O que despoluiria lagos, córregos, rios e praias da Serra. É o que aponta a auditoria feita pelo Tribunal de Contas do Espírito Santo (TCES).
Segundo o relatório, dos R$ 265 milhões que a Ambiental Serra já recebeu da Cesan somente como despesa fixa – há também o aporte das chamadas despesas variáveis, que somam valor não revelado no documento – pelo menos R$ 120 milhões deveriam ter sido usados para trocar a tecnologia das ETEs, desativando algumas e construindo novas, uma vez que que a maior parte delas é antiga e já não suporta a demanda gerada pelo crescimento da população da Serra.
Tanto que vêm operando de forma irregular, não tratando o esgoto corretamente, segundo o próprio TCES. Fato também provado em análise encomenda (clique aqui para ler) pela Comissão Especial de Inquérito criada na Câmara de Vereadores para investigar a PPP.
O dinheiro repassado pela Cesan à Ambiental Serra vem da taxa de esgoto cobrada na conta de água do consumidor. E o valor refere-se ao período entre janeiro de 2015, início da PPP, até o primeiro trimestre de 2021. Na auditoria foi avaliada a qualidade dos efluentes lançados na natureza tratados em 18 ETEs. Em 90% delas foram encontrados parâmetros em desacordo com a lei, em outras palavras, após passarem pelas Estações as águas continuam sujas poluindo rios, lagoas e praias. Ao pagar a taxa de esgoto e não ter o serviço prestado plenamente, o consumidor acaba levando ‘gato por lebre’.
A auditoria também encontrou outras irregularidades: O não cumprimento de condicionates das licenças emitidas pelo Insituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema); o lançamento de efluentes com parâmetros em desacordo com as outorgas emitidas pelo Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh). Fato confirmado pela própria Agerh e pela Agência Estadual de Serviços Públicos (ARSP) ao Tribunal. Vale lembrar que a ARPS é uma das responsáveis por fiscalizar a PPP.
Concessionária beneficiada, consumidor prejudicado
No relatório da auditoria o TCES destaca ainda que os problemas da má qualidade do tratamento decorrem “do retardamento na realização e investimentos obrigatórios por parte da concessionária”. E acrescenta que nos seis primeiros anos da PPP está prevista em contrato a quase totalidade nos investimentos nas ETEs.
Mas quase nada foi feito, uma vez que os Estações em uso são as mesmas cedidas pela Cesan à Ambiental Serra em 2015. O contrato da PPP é de 30 anos, ou seja, termina em 2045. Até lá a Cesan tem que pagar R$ 1,19 bilhão à Ambiental Serra. O dinheiro vem da taxa de esgoto paga pelo consumidor serrano na conta de água.
Sobre isso o TCES é duro no relatório da auditoria: “O não investimento beneficia a Concessionária, pois está recebendo recursos antecipadamente, podendo aplicar em algum outro investimento e recebendo (dividendo, juros) por isso”.
Manutenção deficiente
O relatório também diz que a manutenção do sistema de esgoto, composto por redes coletoras, estações elevatórias, além das ETEs, é deficiente. Cita um relatório da própria ARSP que identificou 123 inconformidades neste ítem apenas entre 11 de setembro e 23 de outubro de 2018.
Redes coletoras e plano municipal de saneamento
As redes coletoras, formadas por tubulação que passa de rua em rua para coletar o líquido que sai das casas, são fundamentais para o serviço de tratamento. Além das tubulações, prescindem de estações elevatórias, que bombeiam o líquido até as ETEs.
A expansão desses redes é fundamental para universalizar o serviço na cidade. E ao lado da melhoria da qualidade do tratamento, representam razão de ser da PPP. Pelo menos foi o que defenderam gestores públicos do estado e do município na época da implantação da PPP, alegando que a Cesan – empresa do governo estadual – não teria sozinha capacidade de investir na expansão e melhoria doesgotamento da Serra.
Pois o relatório do TCES também encontrou problemas aí. Até o final de 2020, prossegue o documento, 84 % da população da Serra tinha rede de esgoto disponível. Ocorre que o Plano Municipal de Saneamento, criado justamente em 2013 para dar diretrizes à PPP, apontava que esse índice tinha que ser de 89% ao final de 2020.
Ao TCES a Cesan alegou que esse índice era de 90% naquela data. Mas o Tribunal não conseguiu alferir essa informação, então permaneceu o entendimento anterior.
O TCES observa ainda que a própria Prefeitura da Serra, responsável pela elaboração do Plano de Saneamento, não fez revisão do mesmo. Por lei, isso deveria ocorrrer a cada quatro anos. Fato que, no entender do órgão, acabou por ajudar a retardar o cronograma da universalização do serviço de tratamento de esgoto na cidade.
Processo ainda em aberto
A auditoria da PPP do saneamento da Serra foi realizada entre 01/01/2019 e 31/12/2020. O relatório final, que embasa as informações desta reportagem, ficou pronto em 07/07/2021. E apesar das denúncias apresentadas e do pedido do relatório para que fossem apresentados cronograma de obras e correção dos problemas, nenhuma medida judicial ocorreu até agora.
Por enquanto o TCES apenas determinou que representantes da Cesan e da Ambiental Serra apresentassem defesa. O mesmo foi determinado aos gestores da Prefeitura da Serra, que não teriam cumprido o prazo para atualização do Plano Municipal de Saneamento.
O processo segue em aberto. O relator é o conselheiro Marcelo Coelho.
Vereador quer a suspenão da cobrança de taxa
O presidente da Comissão Especial de Inquérito que investiga a PPP na Câmara da Serra, Anderson Muniz (PODE), disse que as denúncias apontadas no relatório são graves. E confirmam os problemas apontados pelas análises dos efluentes das ETEs encomendada pela Comissão, apontando prejuízo econômico, à saúde e ao meio ambiente da cidade.
Anderson também prometeu pedir judicialmente (outro link aqui, desta vez com a matéria que vc publicou ontem)a suspensão da taxa de esgoto cobrada pela Cesan até que a Ambiental Serra cumpra com os termos do contrato da PPP.
O outro lado
A reportagem solicitou um posicionamento da Cesan – que também responde pela Ambiental Serra. Se a empresa se manifestar, terá seu posicionamento publicado aqui, com atualização desta publicação.
A Prefeitura da Serra também foi procurada, uma vez que foi citada pelo TCES em relação ao suposto atraso no Plano de Saneamento. Caso se manifeste, também terá seu posicionamento exposto aqui.