A divulgação na última segunda-feira (12) de que um terreno de 4,5 milhões de m2 está à venda nos fundos do TIMS abrangendo alagados e florestas do Mestre Álvaro gerou reação de ativistas que lutam pela proteção das riquezas naturais que ainda existem na Área de Proteção Ambiental (APA) da icônica montanha serrana e seu entorno.
A reação aconteceu porque no anúncio feito por um corretor imobiliário que atua na cidade, o terreno é oferecido para investidores interessados em implantar polo logístico e industrial na região, que já possui além do TIMS o polo Piracema, e ainda empreendimentos espalhados ao longo do Contorno de Vitória. No entanto nesta quarta-feira (14), o anúncio da venda foi retirado do ar.
Do Grupo de Proteção Ambiental Mestre Álvaro (GPAMA), Rodrigo Roger, alerta que todos os remanescentes de alagados no entorno da montanha estão ameaçados, principalmente com as obras da rodovia do Contorno do Mestre Álvaro (BR 101). Ele lembra que em 2016 tramitou o projeto de lei do então vereador Guto Lorenzoni na Câmara da Serra que previa permissão para ocupação urbana nos alagados e áreas de turfa.
“Naquela época fomos praticamente durante um mês em todas as sessões para pressionar os vereadores a não aprovar a proposta. Conseguimos, mas eu sabia que era algo temporário. Eu já esperava que a qualquer momento a sanha imobiliária voltaria. Se aterrarem essa área que está à venda será o início do fim não só dos alagados mas da própria vida silvestre do Mestre Álvaro, porque há uma interdependência entre esses ambientes”, avalia Roger.
O ativista, de 45 anos, nasceu no entorno do morro e desde os seis anos frequenta a região. E há 20 anos atua como guia de aventureiros que sobem o Mestre Álvaro. “Se nós ficarmos só nas redes sociais o avanço da destruição será inevitável. É preciso pressionar a Prefeitura, a Câmara e, se for o caso, fechar até rodovia para impedir que destruam um patrimônio tão importante não só para nós que moramos na Serra, mas para toda a humanidade”, propõe.
Turfa e acomodação de águas
Da Associação de Amigos do Mestre Álvaro, Bismarck ‘Jardineiro’, disse que pelo fato da propriedade à venda ser privada, não há nada que impeça a realização do negócio. Mas o problema é o uso futuro.
“A área é de grande sensibilidade ambiental que recebe as águas do Mestre Álvaro e das chuvas além de abrigar diversos animais e a ocupação deste solo de forma desordenada iria causar um grande desequilíbrio ambiental que impactaria até os bairros próximos. Pois como eu disse o local recebe as águas do Mestre Álvaro e das chuvas escoando pro mar e se tiver ocupação desordenada quem iria sofrer os impactos negativos são os bairros próximos”, pontua.
Bismarck, que também atua há décadas como guia para os que se aventuram nas trilhas do Mestre Álvaro, lembra que o solo dos alagados é de turfa, que na super seca entre 2014 e 2016 registrou diversos incêndios, alguns deles se estendendo por semanas, com grande impacto na saúde respiratória dos moradores da Grande Vitória.
“Vejo com bastante ressalva esta ocupação e mais do que nunca a sociedade civil tem que debater tal questão e estar atenta a revisão do PDM (Plano Diretor Municipal) pois se trata do futuro da cidade. Eu acredito em um meio ambiente equilibrado por isso a importância do debate sobre tal tema”, assevera Bismarck.
Presidente do Comitê Gestor da Bacia do Rio Santa Maria da Vitória, Gílson Mesquita, diz que também é contra a ocupação com qualquer atividade urbana nos alagados do Mestre Álvaro, que segundo ele tem papel fundamental na regulação natural das enchentes numa grande área da cidade com bairros como Central Carapina, José de Anchieta II, Jardim Tropical, Cantinho do Céu e também de condomínio empresariais como o TIMS e o Piracema. Gílson, que é morador da Serra e membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condemas), afirma que acompanhará o caso.
Aquífero e manguezais da baía de Vitória
Do Instituto Goiamum, o biólogo Iberê Sassi, lembra que os alagados do Mestre Álvaro estão na zona do aquífero Santa Teresa, imenso reservatório subterrâneo de água ainda pouco pesquisado que abrange o território desde as nascentes dos rios Santa Maria e Reis Magos até o município da Serra. Para Iberê, que também é membro do Condemas, uma eventual ocupação do terreno seria mais um fator de comprometimento desse aquífero, o que também afetaria os manguezais da Baía de Vitória.
Lar de grande número de espécies, algumas ameadas de extinção.
Da ong Guardiões do Mestre, Júnior Nass, também ressalta que a venda do terreno em si é direito de particulares. “O que não pode haver é construções nas áreas de alagados. Quem comprar vai construir aonde ali? Hoje tem o PDM que proíbe, mas sei que pode acontecer mudança nas regras e virar um polo industrial, condomínio de casas ou outras coisas. É o que os grandes empresários querem, que se torne um local para poder construir, seria bem valorizada”, analisa.
Nass, que também é fotógrafo da vida silvestre, alerta que se a prefeitura fizer mudança nas regras e permitir construções ali será uma perda para a biodiversidade da região. “Só nos alagados são cerca de 150 espécies de aves fotografadas. Sem contar tamanduá, jaguatirica, lontra, cachorro do mato, gato mourisco que ficarão à mercê do interesse do pessoal da especulação imobiliária. Sabemos que existem articulações para a mudança do PDM e isso a gente tem que ficar de olho. É preciso manter como APP (Área de Preservação Permanente) esses alagados”, conclui.
Secretário diz que revisão do PDM não vai deixar área passível de ocupação
Na manhã desta quarta-feira (14) o secretário de Meio Ambiente e que também responde pelo Desenvolvimento Urbano da Serra, Cláudio Denícoli, disse que não há nenhum pedido de anuência e tão pouco processo de licenciamento ambiental para implantação de pólo empresarial no terreno tramitando na Prefeitura.
“Ali é uma área de alagados que tem uma função ambiental importantíssima e a tendência no PDM (que está em revisão) é indicação para preservar a área. O que existe há mais de 20 anos é um pedido para a construção do pólo Jacuhy na região depois do polo Piracema, mas que não avançou porque tem toda uma questão ambiental lá”, afirmou Denícoli.