Mestre Álvaro
Yuri Scardini é autor do livro 'Serra: a história de uma cidade' e escreve sobre política e economia

As oportunidades de desenvolvimento para a Serra estão em Aracruz, mas é preciso ir buscá-las

Serra Aracruz
A Serra é a cidade que mais gera emprego no Espírito Santo. Crédito: Divulgação

O que está acontecendo no litoral da Microrregião Capixaba que compreende o Rio Doce é resultado de um volume de investimentos públicos e privados raramente observado no Espírito Santo. Especialmente a cidade de Aracruz é a nova queridinha do desenvolvimento econômico do Estado fora do eixo petrolífero capixaba. Já abordamos esse assunto de diversos aspectos, mas a síntese parece ser sempre a mesma: a Serra precisa se conectar com Aracruz o quanto antes, não apenas se tratando de obras de infraestrutura rodoviária, mas de uma conexão sinérgica mesmo.

Em 2021, Aracruz foi incluída na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Como efeito desse benefício, nos últimos anos, o Banco do Nordeste injetou milhões em operações de crédito para implantação de projetos na cidade, com extensão a Linhares, que já fazia parte da Sudene. Essa é só uma parte do todo, já que o município vem experimentando uma transformação econômica há algum tempo, na esteira da chegada do Estaleiro Jurong a partir de 2011.

Já naquela época se vislumbrava o complexo portuário que está em vias de ser concluído, tanto no que tange à dinamização e ampliação do Portocel, operado pela gigante da celulose Suzano, quanto aos projetos do Imetame e das áreas pertencentes à Codesa, com projetos de novos portos a partir da privatização da companhia. Como se não bastasse para atrair novos negócios, em 2023 a cidade foi escolhida para abrigar a primeira Zona de Processamento de Exportação (ZPE) privada do país, após uma articulação nacional que envolveu o governador Renato Casagrande e o vice-presidente Geraldo Alckmin (ambos PSB).

A ZPE, como o próprio nome sugere, é uma extensa área destinada à implantação de negócios voltados para a exportação, localizada na região da Barra do Riacho, a poucos quilômetros do complexo portuário em consolidação. A ZPE estará conectada às atividades portuárias, fortalecendo o complexo de Aracruz. Essa mudança terá um impacto direto na Serra. Um exemplo disso é o receio de que a ZPE de Aracruz possa desmantelar parte do setor de rochas, que faz da Serra a líder em exportação tanto em toneladas (20,6%) quanto em valores (30%). Em 2023, a Serra exportou R$ 1,33 bilhão em rochas.

Se todo esse conglomerado for conectado a um novo projeto ferroviário, incluindo a duplicação do ramal da Estrada de Ferro Vitória-Minas e o conceito da Variante da Serra do Tigre, poderá criar uma malha ferroviária melhorada, conectando a EFVM à Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). Isso tem o potencial de consolidar o corredor Centro-Leste, um conceito antigo mas ainda relevante, que poderia inserir o Espírito Santo no roteiro nacional da economia exportadora, ampliando sua vocação.

Atualmente, a Serra é a maior economia do Espírito Santo, e essa posição permite à cidade arrecadar o suficiente para manter um vasto aparato de serviços públicos. Por exemplo, são realizados 150 mil atendimentos de saúde por mês nas unidades básicas e nas UPAs, além de atender quase 80 mil alunos na rede municipal de ensino. Essas instituições oferecem não só educação, mas também segurança alimentar, com merendas que muitas vezes são a principal refeição de milhares de alunos em situação de vulnerabilidade.

A Serra precisa manter seu ritmo econômico para garantir não apenas a manutenção dessa máquina de serviços múltiplos, mas também sua ampliação, considerando o crescimento populacional frenético. Cerca de 80% da população da Serra é dependente do SUS.

Não é que Aracruz se tornará mais rica que a Serra; na verdade, ela já é há muito tempo. Em 2023, a arrecadação per capita de Aracruz foi de R$ 9.057,11, a nona entre os 78 municípios do estado, enquanto a Serra ficou em 68º lugar, com arrecadação per capita de R$ 5.154,31. A Serra aparenta ser mais rica por conta dos números totais, mas quando a arrecadação é vista pela diferença do número global dividido pelo número de habitantes, a realidade é bem diferente, que é a ótica do dimensionamento.

Então, Aracruz já é mais rica que a Serra e deve aumentar ainda mais essa diferença, especialmente considerando que a população da Serra, em geral, é mais pobre e dependente do setor público. Dito isso, o que a Serra pode captar de bom desse momento de frenesi em Aracruz? Para começar, se a cidade quer criar sinergia econômica com nossos vizinhos do norte, a institucionalidade da Serra precisa colocar a Suzano na mesa para dialogar. A empresa, com unidade em Aracruz, é dona de quase 10% do território da Serra, áreas que pertenciam à antiga Aracruz Celulose, depois Fibria, e posteriormente Suzano. Essas áreas estão localizadas no vale da Lagoa Juara entre Nova Almeida e Jacaraípe. É exatamente por isso que aquela região é desvalorizada, já que o eucaliptal da Suzano se estende quase do litoral até o oeste, perto da Malha Branca no Mestre Álvaro.

Essa pauta é funcional para a Serra, já que pelo eucaliptal da Suzano está sendo traçado o Contorno de Jacaraípe, que vai ajudar a criar um novo eixo rodoviário entre o Planalto de Carapina e Nova Almeida, passando por fora da região litorânea de Jacaraípe e dando mais dinamismo econômico a essa região, atualmente dominada pela monocultura do eucalipto. Aliás, o próprio Contorno de Jacaraípe é outro aspecto importante desse conceito de interligação com Aracruz/Linhares. Essa rodovia já está em fase avançada de execução e deve ser entregue ainda este ano, de acordo com Casagrande. Mas esse projeto é apenas parte de um plano maior, que inclui o Contorno de Aracruz, prevendo uma nova ponte sobre o Rio Reis Magos, robusta o suficiente para o tráfego pesado de caminhões, cortando a parte interna de Praia Grande, passando pelo distrito de Santa Cruz e chegando até as zonas portuárias, da Sudene e ZPE em Aracruz, estendendo-se até Linhares. Essa é a obra fora da Serra mais importante para a cidade.

Existe a expectativa de que essa obra comece no próximo ano. É uma realidade palpável, considerando que é estratégica não apenas para a Serra, mas para todo o Espírito Santo, pois será possível sair de Vitória e, em uma hora de carro, chegar ao centro econômico de Aracruz. Esses contornos se ligarão ao Civit II, na Serra, a partir da Avenida Talma Ribeiro na subida do Terminal de Jacaraípe, dando competitividade ao arranjo metalmecânico da Serra, tornando-o o grande prestador de serviços em Aracruz.

+ A metade oeste da Serra será o novo farol de desenvolvimento da cidade neste século

Além disso, Aracruz não possui a capacidade de infraestrutura da Serra, nem a possibilidade de fornecer produtos, serviços e mão de obra. A Serra pode aproveitar o frenesi de Aracruz qualificando a mão de obra e reintegrando-a no mercado de trabalho nas empresas da Serra, em um diálogo conjunto com a demanda daquela cidade. A Associação dos Empresários da Serra é uma entidade forte e pode servir de ponte. Políticas de qualificação de mão de obra são ações de Estado. Em um olhar amplo, a Serra tem condições de estruturar o crescimento de Aracruz; caso contrário, a cidade terá que fazer isso sozinha, e o modelo de crescimento econômico brasileiro é geralmente conturbado e sem efeito imediato. Esse é o modelo, por exemplo, que fez da Serra a cidade mais violenta do país em 2005, uma chaga que, embora superada, deixou traumas difíceis de curar.

Aracruz pode crescer de forma menos impactante se estiver apoiada na força de uma cidade que conhece esse processo e já colheu benefícios e tribulações dele. O setor produtivo da Serra pode ser alicerce de prestação de serviços, fornecimento de mão de obra e produtos para o norte, sem a necessidade de absorver ondas de migração e crescimento irregular. A Serra não precisa competir com Aracruz, pois a chance de sofrer fuga de investimento é alta, já que esse processo já está em curso. O desenvolvimento econômico da Serra segue rumo às áreas a oeste, tanto do litoral, através do Contorno de Jacaraípe, quanto por trás do Mestre Álvaro, pelo Contorno do Mestre Álvaro. Essas áreas estão prestes a marcar um novo momento de expansão urbana e precisam estar interligadas sinergicamente com Aracruz.

A solução para a Serra continuar avançando em sua economia, financiando os serviços oferecidos a uma população dependente e em rápido crescimento, está exatamente nesse eixo oeste conectado ao norte capixaba. Vitória, uma cidade estratégica para a Serra, funciona como uma república independente. A cidade está de costas para Vila Velha e Cariacica devido à geografia do Estuário do Lameirão e da Baía de Vitória; a menos que seja construída outra ponte, a capacidade de dinamismo de Vitória ficará pelo lado da Serra, já que há interligação continental. Porém, a muralha institucional entre Serra e Vitória segue de pé.

Veja o exemplo da Avenida Norte-Sul: enquanto a Serra implantou o binário, criando faixas de mão e contramão para ampliar a capacidade de tráfego veicular, Vitória ainda não tirou do papel o projeto de mergulhão da avenida com a orla de Camburi. O resultado não poderia ser outro: o trânsito flui na Serra e se agarra ainda mais em Vitória. Basta ampliar essa lógica para todas as áreas; essa barreira institucional é muito antiga e tem como base o fato de que Vitória quer ser conceitualmente uma ilha, mesmo que geograficamente nunca tenha sido uma. Resta à Serra olhar para o norte capixaba por meio da sua faixa oeste, erradicando os eucaliptais e capturando as bordas do frenesi de Aracruz.

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