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Mestre Álvaro
Yuri Scardini é autor do livro 'Serra: a história de uma cidade' e escreve sobre política e economia

Até quando vamos encarar a Grande Vitória como se fosse um arquipélago de interesses isolados?

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Visão aérea da Serra. Crédito: Divulgação

As primeiras iniciativas de pensar em políticas públicas integradas para as maiores cidades ao redor de Vitória datam do final dos anos 1960, quando a Comissão de Planejamento Integrado da Grande Vitória (Copi) foi criada. Até os anos 1990, houve pouquíssimos avanços em tentativas de desenvolver esse conceito, em parte porque o contexto não era favorável.

O Espírito Santo vivenciou um período agitado conhecido como os ‘Grandes Projetos’, impulsionado pelas políticas de industrialização do Regime Militar com base no capital estrangeiro, que efetivamente instaurou uma era de grande desenvolvimento econômico no estado, promovendo mudanças rápidas. No entanto, marcada também pela retumbante falha na mitigação e correção dos impactos causados por esses projetos.

Isso tornou a Serra a cidade mais industrial do Espírito Santo, o que foi um ponto positivo, mas também trouxe complexidades ao tecido social que a Prefeitura sozinha não tinha condição de gerenciar, especialmente no que se refere à violência urbana.

Na ausência de uma ação reparadora por parte do Estado Brasileiro, o Espírito Santo buscou soluções próprias, e um dos temas em discussão foi a criação de uma governança compartilhada entre as maiores cidades do estado, iniciativa liderada pelo então prefeito de Vitória, Vitor Buaiz, no início dos anos 1990. Foi Buaiz quem introduziu o conceito atual da Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV).

Naquela época, já existiam iniciativas de integração, especialmente com a criação do sistema Transcol, que envolvia a construção de seis terminais: Carapina e Laranjeiras (na Serra), Itacibá e Campo Grande (em Cariacica), e Toca e Ibes (em Vila Velha). Contudo, ainda faltava a implementação de um comitê ou autoridade formal. O prefeito da capital não conseguiu uma adesão ampla, incluindo a resistência por parte da Serra, onde o então prefeito Adalton Martinelli recusava-se a participar do projeto. Em novembro de 1990, um plebiscito foi realizado e, além de Martinelli, 17 dos 19 vereadores votaram ‘não’ à criação da RMGV.

A concretização do projeto só ocorreu em 1995, quando Vitor Buaiz já era governador do estado e João Batista da Motta no cargo de prefeito da Serra. Foi instituída a Lei Estadual nº 58, de 23 de fevereiro de 1995, abrangendo os municípios de Cariacica, Serra, Viana, Vila Velha e Vitória. A lei visava à organização, planejamento e execução de funções públicas de interesse comum no âmbito metropolitano, resultando na criação do Conselho Metropolitano da Grande Vitória (CMGV), composto pelo governador do Estado e pelos prefeitos. Este conselho, com competências para gestão metropolitana, é o antecessor do atual Conselho Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (Comdevit), criado em 2005.

Reconstruída, mesmo que rapidamente toda essa história para mostrar o quão estratégica e importante essa iniciativa é, chegamos aos dias atuais. Como instrumento burocrático, o Comdevit realizou progressos em alguns aspectos, como, por exemplo, o Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana da Grande Vitória, elaborado em 2017. Esse plano propôs um estudo detalhado para os próximos 30 anos da RMGV nas áreas de desenvolvimento econômico, mobilidade urbana, meio ambiente e ordenamento territorial. No entanto, efetivamente, poucas ações foram executadas conforme planejado e dentro dos prazos estabelecidos.

Em síntese, parece que o principal entrave para o avanço dessa integração, de fato, reside nas diferenças políticas entre os envolvidos, pois instrumentos burocráticos já existem há quase 30 anos e vem sendo aprimorados. Um exemplo disso é que de 2005 a 2021, constam apenas 12 reuniões do Comdevit, dos quais em nenhuma delas foi possível a junção presencial dos quatro prefeitos das maiores cidades: Serra, Vitória, Cariacica e Vila Velha, junto ao Governador do Estado.

A dificuldade do meio político em se reunir e desenvolver uma visão conjunta subutiliza um instrumento de gestão integrada que se torna cada vez mais necessário a cada ano. Claro, enviar representantes é legítimo, mas quem realmente possui uma visão amplificada das cidades são os seus governantes. É possível destacar assuntos contemporâneos que ilustram bem os novos desafios enfrentados pela Serra.

Por exemplo, a um custo elevado para os cofres públicos, o município da Serra avançou muito nos últimos anos na estrutura de saúde pública. Conforme diversas reportagens publicadas pelo Tempo Novo, com base em dados fornecidos pela Prefeitura da Serra, já era grande o número de atendimentos nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da Serra oriundos de Cariacica. Recentemente, os dados de janeiro de 2024 também mostraram que moradores de Vitória estão procurando cada vez mais as UPAs da Serra.

Nem Cariacica nem Vitória experimentaram o mesmo avanço na estrutura de saúde pública que a Serra. Vitória, por exemplo, nem sequer possui uma UPA. Fica evidente que, quando uma das cidades consegue investir mais e melhor em determinada área, também atrai moradores de outras cidades. No caso da saúde, o SUS visa à universalização do acesso, porém, apesar de o SUS ser uma das maiores experiências de saúde pública do mundo, os orçamentos municipais são individualizados e projetados para a realidade de cada cidade. Assim, há um descompasso. Em números: em janeiro as três UPAs da Serra atenderam 1.500 moradores de Vitória, muitos dos quais retiraram medicamentos da farmácia pública municipal financiada com recursos da Prefeitura da Serra.

Existem diversos outros exemplos, como quando Vitória, ainda na gestão do ex-prefeito Luciano Rezende, implantou isoladamente o cerco eletrônico em seu território, levando a um aumento nos furtos e roubos de veículos na Serra, que não possuía essa tecnologia. Esse cenário sugere que a medida isolada de Vitória pode ter incentivado a migração de ações criminosas para as cidades vizinhas da Grande Vitória. Antes da implantação de uma ferramenta assim, não seria pertinente debater esse tema entre os prefeitos na perspectiva da Região Metropolitana da Grande Vitória, buscando uma integração dessa tecnologia para abranger todo o território urbano conectado?

Os exemplos se multiplicam. Na perspectiva da mobilidade urbana, recentemente, a Prefeitura da Serra anunciou tratativas para a construção de uma terceira estrada ligando Serra a Vitória, passando pelas bordas do Complexo de Tubarão e conectando o litoral sul da Serra com a capital. Este projeto estruturante beneficiará ambas as cidades, dada a já significativa integração econômica entre elas, incluindo comércio, serviços, e oferta de mão de obra, entre outros aspectos.

O projeto, que trará benefícios também para Vitória ao conectar melhor por vias as duas maiores economias do Espírito Santo, será financiado exclusivamente pela Serra, que só iniciará o projeto após conseguir um empréstimo internacional junto ao Banco dos BRICS. Quais são as alternativas de desenvolvimento econômico para a capital, senão aprofundar as integrações econômicas com a Serra? Com Vila Velha, há a barreira natural do mar, e com Cariacica, o estuário do Rio Santa Maria, que abriga o maior manguezal urbano da América Latina.

Estes são pequenos, porém importantes exemplos de como a criação e execução de planos integrados podem resolver problemas comuns. Se o entrave é político, não seria adequado instituir uma autoridade política da Grande Vitória responsável por articular tais políticas de integração, utilizando recursos federais, estaduais e porções dos orçamentos municipais em proporções adequadas? Uma Autoridade Metropolitana indicada pelo governador, escolhida por entidades da sociedade civil em comitê, ou eleita pelos prefeitos e vereadores em um sistema de lista tríplice, ou qualquer outra forma que crie uma unidade política minimamente sólida. Afinal, as divergências políticas são parte da democracia, desde que não suprimam o interesse público, que é, ou deveria ser, preponderante.

O que está claro é que a integração na RMGV precisa acompanhar o crescimento das cidades, algo que claramente não tem acontecido. Embora exista o Fundo Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (Fumdevit), que oferece suporte financeiro a projetos integrados, isso ainda está longe de ser suficiente diante da magnitude dos desafios a serem enfrentados. Até quando vamos encarar a Grande Vitória como se fosse um arquipélago de interesses isolados, ignorando a interconexão e interdependência de suas cidades?

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