Ativistas de Jacaraípe querem a suspensão da audiência pública on-line sobre as obras de contenção da erosão nas praias do município marcada para esta sexta-feira (24). O pedido para o cancelamento foi protocolado hoje (23) pela manhã na Prefeitura da Serra, responsável pelas obras e pelo licenciamento ambiental, e é assinado pela Associação de Surf do Estado do Espírito Santo (Asees). A entidade, assim como ambientalistas e até comerciantes locais, temem impactos negativos.
No pedido, que leva a assinatura do presidente da entidade, Flávio Ferreira Siqueira, a entidade alega que o prazo entre a divulgação e a realização da audiência foi curto e que o formato virtual e a pandemia da covid-19 concorrem para desmobilização dos interessados.
A Asees pede também acesso a estudo morfodinâmico completo – que avalia correntes marinhas e erosão – além dos demais documentos sobre o projeto, anunciado como engordamento da praia. Na prática, o engordamento consiste em alargar a praia jogando mais areia nela para frear o avanço do mar. A areia viria de jazidas de outros trechos do próprio litoral.
Associação defende que o estudo morfodinâmico é fundamental para entender a real necessidade das obras e sugerir, em conjunto com especialistas, possíveis mudanças no projeto para minimizar efeitos negativos ao meio ambiente, surf, mergulho esportivo, pesca e, consequentemente, ao arranjo econômico ligado a essas atividades.
O projeto apresentado pela Prefeitura, aponta para a ampliação da faixa da areia em oito trechos de praia distribuídos em cinco balneários do litoral serrano: Nova Almeida Marbela, Costabela, Jacaraípe e Manguinhos. Inicialmente, a audiência estava marcada para o último dia 02 de abril e seria em formato presencial. Mas, com avanço da pandemia da covid-19, o evento foi remarcado. Na última segunda-feira (20), a Prefeitura divulgou que a audiência será nesta sexta às 17h pela internet. O endereço para acompanhar é http://audienciacontroledeerosaopraial.serra.es.gov.br.
Corais, tartarugas, pesca, ondas e turismo
O presidente da Associação Comercial e Empresarial de Jacaraípe (Acejac), Thiago Carreiro, disse que é necessário fazer gestão contra a erosão no litoral. Mas considera “obscuro” o jeito que a Prefeitura está conduzindo o projeto. “Não estão claros os impactos desses aterros de trechos das praias nos corais, desova de tartarugas, na pesca e no surf”, enumera.
Segundo Thiago, Jacaraípe tem regularidade de ondas o ano inteiro e atrai por dia, em média 300 surfistas de outros lugares. “Nos dias de ondas grandes, chegamos a receber cerca de 2 mil surfistas de outros municípios, fora os locais. Esse pessoal movimento lanchonetes, restaurantes, hotéis de pranchas, lojas de surf. São cerca de 30 estabelecimentos, se as obras afetarem as ondas, todo esse arranjo será prejudicado. O surf é a identidade de Jacaraípe, tanto que o balneário tem o apelido de Vila do Surf ”, destaca.
Dono de loja de surf e fábrica de pranchas, André Coquinho, defende que sejam estudadas outras alternativas para a reduzir o avanço do mar. “Um projeto feito por oceanógrafos da Ufes , mostra que há outras formas de fazer a contenção da erosão sem fazer engordamento. Desde o início dos anos 2000, os surfistas e ambientalistas recuperaram a restinga nas praias do Barrote e Solemar e a faixa de areia se ampliou naturalmente. Mesmo nas ressacas mais fortes, o impacto da erosão é pequeno”, defende.
De Jacaraípe, a bodyborder multicampeã Maylla Venturini também está preocupada com os impactos do engordamento. “A prefeitura está tentando fazer a parte dela, mas é preciso um pouco mais de calma. De repente, pode escolher uns três pontos mais críticos e fazer (o engordamento), mas outros ponto podem aguardar. Não é um trabalho simples, corais podem ser soterrados. E pode prejudicar as ondas, assim como já aconteceu quando mexeram no píer”, lembra.
Mayla defende que haja mais diálogo com a comunidade. Sobre a audiência pública on line, afirma que o ideal seria a conversa presencial. “Quando conversamos com a Secretaria de Meio Ambiente na Apa do Mestre Álvaro ano passado, foi produtivo. A audiência on line será uma experiência nova para para todo mundo, espero que seja bacana”, pondera.
A atleta alerta que se obras forem mal feitas e prejudicarem as ondas, será um duro golpe para o balneário. “Barrote e Solemar tem onda até quando outros lugares do estado não tem. Muitos amigos de Vila Velha, Vitória, vêm surfar aqui. É um lugar fácil para surfar, por isso temos também as escolinhas” lembra.
Morador aciona Ministério Público Federal
Geógrafo, surfista e morador de Jacaraípe, Pablo Torres, afirma que acionou, na última quarta-feira (22), o Ministério Público Federal (MPF). Pablo quer que o órgão apure o que considera irregularidades no projeto da prefeitura.
O geógrafo argumenta que não foi apresentado estudo morfodinâmico completo, nem feito Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a obra. Diz também que o engordamento vai impactar uma unidade de conservação federal, a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa das Algas nos trechos de Nova Almeida, Marbela, Costabela e Cabuba. E que por isto, o licenciamento tinha que transcorrer pela União.
Por fim, Pablo afirma que as jazidas de areia apresentadas pela Prefeitura – foz do rio Reis Magos e do rio Jacaraípe representam risco de contaminação, uma vez que os mananciais – principalmente o segundo – estão poluídos com esgoto doméstico e industrial.
Prefeitura diz que fez estudo e tem autorização de Estado e União
Por nota, a Prefeitura da Serra disse que não tem obrigação legal de fazer a audiência pública, mas fará mesmo assim e no formato on line. Disse que fez estudo morfodinâmico e que possui autorização de Estado e União. Confira íntegra da nota:
Foi elaborado o Estudo Morfodinâmico do litoral do município da Serra, que contemplou o diagnóstico dos meios biótico, físico e antrópico.
Em outubro de 2018 já foi realizada uma consulta pública sobre o tema, durante a qual foi apresentado inclusive o diagnóstico de tal estudo.
É bom destacar que todos os órgãos competentes foram consultados e comunicados sobre as intervenções que o estudo apontou como necessárias, inclusive o ICMBIO, que é o gestor da APA Costa das Algas.
O órgão competente para o licenciamento ambiental da obra de contenção de processos erosivos em orlas marítimas e estuarinas é a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma), por meio de delegação de competência do Órgão Estadual. Em outubro de 2019 o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) delegou ao município o licenciamento ambiental para a atividade citada.
No dia 17 de abril de 2020 foi realizada nova publicação informando da sua realização de forma on-line a ser realizada no dia 24 de abril, garantindo assim a participação ampliada da sociedade.
Até o momento da publicação desta reportagem, o Ministério Público Federal ainda não havia se manifestado sobre a denúncia feita pelo geógrafo e morador de Jacaraípe, Pablo Torres.