Bairro de Fátima, bairro populoso, movimentado, cheio de vida, comércio e moradias. É o limite sul da Serra na divisa com Vitória. É uma comunidade plural, que vai desde a forte cultura sambista encabeçada pela escola Império de Fátima até o pé de Serra do Forró Raiz. Toda essa agitação começou com um sonho empreendedor de Henrique Rato, um jovem português, muito devoto a Nossa Senhora de Fátima, que comprou uma fazenda e depois loteou seus espaços.
Henrique Mendonça Martins Rato nasceu em Lisboa em 1902, e emigrou para o Brasil com aproximadamente 26 anos. Mas antes de entrar na história de Henrique, que fundou Bairro de Fátima, a Coluna Histórias da Serra precisa ir um pouco mais ao passado, para trazer a trajetória do pai de Henrique, o português José Martins Moreira Rato, que atualmente leva o nome da principal Avenida de Bairro de Fátima.
O bairro possui uma área de 550 mil metros quadrados e se divide em três conjuntos residenciais: Bairro de Fátima antigo; Conjunto Carapina I e Conjunto Hélio Ferraz.
Em 1883, nascia em Lisboa, José Rato. Na época, Portugal vivia sob o regime monárquico. No entanto, já estava em ebulição o sentimento de transformação para o atual modelo de República, tanto é que em 1876, ou seja, 7 anos antes de José Rato nascer, foi criado o Partido Republicano, como uma forma de contrapor o sistema monárquico.
José Rato cresceu nesse contexto de florescimento da República Portuguesa, e desde jovem apresentou enorme desenvoltura política. Diante da sua influência, José Rato acabou se tornando um dos organizadores do movimento antimonárquico (que iria ser sacramentado em 1910).
Foi José Rato que criou a banda de música que tocaria no dia da vitória republicana frente à monarquia. A banda ‘Dobrado Silvino Rodrigues’ é o símbolo da vitória alcançada. Talvez seja essa a origem histórica da genética para a arte musical de Bairro de Fátima.
Após ser um dos protagonistas da vitória republicana, José Rato recebeu vários convites para exercer cargos no novo governo. Porém o português preferiu rejeitar todos e seguir com a vida.
No entanto, perto do final da década de 20, José Rato foi assolado com uma das piores notícias a época: o filho mais novo, Fernando, estava com tuberculose. Sem saber o que fazer, José Rato foi orientado por um médico português a se mudar para o Brasil, já que o clima era mais favorável para recuperar a saúde do filho.
Eis que José Martins Moreira Rato, sua esposa Clotilde e dois de seus três filhos, Henrique e Fernando, deixam Portugal em direção ao Brasil. À terceira filha do casal, Adelaide, já estava casada, e por isso, ficou em Lisboa.
No primeiro momento, o casal José e Clotilde, junto com o filho doente, Fernando, vieram para o Espírito Santo. Enquanto Clotilde e Fernando foram para a cidade de Domingos Martins, que era indicada no tratamento de tuberculose, José Rato, como bom português que era, se dedicou ao comércio na capital. Em Vitória, ele abriu um bar e também comercializava café.
Enquanto isso o segundo filho do casal (e futuro fundador de Bairro de Fátima), Henrique Rato, foi para o Rio de Janeiro. A decisão de Henrique se deu porque ele veio para o Brasil com uma carta de recomendação para trabalhar em uma Camisaria carioca.
Lá, ele se mostrou muito voluntarioso e talentoso, sendo convidado para gerenciar uma filial das Casas Pernambucanas no Espírito Santo, que iria inaugurar na luxuosa Vila Rubim, em Vitória, bem próxima do comércio do pai, José Rato. Como a família já estava no ES, Henrique resolveu aceitar a proposta. Infelizmente, mesmo com todo o esforço de José Rato, seu filho, Fernando, não resistiria à tuberculose e morreria pouco tempo depois, aos 19 anos.
Henrique tinha uma arraigada fé católica e uma devoção a Nossa Senhora de Fátima. Depois de trabalhar alguns anos no Rio de Janeiro foi convidado a gerenciar as “Casas Pernambucanas” em Vitória. No ES, ele se casou na cidade de Itarana com a jovem Ana Fiorotti. Dessa união nasceram seis filhos. Entre eles, Adelaide Rato, que forneceu a base das informações para produção deste texto.
Após se dedicar a gerência das Casas Pernambucanas por anos, o sangue português falou mais alto, e na década de 40, Henrique decidiu empreender em um pequeno comércio em Vitória. Para essa tarefa, ele precisou contratar um contador.
Esse contador, de quem Adelaide não se recorda o nome, era muito amigo do Tenente Adolfo Bittencourt, que detinha as posses da região Pau Brasil, no Planalto de Carapina, onde atualmente fica Bairro de Fátima.
Certo dia entre o final de 1940 e início de 1950, Henrique estava muito preocupado e irritado com o andamento do comércio. E naquele dia, o tenente Adolfo teria pedido ao contador para que oferecesse o terreno para Henrique. Muito nervoso naquele momento, o português acabou dando uma reposta ríspida, pois achava que o negócio não iria vigorar.
Sem avisar, o contador relatou sem filtros as palavras e o comportamento de Henrique, causando certo constrangimento junto ao tenente. Adelaide conta, que no dia seguinte, o contador disse a Henrique que o tenente queria conversar sobre a compra, e envergonhado pela má resposta dada, foi se retratar.
O tenente aguardava que Henrique fosse se exaltar novamente, porém, surpreso positivamente com a sinceridade nas palavras do português, que se desculpou, ele voltou a oferecer o terreno a um preço melhor, e disse que se Henrique não conseguisse pagar a vista, seria possível fazê-lo por meio de promissórias.
Henrique se viu meio encurralado pela situação e não teve outro jeito a não ser comprar o terreno. Em 1950, oficialmente, o território que viria a ser Bairro de Fátima, estava em posse do português Henrique Rato. Com o terreno em mãos, o comerciante apostou a sorte em tentar erguer uma fazenda, e apesar das investidas, o plano deu todo errado.
Mesmo com o deslocamento de toda a família de Henrique para o local, a contratação de empregados e até compra de cabeças de boi, a Fazenda Pau Brasil, como foi denominada, não foi para frente. Como alternativa, o comerciante decidiu lotear a área, e a partir daí a região atualmente conhecida como Bairro de Fátima deu seus primeiros passos na história da Serra.
Homenageando Nossa Senhora de Fátima, a qual Henrique tinha grande devoção, o bairro ganhou o nome da Santa e foi abreviado com o passar dos anos para Bairro de Fátima. Na divisão dos lotes, Henrique e sua esposa Ana, reservaram desde o início os locais para a Igreja e a Escola (atual Paróquia Nossa Senhora de Fátima e a Escola de Ensino Fundamental e Médio Clotilde Rato – nome da mãe de Henrique Rato).
Porém, Dom José Joaquim Gonçalves, (bispo de Vitória e referência religiosa da época) ao passar pelo local, viu que havia mais potencial e se prontificou a ajudar na construção de um santuário. Dom José e a família Rato acabaram desenvolvendo dali, uma grande amizade.
Entre os dias 13 e 17 de abril de 1953 ocorreram diversas cerimônias do lançamento da pedra fundamental de inauguração do bairro. Porém no último dia, houve um grande acontecimento: a visita da imagem original da Santa Nossa Senhora da Penha, que veio de Portugal para o Brasil. Esse fato só foi possível por meio da influência do Bispo Dom José.
A construção do santuário seria uma tarefa árdua, e para sanar rapidamente a demanda da população da época por casamentos e batismos o local acabou funcionando de forma improvisada.
Existe um registro do jornal ‘Folha do Povo: o vespertino do Espírito Santo’, no dia 11 de abril de 1953, com o seguinte anúncio: “O Governador do Estado recebeu os srs. Henrique Ratto e Alexandrino Santos que o convidaram a assistir á primeira Missa Campal que será celebrada no dia 13, ás 8 horas”.
A medida que o bairro crescia e apresentava novas demandas, Henrique sempre buscava suprir as necessidades. Usando seu prestígio, ele conseguiu uma linha de ônibus ligando o bairro ao centro de Vitória, no final da década de 50. Na época havia apenas uma venda. A luz, água e asfaltamento foram projetos idealizados por Henrique, que até hoje tem seu legado presente no bairro.
Já com Bairro de Fátima dando seus primeiros passos de vida, sob a liderança do filho Henrique, José Rato faleceu em Vitória, em novembro de 1967, aos 84 anos de idade.
Ele foi conduzido ao túmulo, no Cemitério de Santo Antônio, com o corpo envolvido pela Bandeira da revolução portuguesa, que estava marcada pelas balas que a perfuraram. José Rato tinha trazido a bandeira para o Brasil como troféu da Proclamação da República Portuguesa, que tanto lutou para acontecer.
Como justa homenagem, numa retribuição pelas benesses recebidas, a administração municipal da Serra referendou a indicação do nome dado à principal via pública do bairro: Avenida José Rato.
Depois dos promissores inícios, imaginava-se que as obras iriam andar rapidamente. Mas aí, vieram as dificuldades: as paredes foram erguidas com 3,5 metros de altura, o que demonstrava a magnitude da construção, porém, isso encareceu demais a obra, deixando a comunidade sem conseguir prosseguir na construção. Mesmo assim, Henrique sempre dava um jeito de continuar a realização religiosa, ele chegou a construir uma tenda, no lugar onde está o altar, para celebrar as missas.
Os anos transcorreram e Bairro de Fátima começou a ganhar cada vez mais moradores. O local começou a ficar pequeno e em 1970, os encontros passaram a ser feitos em um salão, feito de madeira, no Centro Comunitário.
Foi em 1984, aos 82 anos de idade, que Henrique Rato morre, deixando um legado e uma história absolutamente importante para a construção da Serra que conhecemos hoje. Até a última hora, ele pediu a Jesus e a santa mãe Maria que dessem continuidade à obra iniciada por ele. Em 1985, próximo ao Natal, ladrões arrombaram o espaço da igreja e levaram as imagens e o presépio, mas o que poderia enterrar de vez com o sonho de Henrique, foi na verdade combustível para que toda a comunidade se sensibilizasse e conseguisse recursos para as obras de fechamento do altar.
Benção do Papa: Até uma carta foi escrita para o Papa João Paulo II pedindo oração para que o santuário fosse reconhecido pela Mitra Arquidiocesana. Em 1991, quando João Paulo II veio ao Estado, os fiéis do santuário levaram a grande imagem da virgem de Fátima em um andor até a avenida Adalberto Simão Nader, em Vitória, local de passagem do papa móvel. Em um gesto de bondade, João Paulo II abençoou os devotos.
Em 1993, o terreno onde está o santuário tinha uma pequena meia-água coberta de eternite, no interior de um retângulo de paredes. No local, crescia mato, que era alvo de capina dos devotos.
Em 2003, exatos 50 anos após a benção da pedra fundamental, o então arcebispo de Vitória, dom Silvestre Luiz Scandian, hoje arcebispo emérito, e um grupo de fiéis que participavam da equipe de obras da igreja trabalharam para retomar a obra. O terreno já estava escriturado e registrado em nome da Mitra. A arquiteta Raquel T. Schneider ajudou a elaborar o projeto da edificação e iniciou-se a construção, em 2004.
Os recursos vieram da doação de fieis, empresas e da realização de eventos. A então Companhia Vale do Rio Doce fez uma doação em dinheiro para a Prefeitura da Serra, que construiu a praça em frente ao santuário. Foi inaugurada em 16 de janeiro de 2007. Já a torre, com o painel de Nossa Senhora de Fátima, foi inaugurado em 21 de outubro de 2010. Em 21 de outubro de 2012, o arcebispo da Arquidiocese de Vitória dom Luiz Mancilha Vilela elevou o santuário à categoria de Paróquia. E assim estava consagrada a grande obra da vida de Henrique Rato.
Durante aproximadamente 30 anos, as prefeituras de Vitória e Serra ficaram em litígio sobre a definição das divisas. Bairro de Fátima estava no centro dessa disputa. No papel, Bairro de Fátima, Hélio Ferraz, Conjunto Carapina, Eurico Salles, Boa Vista II e Carapebus eram território de Vitória, mas os investimentos públicos, como limpeza, iluminação e infraestrutura ficavam a cargo da Prefeitura da Serra.
Além disso, os próprios moradores dessas localidades se identificavam como moradores da Serra. O pagamento de impostos era sempre litigioso muitas vezes indo para Vitória e outros para a Serra. Foi somente em 2012 que as duas prefeituras chegaram a um acordo mútuo do qual passaram os bairros definitivamente para a Serra.
Desde então, toda a população residente foi contabilizada como serrana, o que fez com que de um dia para a noite o Serra ultrapassasse Vila Velha no quantitativo populacional, tornando-se, portanto, a cidade mais populosa do ES. Na época, o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) contabilizava esses contribuintes como moradores da capital.
Antes do acordo, algumas empresas depositavam impostos em juízo e por isso o dinheiro ficava retido pela Justiça. Com o acordo, as Prefeituras conseguiram a época resgatar os valores, o que incrementou o caixa de ambos os municípios em 2012.
O acordo entre as prefeituras virou Lei municipal na Serra e em Vitória, posteriormente foi realizada uma alteração na lei estadual 1.919/63 que formalizou as novas divisas.
Essa reportagem foi escrita pelos jornalistas Yuri Scardini e Leonardo Lucas. A fonte base das informações contidas nela adveio da filha de Henrique Rato e neta de José Rato, Adelaide Rato. Um senhora encantadora e muito orgulhosa da história de luta que sua família construiu. Além dela, a reportagem utilizou informações já publicadas do historiador Clério Borges; de arquivos e registros públicos; extraiu dados da Coluna ‘Endereço da História’ escrita por José Eugênio Vieira; além de informações do site da AVES (Arquidiocese de Vitória); e por fim, uma grande gama de matérias já publicadas pelo próprio Jornal Tempo Novo.
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