O Boulevard Lagoa é uma das áreas residenciais mais valorizadas do Espírito Santo. Acessado por poucos, a suntuosa entrada estimula a criatividade e a curiosidade de muitos moradores da Serra, que só conseguem ver além dos muros por meio de fotos e imagens na internet. Espaço seleto, ocupado por empresários, altos servidores públicos e/ou demais pessoas que possuem alguns milhões na conta bancária, o Boulevard é eventualmente confundido com um condomínio de luxo. Informação, na sua formalidade técnica, equivocada.
Aqui, o próprio Jornal Tempo Novo faz uma ‘mea-culpa’ na divulgação dessa informação, já que apesar de ter feito ostensiva cobertura jornalística sobre o assunto desde idealização até a definitiva implantação do projeto, acabou com o tempo se rendendo a facilidade de caracterizar o local como um condomínio de luxo, quando na verdade, é um bairro reconhecido pela Prefeitura da Serra desde que a primeira estaca foi batida na terra.
Por isso, a reportagem, decidiu se aprofundar no tema e esclarecer a situação, desde o nascedouro ainda nos anos 70 até as legislações atuais que permitiram com que o bairro fosse murado.
Toda a faixa de terreno a esquerda da Avenida Talma Rodrigues Ribeiro, sentido Jacaraípe, era objeto de uma briga judicial que começou lá nos idos dos anos 1970. O terreno tinha cerca de 3 milhões de m² e se entendia até mais ou menos onde termina o polo industrial anexo ao Civit II, o Cercado da Pedra (pouquinho depois da Fortlev) até o Terminal de Jacaraípe, aproximadamente.
A posse do terreno era disputado por duas importantes famílias da Serra, a família Castello versus a Família Pimentel, naturais de Manguinhos. Inclusive o próprio nome da Avenida que corta o terreno é auto-explicativo. Talma Rodrigues, que leva o nome da via, foi prefeito da Serra entre os anos de 1945-1946; ele era casado com Judith Leão Castello Ribeiro a 1ª deputada estadual eleita no ES; que por sua vez era irmã de Rômulo Leão Castello, também prefeito, de 1947-1951.
Já que o terreno estava ‘sem dono’, comumente era foco de invasão de terras para ocupação irregular, assim como ocorreu em várias partes da Serra. Com a subida do ex-prefeito João Batista Motta no 1ª mandato na Serra (1983-1988), a Prefeitura passou a combater essa prática e desocupar as construções irregulares para tentar conter o processo de favelização da Serra.
A briga entre as duas famílias se estendia, e o advogado que trabalhava para os Castello’s era uma figura muito conhecida pelo capixaba: José Inácio Ferreira, que exerceria a função de governador anos depois. Após Motta e José Inácio convencerem as famílias a chegarem a um acordo, ficou decido uma divisão: cada um ficaria com 1.5 milhão de m² e acabaria o processo judicial.
A parte onde hoje se compreende o Boulevard ficou com a família Pimentel; e assim permaneceu por muitos anos. Lá nos idos do final do anos 90 para início dos anos 2000, um fragmento da área, que viria a se tornar o bairro Boulevard Lagoa foi comprado por um grupo, que criou a empresa Jacunem Construções e Empreendimentos Ltda. A intenção era lotear a área e vender os terrenos para ocupação de famílias nas faixas C e D.
Entretanto, ao contratarem a Cristal Empreendimentos, a proposta foi mudando para um loteamento destinado a um público de faixa de renda maior. Ficou decidido que a Jacunem entraria com a área e a Cristal com o empreendimento, sendo assim, cada uma levaria 50% do projeto.
Vendo a possibilidade de agregar ao negócio, a loteadora Teixeira Holzmann que é uma das maiores empresas na construção de loteamentos e condomínios horizontais, com sede no Paraná, entrou no negócio; redividindo o projeto em três iguais.
Surge então a proposta final, tendo como inspiração outro projeto no estado de origem da terceira empresa envolvida: construir um loteamento com características condominiais, destino ao público de alto padrão imobiliário, com o nome Boulevard Lagoa.
Oficialmente o loteamento começou a ser planejado no ano de 2007, mas saiu do papel e foi entregue aos associados somente em 2011. Até 2013 tinha apenas 40 residências, hoje abriga 370 casas prontas para o uso e outras 130 sendo construídas. Além disso, possui cerca de 1.200 moradores. Os lotes variam de 450 a 600m² e são comercializados por no mínimo R$ 600 mil. Uma casa pronta para ser ocupada gira em torno de R$ 3 milhões em média, podendo superar em muito esse valor dependendo da localização e da construção.
A afirmação de que o Boulevard faz parte do bairro Feu Rosa não tem procedência formal. Os bairros são somente limítrofes, separados pela Av. Talma. Por ser um bairro, portanto, possuindo áreas públicas, como ruas e praças que naturalmente pertencem à Prefeitura da Serra, em 2008, foi realizada uma concessão. Logo, as ruas e os equipamentos públicos ainda são de propriedade da Prefeitura, mas foi concedida, ou seja, ‘emprestada’ a Associação [de Moradores] do Boulevard Lagoa (ABL).
O contrato, assinado em 14 de fevereiro de 2008, tem validade de 20 anos e vence em 2028, quando deve ser renovado pelo mesmo período, como previsto no documento, o Termo de Concessão N°001/2008.
Ao todo, o bairro possui 53 ruas registradas no Termo de Concessão, classificadas como ‘bens públicos’ da Serra. Apesar disso, conforme previsto na concessão, toda e qualquer melhoria a ser realizada dentro do bairro privado tem que ser feito pela Associação de Moradores. Ou seja, o Município não possui responsabilidade com a infraestrutura para dentro dos muros.
Mas o Boulevard Lagoa é um bairro da Serra, por qual motivo o acesso é restrito? De fato, não é qualquer pessoa que pode acessar o espaço da comunidade. Para entender melhor a legalidade disso, é preciso se remeter a lei federal N° 6.766, de 1979, conhecida como Lei Lehmann, com a alteração introduzida pela Lei 9.785/99.
Segundo a legislação, o loteamento ocorre quando se divide uma determinada área em lotes, de modo voluntário, cada qual com seu proprietário, sendo que as vias de acesso, logradouros e eventuais áreas comuns seguem sendo públicas, ou seja, há a obrigatoriedade de transferência das vias internas e praças à administração pública, por força do art. 22 da lei 6.766/79.
“Constitui-se uma associação de moradores do loteamento, que poderá cobrar taxa dos donos de lotes para manter áreas comuns e implementar uma portaria, a qual, entretanto, não poderia limitar o acesso de terceiros.”
Mesmo assim, a legislação brasileira por muitas vezes é conflitante com ela mesma, e por outro ângulo, outra legislação diz que a Prefeitura local pode, através de concessão ou permissão, consoante com o Decreto de Lei 271/67, autorizar a utilização apenas aos proprietários dos lotes. Que foi este o caso adotado pelo Boulevard e reconhecido pela Prefeitura.
Neste caso, estaríamos diante dos loteamentos fechados em que não apenas as vias comuns são de responsabilidade da associação como também o acesso de terceiros pode ser impedido.
Segue o fio:
O loteamento foi criado em 2007 com o nome ‘Parque da Lagoa’, em 2008 por meio de decreto assinado pelo ex-prefeito Audifax Barcelos, passou a se chamar Boulevard Lagoa. No mesmo ano, foi constituída uma Associação de Moradores, reconhecida pela Prefeitura da Serra e pela Federação das Associações de Moradores da Serra (Fams), e as áreas comuns, como ruas, foram concedidas por 20 anos, renováveis por mais 20, a Associação do Boulevard Lagoa, que murou o bairro.
Para garantir um resguardo legal na legislação local, quatro meses antes da concessão do Boulevard Lagoa ser assinada, a Câmara de Vereadores aprovou um Projeto de Lei que autoriza o Município a admitir a implantação de loteamento com perímetro urbano fechado e com acesso controlado. Esse projeto foi sancionado pelo então prefeito Audifax e se transformou na Lei Municipal nº 3201 de 14 de fevereiro de 2008.
Essa Lei ainda cita que fica permitido ao Município conceder “direito de uso resolúvel de áreas públicas do loteamento”. E é exatamente neste ponto que entra a permissão municipal para o bairro Boulevard Lagoa tornar-se basicamente privativo. Na prática, as ruas do residencial são públicas, pertencentes ao Município, mas foram ‘emprestadas’ a Associação.
Essa por sua vez, se comprometeu a realizar manutenção e obras de infraestrutura, para desonerar os cofres públicos, para isso, tendo a permissão de restringir o acesso. Isso sendo permitido pela lei municipal e pela legislação conflitante em nível federal. A Lei não trata especificamente sobre o Boulevard, pois não existe legislação específica para um ou outro loteamento, mas sim, uma normativa que rege o uso e ocupação do solo em toda a cidade.
Portanto, outros bairros, futuramente, podem ser criados com base neste mesmo procedimento e literalmente murados em modalidades condominiais. Não existe síndico no Boulevard Lagoa, quando eleito, o responsável ganha título de líder comunitário e tem as mesmas prerrogativas, como participação nas Assembleias do Orçamento Participativo, por exemplo.
Na edição de 26 de novembro de 2010 o Jornal Tempo Novo registrava a seguinte nota editorial: “O condomínio de classe alta, o Boulevard Lagoa, localizado próximo ao bairro Feu Rosa é considerado um bairro? Pois é, a informação consta na página 28 do Serra em Números lançado pela prefeitura (em 2010). Mas o condomínio não fica em Feu Rosa? A questão foi debatida na Câmara Municipal entre os vereadores dizendo que houve discriminação quanto à região. Porém, um branco pairou na Casa [de Leis]. Nenhum dos parlamentares presentes se lembrou de que o referido projeto foi votado por eles mesmo… que mico.”
Fontes:
Para formulação deste texto, o jornalista Gabriel Almeida consultou o ex-prefeito da Serra, João Batista da Motta; as Legislações Federais e municipais; conversou também com moradores e vereadores da época; e pesquisou informações no acervo jornalístico do Tempo Novo, que fez cobertura de imprensa da idealização até a inauguração.
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