ISABELA PALHARES
Não há no Brasil nenhum plano ou política nacional para prevenir que as escolas sejam vítimas de ataques, como o que ocorreu na manhã desta segunda (27) em São Paulo, em que um aluno de 13 anos matou uma professora a facadas.
Para especialistas, a ausência de diretrizes para o tema deixa as escolas sozinhas e sem a mínima estrutura necessária para lidar com um novo tipo de violência no país, que vem crescendo rapidamente.
Levantamento de pesquisadores da Unicamp e da Unesp contabiliza 22 ataques a escolas brasileiras desde 2002, com um total de 36 mortes. Desde agosto do ano passado, foram nove casos.
Outro relatório, preparado pelo grupo de transição do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), também mapeou o problema.
O Ministério da Educação admite a necessidade de uma política para o combate desse tipo de ataque, mas informou que ainda está trabalhando “no desenho de uma ampla política de melhoria do clima e da convivência escolar e de fortalecimento de ações intersetoriais para o diagnóstico e tratamento das questões relacionadas à violência”. “Vamos aprofundar e acelerar esse processo”, promete a pasta.
Segundo os especialistas, as semelhanças e inspiração entre os casos de ataque à escola a necessidade urgente de monitoramento de ações de grupos extremistas dentro e fora da internet.
“Os casos se comunicam de forma nacional, não há nenhuma restrição territorial entre eles. O caso de Suzano (em 2019) foi baseado no de Realengo [em 2011]. O de Aracruz [2022] teve o Suzano como inspiração. E o de ontem foi inspirado o de Suzano e Aracruz”, diz Daniel Cara, professor da USP e um dos responsáveis pela elaboração do relatório.
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, o adolescente que matou a professora e feriu outras cinco pessoas na escola estadual Thomazia Montoro fazia referências nas redes sociais ao autor do massacre em Suzano, que deixou oito mortos em 2019.
Em sua conta no Twitter, ele usava o nome Taucci e uma sequência de números. Taucci é o sobrenome do garoto que abriu fogo contra colegas em Suzano há quatro anos.
O agressor também usou uma máscara sobre o nariz e a boca com o desenho de uma caveira. É a mesma máscara usada tanto pelos atiradores de Suzano quanto pelo adolescente que atacou duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, em novembro do ano passado.
“Fica clara a ligação entre os casos e o processo, que está ocorrendo de forma livre e bem-sucedida, de cooptação de jovens pela extrema direita. Enquanto não houver um plano para frear esses grupos extremistas, as escolas vão ficar suscetíveis a esses ataques”, diz Cara.
Para Luciene Tognetta, pesquisadora e líder do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Moral) e que atuou no atendimento aos alunos após o massacre de Suzano, o país se acostumou a naturalizar a violência nas escolas e, por isso, não entende a gravidade da situação atual.
“A gente convive há anos com uma educação sucateada, com professores desvalorizados e desrespeitados, com a violência presente dentro da escola. É um ambiente tão adoecedor, tão estressante, tão colapsado que se tornou propício para esse tipo de ataque. E nós, como sociedade, estamos assistindo sem fazer nada”, diz.
Uma professora de português de uma escola estadual da região central de São Paulo conta que violência e ameaças se tornaram rotina dentro de sala de aula, assim como a dificuldade da equipe pedagógica em lidar com essas situações.
Segundo ela, os professores são desencorajados a registrar ocorrências que são consideradas “menores”, como ameaça ou agressões verbais. Ela contou que um aluno do 7º ano do ensino fundamental levou uma faca para intimidar os colegas. A orientação da direção ao saber do caso foi apenas dar uma advertência ao menino.
“São situações que vão sendo negligenciadas, crianças que estão em sofrimento e não são ouvidas. Até que elas encontram, nas redes sociais, um grupo que faz sentido, que lhes dá alguma esperança. É aí que elas caem nesses grupos extremistas”, diz Tognetta.
O autor do ataque à escola nesta segunda já havia sido denunciado à polícia exatamente por ter feito ameaças contra colegas. O comportamento violento também foi o que o levou a ser transferido para escola Thomazia Montoro, na Vila Sônia, zona oeste da capital.
“As escolas podem até identificar os comportamentos suspeitos, mas, se estiverem sozinhas, não vão conseguir evitar tragédias. A gente não tem rede de saúde, de assistência social ou de investigação para ajudar as escolas a evitarem esses desastres que elas estão vendo”, diz Telma Vinha, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Unicamp.
Por se tratar de uma questão que envolve diversos aspectos, os especialistas afirmam que a política de prevenção a ataques precisa ser pensada de forma intersetorial, considerando os aspectos educacionais, de saúde, assistência social e de segurança pública.
“Não adianta, mais uma vez, jogar a culpa na escola e achar que ela deve resolver sozinha. Esse é um problema a ser enfrentado pela sociedade toda, afinal, envolve a todos nós: quando uma escola é atacada, toda a comunidade está sob risco”, diz Telma.
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