Localizado as margens da Rodovia do Contorno, é inegável a importância econômica e de geração de empregos do TIMS (Terminal Industrial Multimodal da Serra); afinal de contas é o maior condomínio logístico do Espírito Santo e um dos polos industriais pioneiros da Serra. Mas isso não pode servir de álibi para atropelar os processos legais que regem a vida em sociedade – conforme apontam fortes indícios – e com isso permitir o enriquecimento irregular à custa de uma população trabalhadora e pagadora de impostos.
No dia 25 de fevereiro de 2021 o Jornal TEMPO NOVO iniciou um ciclo de conteúdo jornalístico visando desnudar as supostas – e graves – irregularidades que rondam o TIMS; e por isso, foi necessário compilar de forma didática todo o material para servir como um resumo do que foi publicado até o momento.
Tudo começa pelo item principal: o TIMS é público e pertence à Prefeitura da Serra, ou seja, ao povo serrano. É um polo industrial construído em uma área de 2,4 milhões de m², que foi desapropriada e paga com o dinheiro público, fruto de impostos que incidem diariamente sobre a população. Entretanto, quem administra o TIMS é uma empresa privada, no caso a AGTI (Andrade Gutierrez Terminais Intermodais S.A). Foi essa mesma empresa que em 1992 ganhou a licitação e passou a ser dona da concessão para exploração empresarial do TIMS.
Mas idaí, qual o problema disso? Ocorre que o contrato, logicamente, traz algumas contrapartidas por parte da empresa para com o Município. Afinal de contas, não se pode sair por aí, dando área pública de graça para exploração e enriquecimento de uma meia dúzia de pessoas, sem que aja efetivamente uma contrapartida para o ente público.
Por isso, o contrato delimitava os itens das quais a AGTI teria que cumprir; e o principal deles consta na cláusula X do Termo de Concessão, que criou a Tarifa de Uso e, estipulou no item 10.1, que a AGTI deveria pagar ao município da Serra uma tarifa mensal de uso, no valor de Cr$ 1,00 (um cruzeiro – moeda corrente da época) por metro quadrado de terreno.
Só que o problema vem agora: conforme informação apurada e confirmada junto a fontes internas da Prefeitura e ex-funcionários da AGTI, a empresa nunca pagou essa tarifa mensal. E lá se vão 29 anos de um suposto calote contra os cofres públicos, do qual uma única empresa explorou uma área pública milionária por quase três décadas, sem pagar nada por isso. Enquanto um morador da Serra precisa, por exemplo, financiar seu apartamento de 50 m² em 36 anos, pagar ITBI e anualmente quitar seu IPTU, uma empresa explora gigantescos 2,4 milhões de m² em área de alto valor industrial, sem pagar nada.
Como a AGTI ganha dinheiro? É simples, a empresa fatura alto explorando área pública sem pagar nada, utilizando o terreno a ela concedido (e pago pela população) para construir, alugar e vender galpões gigantes a grandes empresas, como por exemplo, Usiminas e Petrobrás. Tudo em um formato de condomínio industrial.
E qual é o tamanho desse rombo? Essa é uma pergunta muito complexa de ser respondida. De lá pra cá, muitas coisas mudaram, inclusive a própria moeda por duas vezes: Cruzeiro (1990-1993) e Cruzeiro Real (1993-1994). Para tentar raspar algum valor referencial, em fevereiro, o TEMPO NOVO conversou com um especialista em negócios, que indicou um valor de R$ 20 milhões baseados em cálculos monetários. Mas pontuou a dificuldade de conversão, já que a tarifa nunca foi sequer paga, portanto o que dirá atualizada.
O que diz a empresa? Absolutamente nada; é a famosa ‘mergulhada’. Contatos por e-mail e ligações telefônicas foram feitas junto à empresa com objetivo de oportunizar um espaço para que se tenha uma resposta e uma versão oposta. Entretanto a empresa se calou. Porém, se publicamente não houve um retorno, nos bastidores ela se movimentou. Isso porque informações em off de servidores públicos da Serra dão conta que representantes da AGTI estiveram recentemente na Prefeitura para iniciar uma rodada de negociações em torno do pagamento da Tarifa de Uso. Porém o valor proposto teria sido considerado irrisório pela área de Finanças da Prefeitura.
A reportagem do Jornal TEMPO NOVO também esbarrou em dificuldades em obter informações oficiais por parte da Prefeitura da Serra. O único retorno oficial aconteceu em fevereiro, quando a Prefeitura disse que o processo referente à concessão do TIMS “está tramitando na Procuradoria Geral do município e que irá passar por uma análise mais detalhada”. De lá pra cá, nenhuma outra informação foi repassada.
Em abril, Fundos de Investimento desistiram do TIMS: ‘foi melhor assim’, justificou um deles
No final de abril dois grandes Fundos de Investimento abruptamente desistiram de comprar o TIMS. São eles a Vinci Logística e a XP Investimentos, que vinham divulgando ao mercado a negociação junto a AGTI para aquisição de parte do polo.
O fato causou estranheza em investidores locais, já que não é normal no mercado de ações a desistência seguida de dois Fundos de Investimento diferentes em torno de negociações de alto valor e em tese lucrativas.
No documento endereçado ao mercado, a Vinci Logística disse que a negociação do TIMS foi listada como “um ativo muito bom“, mas que a “diligência impediu a compra” e afirmou que – de uma forma emblemática – foi “melhor assim”. Já a XP, que também desistiu de comprar o TIMS não comunicou ao mercado às razões que a levaram a não dar sequencia a aquisição.
Vale esclarecer que quando Fundos começam um processo de negociação, há diligência jurídica, técnica e ambiental. Na prática são os estudos técnicos para avaliar se há problemas em torno do objeto de aquisição. Na ocasião a Vinci Logística foi muito objetiva em afirma que tal diligência impediu a compra.
Há outras cabeças de bode enterradas no TIMS e população poderá tomar mais prejuízo
Além do suposto calote da AGTI, o TIMS tem outras ‘cabeças de bode’ enterradas lá. Trata-se de brigas judiciais da família Nunes (antiga proprietária da área) com a Prefeitura da Serra, por conta do valor da desapropriação e outra por conta do tamanho da área ocupada, a qual a família alega que foi em torno de 500 mil m² a mais.
A primeira contenda está resolvida; em 2016 o Município indenizou a família Nunes em R$ 25.373.425,12 (vinte e cinco milhões, trezentos e setenta e três mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e doze centavos). Ou seja, além da população ter pago a desapropriação em 1992, voltou a pagar mais R$ 25 milhões para que a AGTI continuasse a usufruir de uma área de graça.
Em 2019 AGTI mudou de donos e mesmo com suposto calote, Prefeitura deu anuência
O TIMS mudou de dono no início do ano de 2019, saindo das mãos dos controladores da empresa mineira Andrade Gutierrez, que vinha com problemas em decorrência da Operação Lava Jato e precisava se desfazer de ativos; e vindo para o controle de dois empresários locais ligados ao setor de transporte rodoviário de cargas e de autopeças, figurados pelas empresas Autovix Participações e Innova Brasil. A razão social do TIMS continua a mesma: Andrade Gutierrez Terminais Intermodais (AGTI).
O que mudou foram os sócios, sendo que a opção de não mudar a razão social teria sido para não correr o risco de perder o negócio, uma vez que o TIMS é uma concessão pública municipal. Vale ressaltar que mesmo com suposto caso de calote, a Prefeitura da Serra na época deu a anuência para a mudança societária.
Câmara da Serra abriu CPI, mas vereador que fez o pedido foi excluído e investigação nunca avançou
Após o TEMPO NOVO trazer o caso a tona, vereadores da Serra abriram uma CPI em março de 2021. O requerimento nº 31/2021 para abertura da investigação tramitou a passos lentos, até que em maio foi oficialmente instaurada. O objetivo, de acordo com o documento é fiscalizar o contrato e investigar possíveis irregularidades. Porém já transcorridos quase três meses e prestes a acabar o prazo de funcionamento da Comissão, nenhuma reunião foi realizada e pouco se fala sobre o assunto no Parlamento.
Na época, para a surpresa de muitos, o vereador William Miranda, autor do requerimento pela abertura da CPI, foi excluído dos membros da Comissão. Nem mesmo como suplente, ele figurou. Quem ficou responsável por presidir a CPI é Wellington Alemão; o vereador Teilton Valim como relator e Pablo Muribeca como secretário.
Na ocasião, Dr. William se mostrou indignado com a exclusão e questionou: “Porque quiseram me excluir? Por qual razão? Seria para bagunçar a comissão e ser mais uma dessas CPI’s que não leva a lugar nenhum?”, queixou-se.
História do TIMS: é concessão, portanto é do povo serrano e não de meia dúzia de engravatados
O TIMS foi criado por lei em 1991, na gestão do ex-prefeito Adalton Martinelli; licitado em 1992, quando o grupo vencedor foi a Andrade Gutierrez, o Terminal foi implantado na segunda gestão do ex-prefeito João Baptista da Motta.
Coube ao advogado e ex-procurador da Serra, Rômulo Lopes tomar as providências legais para criar a concessão: projeto de lei, desapropriar a área, elaborar projeto de ocupação da área, licitar e entregar ao vencedor o negócio. A Construtora Andrade Gutierrez venceu a licitação e criou a AGTI para ser a concessionária.
Em 02 de dezembro de 1996 era assinada o primeiro termo de transferência temporária e remunerada da concessão de direito real de uso, entre a Andrade Gutierrez e a Texaco Brasil, para a construção do posto de combustíveis que hoje funciona no local.
Segundo o procurador aposentado do Município da Serra, Rômulo Lopes de Farias, ‘o TIMS foi criado para se tornar uma âncora na economia da Serra. O local foi escolhido pensando em aliar os meios de transportes rodoviário, ferroviário, marítimo e aéreo, no conceito chamado ‘Porto Seco’, por isso é que ele foi implantado no Contorno da BR 101, logo após o bairro André Carloni, em uma área de 2,4 milhões de metros quadrados’.
Desde a criação do Tims apenas quatro prefeitos passaram pela Serra, foram eles: Adalton Martineli (1991-1992); João Batista da Motta (1993-1996), Sérgio Vidigal (1997-2004; 2009-2012; e 2021) e Audifax Barcelos (2005-2008; 2013-2020).
POSICIONAMENTO AG
A Andrade Gutierrez esclarece que não tem mais participação na concessão TIMS desde 21/09/2018, quando fez a venda do ativo para as empresas Nova Brasil Imobiliária S/A e Autovix Participações S/A.
A razão social da empresa também foi modificada para AGTI Empreendimentos Ltda, registrada em 14/05/2020. A AG pediu à concessionária que retire seu nome da placa, bem como faça qualquer desvinculação do projeto que envolva a construtora.