A expressão desastre ambiental, largamente usada para retratar o rompimento das barragens de rejeito de minério em Mariana – MG que atingiram o rio Doce e estão descendo para o litoral do ES, é eufemismo para desastre industrial. O que aconteceu foi crime ambiental das mais graves proporções. Não é exagero afirmar que foi um crime contra a humanidade.
A Samarco / Vale / BHP Billiton tem obrigação total, não apenas de ressarcir as vítimas, indenizar quem perdeu bens e repor o que os órgãos públicos estão gastando para estancar a crise humanitária, mas de recuperar, por décadas se necessário, a bacia do rio Doce e o ecossistema marinho que deverá ser atingido entre a foz do rio e a Grande Vitória.
Não é de hoje o impacto da mineração nas cabeceiras do Doce. Antes da criação da empresa em 1943, então estatal com o nome de Cia Vale do Rio Doce (CVRD), pelo governo de Getúlio Vargas para suprir de minério de ferro a máquina de guerra dos EUA, já havia extração na região pela inglesa Iron Company. A CVRD incorporou os ativos e passivos da Iron.
Quando foi privatizada em 1997 a CVRD – que depois virou só Vale – também herdou esse patrimônio. Com o agravamento da crise da água no país, cujo ápice acontece neste momento, o rio Doce está quase seco. E agora a tragédia de Mariana. Não há melhor contexto para a mineração dar contrapartidas pela água limpa que está deixando de ser produzida na bacia por causa das lavras e das dezenas de barragens com rejeitos.
O ES também tem que participar do licenciamento e fiscalização dessas barragens, pois isto também lhes diz respeito. Os desdobramentos econômicos do rompimento das barragens são sombrios. A mineração/siderurgia e a logística da ferrovia Vitória Minas são imprescindíveis ao país. Fundamentais para Minas Gerais. E mais importantes ainda para o Espírito Santo, cuja industrialização é assentada nessas atividades.
A paralização delas – como já acontece e deixa incerto o futuro das usinas de pelotização e porto da Samarco em Anchieta, sul do ES, será tão ou mais trágico do que a lama que escorre no agora morto rio Doce.
Hora de virar protagonista dos capixabas
Já há alguns anos a Serra é a locomotiva do ES, contribui com mais de 20% do PIB estadual, é protagonista do setor industrial com seus 14 polos e ainda é a maior recolhedora de ICMS. Porém, todo esse gigantismo econômico não projetou a cidade como protagonista na política do ES, que segue nas mãos da capital Vitória.
A Serra, que também tem a maior população do ES, nunca fez um governador, tem apenas uma cadeira na Assembleia Legislativa, não tem senador, não tem representatividade política que contraponha um pouco o poder das oligarquias de Vitória. Talvez a força política de Vitória seja desproporcional ao que ela contribui para o ES.
A impressão que se tem é que a Serra dá mais do que recebe. Enxerga-se isso em um efetivo policial defasado, na parca estrutura do Judiciário. Na Serra não há vara trabalhista, só em Vitória. Porém 40% de toda a demanda estadual vêm da Serra, por ser a que mais emprega.
Não é só. A Serra é a cidade onde mais se mata no ES, porém tem apenas um tribunal do júri. Vitória tem dois. Uma obra importante como o contorno de Jacaraípe, fundamental para o desenvolvimento do eixo norte do Estado, está parada e sem previsão no orçamento do Governo para 2016.
Enquanto isso a obra da rodovia Leste Oeste entre Viana, Cariacica e Vila Velha foi retomada. Ao mesmo tempo crescem os sinais da inviabilidade do aeroporto da capital e as conversas de bastidores são de que o tão sonhado aeroporto internacional vá para Vila Velha. A Serra, que já tem uma agenda política e logística mais adequada sequer é lembrada.
E se não emergir uma liderança capaz de quebrar a hegemonia da capital, a Serra vai continuar levando o bônus para Vitória e recebendo dela apenas o ônus.