Cortes nos morros para todo lado, florestas derrubadas, solo exposto em grandes extensões nas encostas, nascentes reviradas, lençóis freáticos expostos, brejos aterrados e construções à beira dos cursos d’água. Esse é o cenário de devastação no Caravaggio, em Santa Teresa, local onde fica a cabeceira de um dos rios que abastece a Serra, o Reis Magos.
Tamanha destruição foi presenciada pela reportagem de Tempo Novo na última quinta-feira (07), que esteve na região, que é famoso circuito turístico do município das montanhas capixabas. E a razão dos impactos é o resultado do avanço do parcelamento de terrenos rurais em lotes e chácaras, principalmente nas proximidades da rampa de voo livre, uma das atrações do circuito.
Há pelo menos dois anos a devastação no Caravaggio é de conhecimento dos órgãos ambientais, do Ministério Público e do Judiciário, uma vez que já houveram reportagens sobre o problema em veículos de abrangência estadual.
No momento em que Tempo Novo esteve na região não estava chovendo. Mesmo assim a água do riacho que desce do local estava muito amarela, cheia de barro. Fruto de muita movimentação de terra com trator em diversos pontos do Caravaggio. Esse riacho forma a cachoeira do Country Club – a mais visitada de Santa Teresa – cujas águas estavam amarelas. E são essas águas que abastecem Santa Teresa.
O riacho também é formador do rio Timbuí. Este, ao se encontrar com o rio Fundão, forma o Reis Magos na região de Putiri, Serra. Ali a Cesan construiu um sistema de abastecimento no final de 2017 para atender cerca de 150 mil moradores na região da Serra Sede, entorno e Civit I. O rio Reis Magos deságua no mar em Nova Almeida.
A destruição provocada pela ganância imobiliária no circuito Caravagio está afetando a qualidade da água que o morador de Santa Teresa bebe. E do morador da Serra também. E ainda pode piorar o problema da falta d’água em períodos de estiagem, uma vez que desmatamentos, cortes do terreno e aterros indiscriminados impedem a absorção do líquido no solo e a alimentação do lençol freático.
Placa no meio do mato
Circulando apenas pela estrada do Caravaggio até a igrejinha, a reportagem viu poucas placas informando sobre licenças ambientais. Mas uma delas, em nome de uma imobiliária que atua na região, chamou a atenção: a placa estava no chão debaixo de uma cerca de arame farpado.
E o objeto já estava coberto parcialmente por capim. Foi preciso remover o capim para conseguir ler que a empresa tem uma licença ambiental municipal simplificada emitida em 2019, que dá autorização para terraplanagem no interior da propriedade com objetivos agropecuários. No entanto o que se vê nada tem de agricultura ou pecuária, mas parcelamento do solo em terrenos pequenos e construção de casas. Muitas. Algumas até de alto padrão.
Reforço na desertificação
Um pequeno trecho do Caravaggio, onde também está havendo devastação, verte águas para a bacia do rio Santa Maria do Rio Doce. Este drena as terras baixas de Santa Teresa e passa nos distritos de Várzea Alegre, Barracão de Petrópolis. Depois chega a São Roque até concluir seu curso no rio Doce, no centro de Colatina.
A bacia do Santa Maria do Doce é uma das que mais sofrem com escassez de água no ES e está em processo de desertificação, apontam especialistas. Já está ficando comum, por exemplo, em São Roque, a população ficar sem água em períodos de estiagem prolongada.
Situação pode prejudicar agroturismo
Empreendedor e referência no agroturismo de Santa Teresa, José Alfredo Ferrari, reclama da falta de critério na ocupação por sítios e chácaras no Vale do Caravaggio, que é uma zona rural. Ferrari é proprietário da Pousada Sítio Canaã, uma das primeiras da região, onde preserva fragmentos de mata Atlântica e lagos artificiais que ajudam a conservar a água que abastece Santa Teresa e Serra.
Parte das degradações estão acontecendo nas proximidades do sítio Canaã. Tanto que as lagoas do sítio, alimentadas pelo córrego que desce da região da rampa de voo livre, estavam bem sujas de barro na última quinta-feira. Vale lembrar que ao passar pelas lagoas, as águas seguem para o Parque Natural Municipal São Lourenço, formando a cachoeira do Country Club.
E na tarde desta sexta-feira (08), Dinho Gregório, um dos administradores da piscina formada pela cachoeira do Coutry Club, reclamou do excesso de barro na água do córrego. Situação que deixou a piscina irreconhecível, com a água bastante suja. Nos comentários da postagem de Gregório, moradores do município reclamaram que os órgãos ambientais costumam ser rigorosos com pequenos produtores rurais, mas complacentes com os responsáveis pelas terraplanagens de grande porte e loteamentos feitos no Caravaggio.
Falta manejo de fauna e deputado aciona a Polícia
Da ong Juntos SOS ES Ambiental, Eraylton Moreschi, considera muito grave o que ocorre no Caravaggio. Segundo ele, o município de Santa Teresa autorizou algumas terraplanagens que geraram desmatamento na região. Porém não houve emissão de autorização de manejo de fauna silvestre, conforme a própria Prefeitura admitiu à ong em resposta solicitada através da Ouvidoria.
A autorização do manejo de fauna orienta o licenciado sobre o que fazer e para onde levar os bichos encontrados durante as obras. O objetivo é reduzir ao máximo a mortandade de animais da floresta. A ausência dessa autorização, segundo Eraylton, é ilegal. Por conta disso, a Juntos SOS ES Ambiental formalizou, na última sexta-feira (08), denúncia ao Ministério Público Estadual.
E a degradação no Caravaggio também está repercutindo na Assembléia Legislativa. Na última sexta-feira (08) o deputado Sérgio Mageski (PSDB) protocolou denúncia junto ao Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) para que faça um pente fino no Caravaggio.
Agência de Recursos Hídricos vai avaliar ação conjunta com outros órgãos
Responsável pela política de gestão das águas capixabas, a Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) também se manifestou. Em nota enviada à reportagem na tarde da última sexta-feira (08), a Agerh informou que vai avaliar a necessidade de uma ação conjunta no Caravaggio com outros órgãos ambientais.
Por sua vez, o Instituto de Defesa Agrocucuária e Florestal do Espírito Santo (IDAF), que é quem dá autorização para desmate quando a lei permite, informou que irá se posicionar sobre o caso nesta segunda-feira (11). Quando acontecer, essa reportagem será atualizada.
E até o momento da publicação desta matéria o Insituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e a Prefeitura de Santa Teresa ainda não haviam retornado os questionamentos. Caso façam, terão seus posicionamentos publicados neste espaço em atualização desta reportagem.
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