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“Doença pulmonar causada por pó de minério não tem cura”

Kléber Galveas em seu atelier na Barra do Jucu, em Vila Velha: há dezenove anos o artista coleta o minério de ferro do ar em uma tela branca onde faz instalações que denunciam a poluição atmosférica do complexo de tubarão na Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra Kléber Galveas em seu atelier na Barra do Jucu, em Vila Velha: há dezenove anos o artista coleta o minério de ferro do ar em uma tela branca onde faz instalações que denunciam a poluição atmosférica do complexo de tubarão na Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra
Kléber Galveas em seu atelier na Barra do Jucu, em Vila Velha: há dezenove anos o artista coleta o minério de ferro do ar em uma tela branca onde faz instalações que denunciam a poluição atmosférica do complexo de tubarão na Grande Vitória. Foto: Bruno Lyra

Por Bruno Lyra

Como os mestres renascentistas, o pintor capixaba Kléber Galveas é um artista que atua em diversas frentes. Uma delas é a provocação artística A Vale, a Vaca e a Pena, projeto que entra em seu 19º ano, onde deixa uma tela branca exposta por 50 dias em seu ateliê na Barra do Jucu, a 30 km do Complexo de Tubarão. Com o pó preto acumulado, ele compõe obras que denunciam a poluição que Vale e Arcelor lançam há décadas no ar na Grande Vitória.

O que significa A Vale, a Vaca e a Pena?

A Vale é a nossa maior empresa e dela a gente espera o melhor comportamento ambiental. É uma homenagem a ela. É uma Pena que o comportamento dela não seja adequado, e também aquele desenho da fumaça expelida pela chaminé. A Vaca serve de exemplo para nossos grandes empresários aprenderem com o agricultor, que recolhe dela o esterco para fazer dinheiro.  Que esses empresários retenham a poluição e aprendam a fazer dinheiro com essa sujeira. Cerca de 200 toneladas de minério de ferro são lançadas todos os dias sobre nós.

Há cada vez mais especialistas alertando para os problemas de saúde com esse tipo de poeira. Eles estão certos?

Corretíssimos. Eu tenho uma experiência dentro da minha casa. Sou irmão de seis e minha esposa de 15, todos com mais de 50 anos. Nenhum com problema respiratório e auditivo na infância e na juventude. Porém meus três filhos, nascidos após a instalação da siderurgia, já sofreram cirurgias no nariz e no ouvido. Dois deles estão repetindo os problemas na fase adulta. O que mudou foi o ambiente que a gente vive.

Você foi um dos primeiros a falar da silicossiderose, doença pulmonar resultante da aspiração prolongada do minério de ferro…

É um problema que não tem cura.  Em 2010, na Assembléia Legislativa, eu e o pneumologista Dr. Geraldo Pignaton pedimos a visita do pessoal do Ministério da Saúde para conhecer in loco nossa situação. E não é só. Tem os gases invisíveis, como o enxofre, que em contato com a água vira ácido sulfúrico e corrói sistemas respiratórios e bens materiais.

No início dos anos 1970, o cientista capixaba Augusto Ruschi alertou que o local onde Vale e, depois, Arcelor seriam instaladas eram inadequadas por conta do vento nordeste. Ele estava certo?


Sim. E Ruschi era tão equilibrado que propôs que fossem instaladas só dois quilômetros pro interior, que já tiraria da corrente nordeste.

As barreiras de vento instaladas pela Vale ajudaram a reduzir o pó?

Não. Foi o cúmulo da irresponsabilidade ambiental do governo Hartung liberar a 8ª usina da Vale. As Wind Fances usaram como justificativa para implantação dela. O pessoal da própria Vale me disse numa audiência pública que as cercas iriam criar um movimento ondulatório no vento onde a poeira seria lançada mais longe. Haveria a formação de uma zona de baixa pressão atrás da cerca que levantaria ainda mais o pó. O estranho é que as cercas só seriam instaladas depois da usina construída, e se elas não funcionassem, ficaria difícil demolir a usina 8. Foi o que aconteceu.

Quase 20 anos após a CPI da poluição, temos novamente uma agora batizada de “Pó Preto”. Os vereadores de Vitória também farão uma. Elas vão dar resultados práticos?

Se não for constituída por políticos que recebem verbas em seus partidos das empresas poluidoras, eles vão querer levar isso a sério, até por que eles estão representando o povo e sofrendo as consequências como ele.  Precisamos do ferro e do aço. Mas esse tipo de empresa deveria estar instalada junto às jazidas em Minas Gerais e o ES ser apenas porto. Nossa vocação é para o lado do turismo.  E ele não combina a poluição, violência e pobreza que essas empresas trazem.

Portos e novas siderurgias foram anunciados para outros pontos do litoral capixaba, como Anchieta e as proximidades da foz do Rio Doce. É nossa nova vocação?

Não. A vocação do ES é de ser um estado portuário por estar na frente de estados altamente produtores como Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso. Mas não precisa tanto.  A Holanda com um único porto de Rotterdam é o porto que mais funciona no mundo. Não precisamos de novos portos. Talvez seja questão de modernização e eficiência dos que já existem.

Como você vê a produção cultural do ES hoje?

A cultura no Brasil vem sofrendo revés desde Getúlio Vargas, quando o estado a apropriou. Nos anos 80 essa institucionalização foi privatizada. Hoje, o que manda na cultura são as grandes empresas que tem capital, o capital da Vale, Banco do Brasil e outros. Isso massacra a produção cultural autêntica. Está se consolidando na mente dos capixabas que projetos culturais apoiados por grandes empresas são importantes e que nós somos quinta categoria.

O que é identidade capixaba?

O que caracteriza a identidade é a vocação, você pode ficar rico fazendo isso e aquilo, mas feliz só se trabalhar na sua vocação. O apelo vocacional do ES é para o terceiro setor da economia.

Como você enxerga a Serra no ES?
Fui muito à Serra na década de 60. Não perdia uma fincada de mastro em 26 de dezembro. Já assisti Luiz Gonzaga naquela praça principal em cima de um caminhão depois de arrastarem o Palermo. Naquele tempo a Serra era muito pobre. Hoje deve ser o mais rico e dinâmico do ES. Dinheiro é sempre bom entrar e que sejam administrados esses recursos para o povo.

Mari Nascimento

Mari Nascimento é repórter do Tempo Novo há 18 anos. Atualmente, a jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a de Política.

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