A eleição para a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa ganhou novos contornos. Marcadas para o início de fevereiro, até alguns poucos dias antes havia um cenário relativamente pacificado em torno do deputado Vandinho Leite para presidente.
No entanto, nesse início de semana houve uma movimentação considerada brusca do Palácio Anchieta, em favor do deputado ‘velhaco’ de Casa, Marcelo Santos. Esse movimento estremeceu as bases políticas da Assembleia e acendeu um sinal amarelo para o futuro do pleito interno e das consequências oriundos do mesmo.
O estado pacífico foi substituído por um cenário beligerante, tendo o governador Renato Casagrande no centro dele. Vandinho agora se vê em um disputa de ‘Davi e Golias’, sendo que Marcelo Santos, o Golias da analogia, já estava abrindo a porta do crepúsculo político, mas foi hipertrofiado pelo governador. Engana-se quem pensa que a disputa está ganha, o jogo segue, mas agora em outro clima e outro ritmo.
As razões que levaram um governador a interferir diretamente na eleição do Poder vizinho ainda não foram explicadas. Algumas justificativas até foram dadas, mas nada muito convincente. Falou-se que o apoio a Marcelo Santos atende ao aliado Euclério Sampaio, prefeito de Cariacica, na concordada que Marcelo Santos não seja candidato a prefeito daquele município.
Explicação que não faz o menor sentido prático, já que uma candidatura de Marcelo Santos a Prefeitura de Cariacica se não é natimorta, é pelo menos frágil. Basta ver resultados eleitorais recentes.
Além do mais, essa mesma garantia, Vandinho poderia ter dado ao governador no que diz respeito a outro aliado dele, só que de tamanho maior: Sérgio Vidigal, na Serra. Com Vandinho na presidência da Assembleia é de se supor que a Prefeitura da Serra não seria a menina dos seus olhos, e sim a manutenção do espaço em que ele reinaria, ou seja, a própria Assembleia. Fator que levaria Vandinho a se sentar numa mesa de diálogo com Vidigal, organizada pelo governador. Será que Casagrande trocou a candidatura natimorta de Marcelo Santos em Cariacica, para atender Euclério, e esqueceu da Serra? Difícil acreditar nisso.
Outros dois pontos citados pelo mercado político fazem ainda menos sentido: 1 – Marcelo Santos não seria mais candidato a nada em 2026; 2- uma pseudo ‘justiça’ em vista do tempo de Assembleia que ele já acumula. Para a primeira, uma pergunta: E Casagrande com isso? O que Marcelo Santos vai fazer em 2026 não diz respeito ao governador… Nem partido consolidado Marcelo tem, fica pulando de sigla em sigla, não é nenhum cotado para senado, para sucessão do Anchieta e nem federal. Não é protagonista do futuro do Espírito Santo.
Para o segundo ponto acima elencado: balela… desde quando o fator ‘tempo de casa’ é determinante; e novamente, o que governador tem a ver com isso? Quem decidi isso são os deputados. Não é uma decisão de Governo. Aliás, não deveria ser.
Portanto, no mínimo como chefe de Estado que é, o governador deve um retorno para a sociedade, sobre os motivos objetivos pela qual levaram ele a tomar essa postura de interferência, aja vista que o Brasil passa/passou por um ciclo de instabilidades do qual inclusive o próprio Casagrande foi um intenso crítico, defendendo com ardor o que chamou de harmonia entre poderes. Por que agir diferente no Espírito Santo?
Até porque, se olhar friamente, Vandinho tem mais condição política de prover a governabilidade necessária que Casagrande tanto quer, precisa e defende. Vandinho dialoga com esquerda, com direita, com centro e com as forças da sociedade civil organizada, não tem casos de corrupção e tem experiência de gestão pública, inclusive na primeira gestão de Casagrande. Além do que PSDB é Governo, tem a vice governadoria com Ricardo Ferraço, a quem Vandinho dialoga bem. PSDB foi uma sigla importante na montagem do palanque de Casagrande.
Fala-se que membros de outros poderes, leia-se judiciário, não aprovaram a postura de Marcelo e do Palácio Anchieta. Bom, se o Executivo pode, então o Judiciário também pode dar a opinião, né?! Na verdade, não! Em tese, somente os deputados podem, mas ao abrir essa porta, o processo foi bagunçado.
Agora existe uma atividade de grupo grande, ânimos acirrados, conversas em alta temperatura, traições e disse me disse. Faz parte do jogo republicano, de maneira geral, o jogo do poder é uma gestão de conflito dentro das regras estabelecidas. Mas ainda assim a conta não fecha. Por que Casagrande entrou na campanha de Marcelo Santos, e trouxe o problema para seu colo?! Sarna para se coçar? Ninguém ainda respondeu essa pergunta. E em nome de um processo democrático a transparência é virtude obrigatória.
O governador pode dizer que nunca fez nenhuma afirmação pública, logo portanto, as informações do meio político estariam enviesadas, cabe a ele desmentir. Ainda não deu sinais que fará isso, nesse caso o silêncio já diz tudo. Por que com toda a certeza não foram as dancinhas de Marcelo Santos no Instagram que levaram o governador, um político sério e respeitado, a tomar essa atitude.
Outros fatores devem ter pesado para a tomada de decisão de Casagrande, coisas que a sociedade ainda não deu conta e que estão submergida nos bastidores da política. O governador é um homem experiente, republicano, adveio da redemocratização, enfrentou desmandos recentes na Federação, gabinetes de ódio, confusões entre poderes, enquanto conseguiu manter o Espírito Santo pacificado.
Dado esse histórico, é possível que ele vá prestar alguma justificativa a sociedade ou até mesmo deixar o curso das coisas tomarem seu rumo natural da qual cabe única e exclusivamente ao protagonismo dos deputados e a mais ninguém.
A Serra tem uma boa oportunidade de ver um de seus filhos em uma posição de poder importante. É também um reconhecimento objetivo para 550 mil serranos, que representam 15% de todos os capixabas. O jogo só termina quando acaba, e aparentemente, Vandinho está disposto a ir até o final. Se vencer, é uma vitória maiúscula, se perder, perdeu com honra.
Internamente na Serra, especula-se que Vidigal fez alguma conversa com Casagrande de teor desconhecida, mas tendo a eleição da Assembleia como contexto. Vidigal já é um político experimentado, é claro que ele veria uma oportunidade de reconstruir mutuamente um caminho saudável com Vandinho, caminho esse que passa obviamente pela eleição na Serra. Que baita barganha Vidigal tem em mãos. Mas não se sabe exatamente qual o visão política do prefeito para este caso. Na Serra, existe uma subcultura política que mescla elementos tipicamente provincialista.
Já os deputados da Serra, estão todos no páreo: com Vandinho na presidência, ele naturalmente deixaria a eleição de prefeito da Serra e abriria espaços; já num cenário em que não fosse presidente, é muito natural que ele se coloque como candidato a prefeito, não tem nada a perder.
Pablo Muribeca deve ser candidato, assim como Alexandre Xambinho, que ressurge na Assembleia com Marcelo Santos na presidência. Daí a terceira via se divide mais uma vez em fragmentos. Quem deve estar gostando desse cenário é o ex-prefeito Audifax Barcelos, que pode ver em Vandinho um interessante parceiro, além de ter interesse direto em pulverizar a eleição na Serra, que é uma via para ir com Vidigal ao 2º turno e agregar todos os desafetos do adversário.