O cronista é antes de tudo um forte (ou um ladrão de frases, como essa inspirada em passagem de Os Sertões, Euclides da Cunha). Para ele ganha dimensões literárias um fato corriqueiro deixado de lado em minutos por outros mortais.
Uma força superior diz: “Põe no papel. Deve interessar a alguém”. E a crônica começa com uma frase ridícula: Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Noite de domingo após a missa.
No caminho para a casa um bar e muitos conhecidos. Serra Dourada é uma festa constante. Cumprimento a todos da calçada. Então, uma senhora chega e pede ajuda apontado pro outro lado da rua onde um casal rola pelo chão. Beberam e estão se matando, ela diz chorosa ligando para a polícia. Nenhuma das cerca de vinte pessoas, a maioria homens, se dispõe a ajudar. Lá vou.
Ele está por baixo e tenta acertar-lhe nos francos, enquanto ela derrubada por um soco no rosto agora lhe crava os dentes no peito. Sagram. Quadro horrível. Como as palavras são insuficientes, sou obrigado a usar de energia para separa-los. Beberam além da conta, agora quem manda é o álcool. Cada um cobra do outro contas atrasadas provenientes de supostos casos de infidelidade.
De hoje ela não passa, garante ele. A vizinha a conduz para casa. O homem quer ir atrás, mas não deixo. Lembro-me dos números nada animadores que colocam a Serra como uma das cidades campeãs (triste título…) da violência à mulher e procuro evitar o pior. A briga acabou. A polícia demorou, mas chegou e agora toma procedimentos padrões.
Retornando à calçada do bar ouço novamente a frase abertura da crônica. A sociedade tem muito a fazer para diminuir os números da violência na cidade. É uma luta contra ela mesma. Ainda assim não perco a esperança de dias melhores.