Em um esforço para garantir a segurança jurídica e a regularização de propriedades urbanas, a Prefeitura de Serra apresentou recentemente à Câmara Municipal o Projeto de Lei nº 69-2024, que visa instituir a Política Pública de Regularização Fundiária. A iniciativa promete trazer soluções para dezenas de imóveis que ainda estão sob a figura jurídica da enfiteuse (um instituto legal extinto pelo Código Civil de 2002).
No entanto, após ser aprovado na Câmara, os vereadores inseriram uma emenda ao projeto. Essa ação, por tarde dos parlamentares, foi vetada pelo prefeito e agora o Ministério Público acompanha o caso em decorrência suspeitas de direcionamento da emenda.
O Que é Enfiteuse?
A enfiteuse, também conhecida como aforamento ou emprazamento, é um antigo direito real que permitia ao proprietário do terreno (senhorio) ceder o uso do imóvel a outra pessoa (enfiteuta) mediante o pagamento de uma renda anual (foro) e uma taxa adicional em caso de venda (laudêmio). Com a extinção desse instituto, novos contratos de enfiteuse não podem mais ser constituídos, mas os existentes à época permanecem válidos até sua extinção, o que causou instabilidades jurídicas sobre os terrenos, motivo pelo qual a Prefeitura quer regularizá-los.
Razões do Vetos
Em mensagem enviada à Câmara Municipal no dia 20 de junho de 2024, o prefeito justificou o motivo de ter vetado a emenda dos vereadores com base na inconstitucionalidade. Os parlamentares tentaram empurrar dois incisos adicionados ao projeto original, que pretendiam incluir na regularização imóveis em uso com área superior a 5.000 m², com benfeitorias e documentação há mais de cinco anos, bem como áreas remanescentes de enfiteuse com benfeitorias existentes pelo mesmo período. Essa medida iria beneficiar um seleto grupo de pessoas que não estavam inclusas no projeto original.
O que disse a Procuradoria
- Desvio do Escopo Original: Segundo o parecer da Procuradoria Geral do Município, as emendas parlamentares visavam regularizar imóveis públicos de forma geral, e não apenas aqueles sob o instituto da enfiteuse. Isso desvirtuava o objeto original do projeto de lei, que tinha foco específico na regularização de imóveis gravados sob o instituto da enfiteuse.
- Inconstitucionalidade e Ilegalidade: As emendas foram consideradas inconstitucionais e ilegais, pois previam a regularização e alienação de imóveis públicos sem a devida observância dos requisitos legais e princípios constitucionais aplicáveis ao Poder Público. A inclusão desses dispositivos configurava uma transferência de áreas públicas para particulares sem cumprir as exigências legais estabelecidas na Lei Federal 14.133/2021.
- Separação de Poderes: O veto também foi fundamentado na violação do princípio constitucional da separação de poderes. A Procuradoria destacou que a criação de regras para a alienação de imóveis públicos, sem a necessária licitação, desrespeita a obrigatoriedade de licitar (art. 37, XXI, da Constituição Federal).
Ministério Público Abre Procedimento Investigatório
Em um desdobramento ao caso, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) instaurou um procedimento investigatório para acompanhar o caso, já que legalmente, os vereadores podem derrubar o veto do prefeito e aprovarem o projeto com as emendas parlamentares. A investigação foi iniciada em 21 de junho de 2024, conforme consta no sistema de consultas públicas do MPES.
A abertura do procedimento investigatório sinaliza certa preocupação com as possíveis irregularidades associadas às emendas vetadas, que poderiam permitir a doação de imóveis públicos sem o devido processo legal.
Projeto de Lei Original: Diretrizes e Objetivos
O projeto de lei original, sem as emendas vetadas, mantém o foco na regularização de imóveis urbanos de propriedade do Município da Serra dados em aforamento, enfiteuse ou emprazamento. Os critérios para a regularização fundiária incluem:
- Imóveis sem Registro da Enfiteuse: Possibilidade de remição do foro para áreas sem registro imobiliário da enfiteuse, com base na documentação existente.
- Imóveis Alienados a Terceiros: Necessidade de apresentação de documentos que comprovem a cadeia de transmissão do bem público.
- Imóveis por Sucessão Hereditária: Comprovação da condição de herdeiro por meio de inventário e partilha.
- Encargos Não Pagos: Regularização condicionada ao pagamento dos encargos financeiros atualizados.
Procedimento Administrativo
O trâmite para a regularização fundiária seguirá um procedimento administrativo rigoroso, incluindo a apresentação de requerimentos, análise documental, decisão final pelo Departamento de Patrimônio e possibilidade de recursos administrativos.
Impacto Esperado
A regularização fundiária é uma questão de grande importância para o município da Serra. A nova lei permitirá que dezenas de imóveis sejam finalmente regularizados, beneficiando não apenas os proprietários, mas também contribuindo para uma gestão mais eficiente do patrimônio público municipal. A expectativa é que a Câmara Municipal revise as emendas vetadas para alinhá-las com a legislação vigente e garantir a segurança jurídica necessária para a regularização fundiária no município.