Um patrimônio de 437 anos está sendo dilapidado na Serra. Trata-se do sítio ao redor da igreja São João de Batista Carapina, alvo de escavação promovida pela Andrade Gutierrez Terminais Intermodais LTDA. A empresa é responsável pelo TIMS, uma concessão pública municipal não tem remunerado os cofres da prefeitura e já tem dívida estimada em R$ 20 milhões.
A escavação onde fica o morro do sítio histórico havia sido embargada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) da Serra em 2019, que também multou em R$ 130 mil o TIMS por degradação de patrimônio histórico e ambiental. Mas a escavação foi retomada este ano. No local há uma placa informando que a Andrade Gutierrez obteve da Semma Licença Municipal de Regularização agora em 2021.
A reportagem de TEMPO NOVO esteve na área na manhã desta quinta – feira(11). E constatou a ampliação da escavação, embora no momento não houvessem máquinas trabalhando. Veja o vídeo.
Um morador de Carapina que conhece o sítio histórico e falou sob a condição do anonimato por temer represálias, disse que uma parte do casarão desabou recentemente. Ele adverte que o fato possa ter ocorrido por conta da movimentação das máquinas, uma vez que o corte do terreno está a menos de 100 metros. Veja o vídeo.
Já a Igreja fica a cerca de 380 metros do casarão. Portanto, a pouco mais de 400 metros de onde a Andrade Gutierrez está escavando. Segundo esse morador ouvido pela reportagem, a Igreja continua servindo como templo religioso até hoje, só não tem recebido fiéis durante a pandemia. Veja o vídeo*:
* Erramos: No vídeo há a informação de que a escavação está a cerca de 800 metros atrás da igreja. Na verdade a distância é de cerca de 400 metros, conforme medição no Google Earth.
O morador acrescentou que a escavação gera o temor de que o sítio histórico seja totalmente descaracterizado. Ele lembrou ainda que o local tem potencial turístico histórico, ambiental, religioso e até esportivo.
Da colina onde fica a Igreja, é possível ver a cidade de Vitória, o convento da Penha em Vila Velha, os alagados do Mestre Álvaro e uma das faces da montanha mais famosa da Serra. Mata Atlântica em regeneração rodeia o sítio histórico. Ciclistas locais mantém uma trilha para prática de montain bike, inclusive uma etapa de Campeonato Capixaba da modalidade já ocorreu no local. O morro da igreja também já foi usado como rampa por adeptos do voo livre.
São Anchieta operou milagre no local
A igreja foi erguida pelo padre jesuíta Braz Lourenço, o fundador da Serra, em 1584. E em 1569 pouco antes da estrutura ser levantada, o Padre José de Anchieta operou um milagre no local. Ele fez o menino Estevão Machado falar. O milagre está incluído no processo de canonização de Anchieta, finalizado pelo Vaticano em 2014. São Anchieta ajudou Brás Lourenço nos trabalhos de catequese onde hoje é o sítio histórico de Carapina.
A igreja é tombada desde 1984 pelo Conselho Estadual de Cultura. O sítio histórico possui 42 mil m2 de área e a manutenção do espaço é feita pela Prefeitura da Serra. Saiba mais.
Autorização
Em 2019 o Conselho Estadual de Cultura emitiu parecer favorável às intervenções da Andrade Gutierrez, entendendo que não coloca em risco a Igreja. Mas não cita o casarão, que está muito perto das escavações. O parecer assinado por três conselheiros – Viviane Pimentel , Leandro Terrão e Igor Erler – pediu no entanto que a gestora do TIMS consultasse o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico) sobre a necessidade de levantamento arqueológico do solo.
Também em 2019, o Iphan aprovou o corte do morro. No documento da autorização assinado pela Superintendente do Instituto no ES, Elisa Machado Taveira, não consta pedido para que a Andrade Gutierrez providenciasse levantamento arqueológico do local como sugeria o Conselho de Cultura.
Em nota enviada ao Tempo Novo na terça feira (16), cinco dias após a publicação dessa matéria, o Iphan disse que não há sítio arqueológico conhecido no entorno da igreja. Mas se empresa responsável pela escavação encontrar algum artefato, deve comunicar ao Instituto e parar a obra. Na mesma nota o Iphan disse que fiscaliza o empreendimento, mas , contraditoriamente, fala que não pode verificar a denúncia de danos ao sítio histórico em virtude do mesmo estar tombado a nível estadual, ou seja, pelo Conselho de Cultura do ES. Veja ao final desta matéria a íntegra da nota do Iphan.
Prefeitura diz que não há impacto arqueológico
Em nota enviada a reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano informa que a empresa obteve anuência da Secretaria de Estado da Cultura e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para realização de terraplanagem no local.
A Secretaria diz também que a multa e embargo da obra feitos pelo Meio Ambiente do do município em 2019 foi aplicado devido à falta de licença ambiental uma vez que o processo não estava concluído na época. Contudo, após a tramitação concluída, a obra foi liberada. Por fim a prefeitura afirma não existir impacto arqueológico “uma vez que o próprio IPHAN liberou a obra”.
O Tempo Novo também pediu um posicionamento da gestora do TIMS, a Andrade Gutierrez que esclarece que não tem mais participação na concessão TIMS desde 21/09/2018, quando fez a venda do ativo para as empresas Nova Brasil Imobiliária S/A e Autovix Participações S/A. A razão social da empresa também foi modificada para AGTI Empreendimentos Ltda, registrada em 14/05/2020. A AG já pediu à concessionária que retire seu nome da placa, bem como faça qualquer desvinculação do projeto que envolva a construtora.
Calote de cerca de R$ 20 milhões na prefeitura
O TIMS é um polo industrial construído em uma área pública de 2,4 milhões de m² entre a rodovia do Contorno de Vitória (BR 101), os alagados do Mestre Álvaro e o planalto de Carapina.
O espaço que no passado foi desapropriado pela Prefeitura e cedido à iniciativa privada em concessão, é explorado há 29 anos pela empresa Andrade Gutierrez Terminais Intermodais S.A (AGTI). Assim como noticiado com exclusividade no último dia 25 de fevereiro pelo jornal TEMPO NOVO, essa empresa descumpre o termo de concessão do qual previa o pagamento mensal da tarifa de uso, portanto, explorando área pública de graça a quase três décadas.
Íntegra do posicionamento do Iphan (atualizado na terça-feira, 16 de março)
A Instrução Normativa Iphan (IN) Nº 001, de 25 de março de 2015, estabelece no Iphan ações e procedimentos visando à avaliação das propostas com a adequação das medidas preventivas de preservação, controle e mitigação decorrentes de impactos dos empreendimentos. A análise dos empreendimentos ocorre, sobretudo, em três aspectos: área ou localização, tipologia e porte.
Dentro desse procedimento estabelecido, o empreendimento citado na reportagem solicitou, em 2019, a manifestação do Iphan para realização de obra em área destinada à correção topográfica do solo com corte e aterro para estabilização de taludes.
Em análise a documentação apresentada, constatou-se que na área do empreendimento, não havia sítio arqueológico conhecido, apesar de haver o sítio arqueológico nas imediações.
Dessa forma, de acordo com a localização, tipologia e porte da obra, foi solicitado que o empreendimento apresentasse um Termo de Compromisso do Empreendedor, conforme os requisitos dispostos no Art. 15 da Instrução Normativa nº 01/2015 do Iphan.
A empresa apresentou o solicitado, no qual responsabilizou-se de caso fosse achados bens arqueológicos na área da obra, o mesmo deveria suspender imediatamente as obras e comunicar a ocorrência ao Iphan. Assim, seguindo os ritos estabelecidos na Instrução Normativa nº 01/2015, foi emitido a manifestação Conclusiva Favorável a anuência da Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO) do empreendimento Andrade Gutierrez Terminais Intermodais Ltda, no município da Serra/ES, citada na reportagem.
Ressalta-se ainda que o Iphan realiza fiscalizações nos empreendimentos analisados, podendo solicitar a paralisação da obra caso seja identificado alguma irregularidade.
Por último, o Iphan não tem competência para atuar a respeito da denúncia anônima sobre possíveis impactos à Igreja São Batista Carapina, uma vez que a construção é um bem tombado em nível estadual.