Stefhanie Piovezan
O anúncio do Ministério da Saúde de que vai priorizar a população entre 6 e 16 anos na vacinação contra dengue foi bem recebido por especialistas. Enquanto não há doses suficientes para ampliar a imunização para adultos e tampouco aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para aplicação em idosos, a avaliação é que iniciar a estratégia por crianças e adolescentes está correta.
O público foi anunciado na segunda-feira (15), após uma reunião da CTAI (Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização), e segue a recomendação do grupo de assessoramento (Sage, em inglês) da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Em encontro realizado em setembro de 2023, os integrantes do Sage aconselharam a introdução da vacina Qdenga, produzida pela Takeda, para o público de 6 a 16 anos. “Dentro dessa faixa etária, a vacina deve ser introduzida cerca de 1-2 anos antes do pico de incidência de hospitalizações relacionadas à dengue. A vacina deve ser administrada em um esquema de 2 doses com um intervalo de 3 meses entre as doses.”
Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e membro da CTAI, explica que a orientação do grupo internacional parte dos estudos com a vacina a eficácia clínica da Qdenga foi avaliada em uma pesquisa com 20.099 crianças e adolescentes entre 4 e 16 anos de idade no Brasil, Colômbia, República Dominicana, Nicarágua, Panamá, Sri Lanka, Tailândia e Filipinas.
No Brasil, não são os mais jovens que compõem a maior parcela de casos graves e mortes por dengue. Dados da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente mostram que, entre janeiro e setembro do ano passado, 6,4% das vítimas da doença tinham entre 60 e 69 anos. Dos 5 aos 9 e dos 10 aos 14, essa taxa foi de 0,9%. Ainda assim, como o imunizante não foi liberado pela Anvisa para aplicação em idosos, Kfouri avalia que o benefício de vacinar adultos não seria muito superior a vacinar crianças.
“Dependendo da região, as taxas de hospitalização são até maiores em crianças de 5 a 9, por exemplo, ou de 10 a 11 do que em adultos e idosos. A escolha pelas crianças e adolescentes é baseada nessa epidemiologia de hospitalizações, que aqui no Brasil se concentra muito na faixa pediátrica, e também nos estudos da vacina.”
Outro aspecto diz respeito aos levantamentos realizados no país. Os estudos mostram que, em boa parte do Brasil, 50% dos moradores já tiveram contato com o vírus da dengue aos 10 anos de idade. Nesse sentido, englobar a faixa etária na vacinação é uma maneira de minimizar os riscos ante uma segunda infecção, na maioria das vezes mais grave do que a primeira.
“Se nós tivéssemos um estoque ilimitado de vacinas, com certeza a indicação seria de 4 a 60 anos, como está na bula”, diz o infectologista Alexandre Naime Barbosa, professor na Unesp e coordenador científico da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia). “Mas estamos com um cobertor muito curto. Vamos ter que escolher uma porção da população de 6 a 16 anos e ainda regionalizar para situações mais epidêmicas.”
A Takeda tem capacidade para entregar até novembro deste ano 5 milhões de doses. Como o esquema vacinal é composto de duas doses, essa quantidade é suficiente para vacinar 2,5 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia, apenas a cidade de São Paulo tem 1,5 milhão de pessoas entre 6 e 16 anos de acordo com o Censo 2022.
Em seu parecer, o Sage recomendou que a vacina seja aplicada em locais com alta carga da doença e grande intensidade de transmissão, de forma a maximizar o impacto na saúde pública. No caso do Brasil, União, estados e municípios ainda vão se reunir para definir as áreas de distribuição do imunizante.
Para Kfouri, a definição de regiões é complexa porque, às vezes, um município que registra melhor os dados pode dar a impressão de ter um cenário pior do que outro que falha na contabilização de casos e hospitalizações. “Não é fácil estabelecer esses indicadores, mas vamos construir esses critérios junto com o Departamento de Arboviroses para que seja justa a introdução das vacinas aos poucos.”
Oportunidade de melhorar a proteção contra HPV
Os especialistas destacam por fim outro impacto de iniciar a imunização por essa parcela da população: ampliar as taxas de vacinação contra HPV, grupo de vírus associado a vários tipos de câncer, como o de colo uterino, o de ânus, o de pênis e o de cabeça e pescoço.
A vacina contra o HPV está disponível no SUS para meninas e meninos de 9 a 14 anos, mas nos últimos anos houve queda na procura pelo imunizante e o país está longe da meta.
“A minha sugestão particular seria imunizar aqueles entre 9 e 14 anos, faixa em que já há vacina no calendário. Assim não seria necessária mais uma ida ao posto de saúde”, afirma Kfouri.