Brasil

Escolas adotam inteligência artificial para ajudar aluno a escrever redação

Além de erros gramaticais e ortográficos, as ferramentas se dizem capazes de analisar, em algum grau, a construção de frases e a fluência do texto. Foto: Pixabay
LAURA MATTOS

“A inteligência artificial tornou-se uma ferramenta cada vez mais importante no campo da educação e uma das maneiras mais emocionantes de usá-la é ajudar os estudantes a melhorar suas habilidades de escrita.”

Foi assim que a nova vedete da inteligência artificial, a plataforma ChatGPT, iniciou um texto de seis parágrafos quando a Folha de S.Paulo lhe enviou a seguinte solicitação: “Escreva um artigo sobre o uso da inteligência artificial para estudantes aprenderem a escrever redação”.

O artigo ficou pronto em 50,5 segundos. Ainda no primeiro parágrafo, o robô prosseguiu afirmando que as ferramentas “podem fornecer aos estudantes feedback instantâneo sobre seus ensaios, ajudando-os a identificar erros e a melhorar sua escrita com o tempo”.

Se é realmente “emocionante”, isso já é um juízo de valor feito pelo robô do ChatGPT, mas, de fato, como o texto aponta, essa ferramenta começa a se disseminar na educação, e escolas brasileiras, públicas e particulares, passaram a adotá-la.

Em São Paulo, a inteligência artificial para esse fim deverá ser introduzida nas escolas estaduais ainda neste semestre, de acordo com o secretário de Educação, Renato Feder. “Teremos um programa que apontará instantaneamente para o aluno erros gramaticais, ortográficos e de pontuação, além de explicar a regra”, afirmou o secretário à Folha de S.Paulo. Posteriormente, a redação deve ser encaminhada ao professor, e a plataforma sistematiza a sua correção fazendo ao docente perguntas como “Qual é a aderência do texto ao tema proposto?”, “Trabalha com a argumentação?”, “Usa raciocínio lógico?”, “Traz uma conclusão?”.

Segundo Feder, a ferramenta será desenvolvida pela Secretaria de Educação, da mesma forma que o programa implementado nas escolas paranaenses quando ele foi secretário do estado. O Redação Paraná foi criado no primeiro ano da pandemia e é utilizado por estudantes do 6º ao 9º ano e do ensino médio.

O Governo do Espírito Santo também aderiu a essa tecnologia, a partir de parceria com uma startup, a Letrus.

Essa mesma tecnologia já foi utilizada em escolas públicas da Paraíba, do Pará, de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, por meio de projetos financiados por institutos sociais, e atualmente está presente em escolas da Fundação Bradesco e em instituições voltadas à classe a de São Paulo, como a rede Pueri Domus e as escolas do Grupo Bahema, entre as quais a Escola da Vila e a Escola Viva. A Letrus diz ser utilizada por 180 mil estudantes no país -o custo médio programa gira em torno de R$ 100 por aluno por ano.

Professor de língua portuguesa e fundador da empresa, Luis Junqueira admite que, por melhor que seja, uma ferramenta de inteligência artificial não consegue substituir o olhar humano.

“Mas facilita o trabalho do professor e pode orientá-lo sobre que dificuldades devem ser observadas”, diz ele. “Também é importante o estímulo que o estudante tem ao receber um feedback rápido da sua redação. No Brasil, a grande maioria dos estudantes não consegue ter os seus textos lidos por professores.”

A Letrus defende que a ferramenta precisa ser integrada ao currículo escolar, com treinamento dos professores, para que saibam utilizá-la em aula, além de monitorar o desenvolvimento de cada aluno por meio de um histórico de dados e estatísticas.

Plataformas com essa proposta, portanto, segundo ele, diferenciam-se de sites e aplicativos que oferecem correção de redação instantânea gratuitamente (há serviços pagos, como o de escolher um tema livre). Entre elas já se tornaram conhecidas de professores brasileiros a Glau e a Grammarly.

Além de erros gramaticais e ortográficos, as ferramentas se dizem capazes de analisar, em algum grau, a construção de frases e a fluência do texto e, também, de evitar plágios, pesquisando outros textos online ou barrando a possibilidade de copiar e colar.

Mestre em linguística aplicada e professor do Instituto Singularidades, que forma professores e gestores da educação, Maurício Canuto afirma que essas ferramentas podem ser úteis, “desde que consideradas como complementares e sempre utilizadas com a mediação do docente”. “A tecnologia pode apontar um erro de pontuação, por exemplo, e explicar a regra, mas não garante que o aluno entenderá.”

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O professor dá aula de português na rede municipal de São Paulo e sugere essas ferramentas aos seus alunos. Ele diz ser preciso cuidado para que a criatividade não seja tolhida. “Essas ferramentas utilizam modelos de textos”, diz. “Isso pode ir na contramão do que a BNCC [Base Nacional Comum Curricular] determina, que o aprendizado busque novas linguagens, interações e que evite fórmulas estáticas.”

Ponderação semelhante faz Adriano Chan, corretor de redação de vestibulares e doutorando da Unesp em linguística cognitiva, que lida com os modelos do pensamento algorítmico. “Na língua, temos os usos que seguem padrões e os que não seguem, e esses casos não são identificados por essas ferramentas.”

Para Chan, que é proprietário de um curso de redação em São Paulo, essas ferramentas “podem ajudar o professor a ser mais eficaz”, desde que utilizadas com cautela. “Essas plataformas trabalham com modelos de texto. Procuram as palavras no primeiro parágrafo e avaliam como se relacionam com o restante da escrita. Isso não funciona para alunos mais criativos, para redações mais sofisticadas.”

A ponderação entre aspectos positivos e negativos, aliás, não está presente no texto do ChatGPT feito a pedido da Folha de S.Paulo, que só apontou vantagens do uso da inteligência artificial. A conclusão do robô é que o uso “emocionante” da ferramenta pode transformar alunos em “escritores competentes”.

Redação Jornal Tempo Novo

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