A lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi considerada um marco, um divisor de águas em meio ao caos que era, até então, o modo como era gerido o dinheiro público pelos chefes dos poderes de todos os entes da República, não era incomum (pelo contrário era bastante comum), os gastos públicos excederem seus limites quando comparados à arrecadação, ficando a “conta” para o próximo gestor eleito.
A LRF trouxe diretrizes bem específicas para o controle de gastos e a possibilidade de responsabilização criminal, com consequências políticas secundárias como a inelegibilidade (verdadeiro terror dos políticos), forçando os gestores do dinheiro público a terem maiores cuidados com gastos, renúncias fiscais, contratos de serviços, obras e compras, etc.
Entretanto, a própria LRF prevê, em seu artigo 65, que em caso de ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembleias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação, “I – serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70; II – serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.”
O artigo 23 versa, resumidamente, sobre a despesa total com pessoal pelos poderes e órgãos da União, estados, distrito federal e municípios, estabelecendo cortes no orçamento e diminuição da despesa com pessoal, prevendo inclusive extinção de cargos e funções, quando esta despesa exceder o percentual definido para esses.
O artigo 31 diz respeito ao que ocorrerá se um ente da Federação ultrapassar o respectivo limite ao final de um quadrimestre, ficando passíveis de sanções que vão desde a proibição de realizar operações de crédito, até o impedimento de se receber transferências voluntárias da União ou do Estado.
O artigo 70, por fim, refere-se ao ajuste que deve ser feito por parte dos Poderes e órgãos federativos, se no exercício anterior à publicação da LRF, a despesa total com pessoal estiver acima dos limites estabelecidos, fixando as mesmas sanções previstas no artigo 23.
Toda crise gera oportunidades, assim, na prática, uma vez declarado estado de calamidade pública, estados e municípios, podem gastar mais do que arrecadam, dispensar licitações e receberem verbas federais específicas para, em tese, serem empregadas na superação do evento que motivou a decretação do estado de calamidade pública (Pandemia do Covid-19).
Resta ao cidadão ser especialmente vigilante nestes tempos de calamidade pública generalizada, pois não serão incomuns gastos desproporcionais, fora do real interesse público, que beneficiem diretamente, por ausência de licitação, les amis de la roi (os amigos do rei), ainda mais com as eleições municipais estando programadas para acontecerem em todo país. Por outro lado, verdadeiros e honestos gestores têm a oportunidade de se diferenciarem dos demais, usando moderadamente dos novos “poderes” concedidos pelo estado de calamidade pública.
“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.” *
Augusto Comte.
* (Não, esta frase não é original do Tio Ben/Stan Lee, do Homem Aranha).
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