Avaliar a contaminação por metais no corpo humano e em animais aquáticos da Grande Vitória expostos ao pó preto, incluindo o potencial cancerígeno da substância que é tão presente no dia a dia dos capixabas. São objetivos do estudo inédito que envolve pesquisadores de universidades do Brasil, Reino Unido, Austrália, França e Argentina.
Uma das articuladoras da iniciativa é a bióloga capixaba Drª Iara da Costa Souza, que inclusive já morou em Portal de Jacaraípe. Ela, que é pesquisadora associada responsável pela administração e logística da pesquisa, é vinculada à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), instituição que está coordenando os trabalhos com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Iara explica que o estudo tem duas frentes: uma delas é analisar o impacto do pó preto de minério e de processos siderúrgicos da Vale e da ArcelorMittal Tubarão nas células do pulmão humano, identificando metais absorvidos pelo organismo e o potencial cancerígeno. A segunda é avaliar o impacto do pó preto nos peixes e outros organismos aquáticos como camarão, caranguejo, ostras e até anfíbios. E como isso pode afetar a saúde das pessoas que consomem o pescado contaminado.
Segundo a pesquisadora o estudo foi formalmente iniciado em agosto e tem prazo de cinco anos para ficar pronto. Mas pode-se dizer que começou muito antes, uma vez que é desdobramento de outros trabalhos acadêmicos feitos por Iara em parceria com outros cientistas desde meados da década de 2000 na Grande Vitória.
Moqueca com metais
Na época Iara era vinculada ao departamento de Biologia da Ufes, onde se graduou, e desenvolvia estudo para criação de tilápias em tanques rede na baía de Vitória na região entre o Canal dos Escravos e o rio Santa Maria.
Foi quando acabou encontrando metais pesados como chumbo, arsênio, cádmio, mercúrio, alumínio, ferro em quantidade elevada no robalo, peixe nativo desse ambiente que também foi estudo na ocasião. E não foi só: em outros momentos da pesquisa metais emergentes (que ainda não limite legal estabelecidos) como titânio, bismuto e cério também apareceram nos bichos.
O robalo é um dos peixes mais servidos na moqueca capixaba. “Por causa desses metais, descobrimos que não dava para fazer piscicultura na baía de Vitória. Na minha tese de doutorado em análise ambiental forense feito na UFSCar em conjunto com a Hull University, na Inglaterra, consegui provar que os metais vinham do pó preto do minério da Vale vindo do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais também usado na ArcelorMittal Tubarão e do pó originado em outros processos siderúrgicos nas duas empresas. Esse pó vai para a água da mesma forma que vai para as casas das pessoas, uma vez lançado no ar, o vento espalha e ele se precipita sobre a superfície”, explica.
O estudo sobre a presença de metais no robalo da baía de Vitória foi publicado em 2013. “Quando cai na água, o pó preto é absorvido pelas brânquias dos peixes. Em 2015, publicamos outro estudo onde apareceram os compostos emergentes nos robalos.
Água reduz o tamanho da
partícula e a deixa mais perigosa
Uma das premissas já conhecidas da ciência sobre o impacto de material particulado – o pó – aos humanos e animais é a de que quanto menor o tamanho da partícula, pior para a saúde. É justamente esse um dos pilares do argumento de Iara para conseguir recursos e apoio de instituições de outros países para pesquisa em terras capixabas.
“Na Grande Vitória tem muito pó preto. Já existe previsão legal de controle da quantidade de poeira no ar do qual as pessoas podem se expor. Mas não existe para água e esse é um problema mundial, por isso conseguimos apoio para a pesquisa. Percebemos que o pó preto presente em Vitória, ao entrar contato com solução aquosa, se dissolve e fica muito pequeno, sendo absorvido pelas células”, detalha.
Esta observação, acrescenta a cientista, motivou ampliar o estudo para o sistema respiratório das pessoas que respiram o pó emitido pelas atividades da Vale no ES.
“Na Grande Vitória há muita umidade no ar. Isso provoca dois efeitos. Um é criar um efeito de cola no pó preto, que acaba ficando maior do que ele realmente é. Por isso, no monitoramento, aparece como uma poeira de partícula grande, de menor poder ofensivo. Mas ao ser respirado, já entra em contato com o muco nasal que aí em Vitória tende a ser mais aquoso por causa do ar úmido. Estamos estudando a hipótese de que, nesta situação, as partículas podem ficar até mil vezes menores e serem mais facilmente absorvidas”, explica.
Iara disse que já expôs células de pulmão humano ao pó preto coletado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) na Ilha do Boi, em Vitória. E notou que 10% da substância acabou absorvida. E também notou-se maior mortalidade de células expostas ao poluente em relação as que não tiveram contato. Mas este estudo ainda carece de laudos sobre a quantidade e tipo de substâncias químicas que acabaram entrando no núcleo das células.
O estudo deve dar pistas sobre o potencial cancerígeno do pó preto. “A PM2,5 (partícula pequena de poeira) já e cancerígena e fica mil vezes menor quando entra no pulmão. Por isso o pó preto, no mínimo, gera risco de câncer”, adianta.
Ela acrescenta que uma parte do estudo já comprovou que há dissociação do pó preto no meio aquoso e que a substância se transforma em nanopartícula.
Contribuição para lei mais dura contra poeira
Iara disse esperar que ao final, o estudo possa dar ferramentas para o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema), legisladores e a sociedade civil capixaba articularem leis mais rígidas contra a poluição por pó preto. Seja pelo impacto direto à saúde respiratória dos moradores da Grande Vitória, seja pelo impacto indireto ao contaminar pescado que depois será consumido pelas pessoas.
A pesquisadora ressalta ainda que o estudo vai abranger um número maior de espécies aquáticas para montar um panorama mais abrangente da contaminação nesses ambientes e poder subsidiar a criação de um marco legal sobre a quantidade de pó preto tolerada no mar, manguezais, rios e lagoas do ES.
Inclusive o estudo está investigando se os robalos contaminados por metais pesados e emergentes, possam ter tido o músculo cardíaco afetado e a capacidade natatória reduzida.
O título do estudo é ‘Material Particulado Atmosférico e Contaminação Ambiental: Avaliação do Impacto na Biota Aquática em uma abordagem Ecofisiotoxicológica Integrada’.
Coordena o trabalho a pesquisadora professora Drª Marisa Narciso Fernandes do Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSCar. Da Ufes, participam as pesquisadoras Drª Lívia Dorsch Rocha, Drª Silvia T. Matsumoto, Drª Hiuliana Pereira Arrivabene. E também a Drª Mariana Morozesk.
Outras instituições nacionais com pesquisadores envolvidos são a UNISANTA/Santos e UNIFESP/Baixada Santista. De pesquisadores internacionais, cientistas da Universidade de Córdoba, Argentina; Universidade de Hull e Universidade de Birminghan, Reino Unido; Universidade de Montpellier, França; Universidade da Austrália Ocidental (The University of Western Australia).