Em situação de vulnerabilidade social, cerca de 300 famílias precisam dividir o espaço de suas residências com um valão tomado por esgoto na Serra. Trata-se de moradores do bairro José de Anchieta II. Na comunidade, crianças e adultos convivem com mau cheiro e também com o risco de serem contaminados por doenças. Quando chove, a situação é ainda pior: a água suja invade as casas e destrói quase todos os bens materiais. Os populares cobram melhorias há anos, mas nunca foram atendidos pela Prefeitura da Serra.
Na maior parte dos casos, as residências ficam a beira do valão – que recebe esgoto de muitas casas e até de bairros vizinhos. O odor gerado pelo esgoto persegue as famílias durante todo o dia e noite. A reportagem do TEMPO NOVO esteve no local e constatou que crianças costumam brincar nas águas sujas, além de muitos moradores que são obrigados a pisarem no valão para saírem de suas casas e se dirigirem até determinado ambiente.
Maria do Carmo Balduino (Lilico), que é moradora do bairro há 37 anos e sempre atuou como liderança comunitária, se mostrou preocupada com a situação atual do valão. De acordo com ela, a comunidade pede a criação de uma galeria e melhorias para o local há muitos anos, mas nunca foi atendida pela Prefeitura da Serra. Nos últimos oito anos da gestão de Audifax Barcelos (Rede), por exemplo, sequer um projeto foi apresentado aos moradores.
Ela contou ainda que quando chegou ao bairro, o valão era um córrego limpo e que moradores tomavam banho nas águas. “Hoje, além de não dar nem para chegar perto da água, o odor que sobe valão é muito forte, atrapalha a gente até a tomar café da manhã. O mau cheiro é mais forte principalmente nos horários da manhã, às 14h, às 16h e às 18h. Também temos muita incidência de dengue, chikungunya e zika.”
Lilico também reclama da falta de limpeza no espaço. “O córrego está assoreado e sujo então qualquer chuva por menor que seja já deixa os moradores preocupados. Muita água desce aqui para baixo, vem água lá de cima de José de Anchieta, da BR 101 e como aqui fica na baixada, quem está aqui embaixo sofre com o problema há anos. Mistura água de esgoto, com água da chuva, com a água das nascentes que se perdem em meio ao valão e por ai vai”.
Já Maria da Penha Pereira precisa lidar constantemente com os alagamentos que acontecem na rua Paulo e Silva. Ela mora ao lado do valão, no trecho que fica próximo a creche municipal, há 23 anos e conta que se chover o medo impera. “Temos medo, qualquer chuva a gente já fica com o temor do esgoto entrar em casa. Não precisa chover muito.”
Na rua dela, muitos moradores fizeram pequenos extravasores de água – para escoar a chuva – com dinheiro do próprio bolso. “Mas não ajuda muito. Foi feito um projeto antigo de bate estaca para ‘asfaltar’ o valão, mas não adiantou. Aqui vivemos esquecidos”, reclama.
Presidente da Associação de Moradores de José de Anchieta II, Valdeir Carlos Teltone, está no bairro há 42 anos. Segundo ele, existem casos de moradores que já ficaram doentes por ter tido contato com a água podre do valão.
“Inclusive já tivemos até morte. Um homem caiu na vala de bicicleta e morreu em seguida, pois engoliu esgoto. O ideal para tentar resolver este problema aqui seria fazer uma galeria e manilhar. Pagamos taxa de esgoto, mas não temos tratamento. A Prefeitura diz que é um córrego, que têm nascentes. Podem até vir limpas de onde nascem as águas, mas quando caem no valão ficam podres.”
Também liderança comunitária do bairro, José Carlos da Silva, mora no local há 41 anos. “Sou nascido e criado aqui. O problema do valão sempre existiu. Fizemos várias tentativas com Prefeitura, Cesan, Ambiental Serra e nada foi feito. Basta uma mínima chuva a preocupação já começa. As águas que descem para cá vem da Garganta do Diabo e desce com esgoto e água pluvial tudo junto. Tem esgoto que vem do Corsanto também, José de Anchieta I, Jardim Tropical e Laranjeiras Velha”.
Se não bastasse as residências próximas ao esgoto, a Prefeitura da Serra também construiu escola, creche e dois campos de futebol ao lado do valão. Além do mau cheiro enfrentado, também há risco da água de alagamentos invadirem as unidades escolares e campos – como já ocorreu antes.
A maior parte das residências do bairro não possui coleta e tratamento de esgoto, pois o líquido é jogado diretamente dentro do valão. Mesmo assim, a Companhia Espírito Santense de Saneamento, em parceria público-privada com a Ambiental Serra, cobra a taxa de esgoto dos moradores da região. Essa é uma das principais queixas dos populares.
“Pagamos taxa de esgoto que muitas vezes chega a 80% do valor da conta, em alguns casos, até 100%. É um absurdo e até hoje só tivemos promessas”, reclamou Maria do Carmo.
Maria da Penha também questiona o motivo do pagamento da taxa. “Somos cobrados e não temos o tratamento devido. Isso pode ser considerado roubo. Vivemos sem suporte da Cesan e da prefeitura.”
O TEMPO NOVO entrou em contato com a Prefeitura da Serra questionando o Município sobre a situação precária em que vivem as famílias. Em nota enviada a reportagem, a gestão de Audifax Barcelos (Rede) – que deixa o Município neste mês após oito anos de administração assumiu que não realizou durante todo esse tempo sequer um projeto para melhorias ou criação de galeria no local.
A Secretaria de Comunicação também enviou imagens antigas para afirmar que limpa constantemente o local, mas a reportagem esteve na região durante esta quarta-feira (23) e constatou que o valão não recebe capina e outros serviços de limpeza há meses, pois está tomado por mato e vegetação aquática.
De acordo com a assessoria, uma próxima limpeza está agendada para os próximos dias. “Por isso, a prefeitura pede a colaboração dos moradores para que não obstruam a passagem da água com objetos”, diz o texto da nota.
Sobre a construção de galeria, a prefeitura afirmou que está em processo de captação de recursos para a contratação de projeto para o bairro.
A Cesan/Ambiental Serra foi procurada pela reportagem para comentar sobre o assunto, mas não deu retorno até a finalização deste texto. Caso a demanda seja respondida, essa matéria será atualizada.
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