A Vale vai ter que pagar a multa que deve desde 2014 por contaminar com óleo a lagoa Pau Brasil, em Hélio Ferraz. É o que decidiu a juíza Telmelita Guimarães da Vara da Fazenda Pública da Serra. A multa aplicada pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Serra (Semma) inicialmente era de R$ 4,6 milhões. Mas o valor saltou para R$ 12,6 milhões com juros, correções monetárias e acréscimos decorrentes do débito já estar em dívida ativa.
A decisão judicial, proferida no último dia 30 de setembro, aconteceu após a própria Vale ter recorrido ao judiciário, em 2015, para não pagar o débito. E além de obrigar a mineradora a quitar a dívida, ainda determinou que a empresa pague R$ 15 mil de honorários advocatícios à Prefeitura da Serra.
Por nota enviada no início da noite, a Prefeitura da Serra informou que a Vale ainda pode apelar da decisão junto ao Tribunal de Justiça, por isso pode não receber a multa. Disse também que a empresa se livra de embaraços judiciais por estar em dívida ativa apresentando garantias à Justiça.
Mas antes de ingressar na Justiça contra a Prefeitura, a mineradora já havia recorrido administrativamente contra a multa e perdera, inclusive no Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdemas).
“Essa decisão da Justiça foi uma vitória para a Procuradoria do município e para o Comdemas que manteve a decisão pecuniária contra a Vale. Esse recurso deverá ir para o Fundo Municipal de Meio Ambiente e ser usado em ações de recuperação e conservação ambiental no município”, frisa o conselheiro Gilson Mesquita, que representa na entidade a Federação dos Trabalhadores da Indústria (FTI).
A degradação ambiental que resultou na multa aplicada pela Semma ocorreu na noite/ madrugada dos dias 30 e 31 de outubro de 2014, quando uma superchuva atingiu o município, caindo com maior intensidade entre Laranjeiras e Carapina.
Na ocasião houve transbordamento dos tanques de tratamento de efluentes oleosos da oficina de locomotiva da Vale em Tubarão. A sujeira foi parar na lagoa Pau Brasil, em Hélio Ferraz, que fica ao lado dos tanques. Como a lagoa transbordou, o óleo também invadiu residências. Nos dias subsequentes e até anos depois moradores fizeram protestos contra a Vale pedindo reparação pelos danos.
Por conta da situação, a Semma multou a Vale em R$ 4,6 milhões. A lagoa Pau Brasil é a cabeceira do córrego Camburi, que deságua no final da famosa praia da capital. Antes disso, ela se interliga a outras lagoas existentes dentro do Complexo Industrial de Tubarão até chegar à lagoa existente no Parque Botânico da Vale. Dali há um dreno até o córrego Camburi. Na época do derramamento de óleo, a Vale disse que o poluente não chegou até o mar.
De acordo com moradores de Hélio Ferraz, a situação se repetiu em 17 de maio de 2019, porém com menor intensidade.
Procurador diz que mineradora usa táticas
jurídicas para não quitar débitos ambientais
O procurador do município Gilberto Santana acompanhou o desenrolar do processo judicial movido pela Vale contra a Prefeitura da Serra questionando a legalidade da multa. Segundo ele, a mineradora usou diversas táticas jurídicas.
“Primeiro a Vale alegou que o óleo não havia chegado à Serra. Provamos que sim, a lagoa fica na divisa entre Serra e Vitória, está portando no território dos dois municípios. Depois falou que não chegou a casa dos moradores. Também provamos o contrário”, frisa Santana.
O procurador disse que a empresa também tentou alegar que tinha tomado todas as providências para impedir que acontecesse o extravasamento, que no argumento dela só teria acontecido porque houve uma chuva extraordinária. “Ocorre que a Estação de Tratamento de Efluentes Oleosos (ETEO) das locomotivas não é coberta e fica ao lado da lagoa. Ora, isso é assumir riscos quando chove forte”, pondera Santana.
E não foi só. Segundo o procurador, a Vale tentou desqualificar a autuação dizendo que o vazamento não foi de óleo mas de substâncias oleosas, isto é, óleo misturado com água, e que teria removido todo o material que caiu na lagoa. “Provamos com perícia técnica que não foi bem assim, inclusive parte da substância se dissolveu na água da lagoa. Outra coisa que a empresa tentou argumentar é que não houve dano à fauna. Pois houve. Inclusive presenciei, durante vistoria, um papagaio cheio de óleo”, acrescenta.
O procurador explicou também que a lagoa Pau Brasil é o início de uma bacia hidrográfica – a do córrego Camburi – que foi toda alterada com a criação de diversas lagoas dentro do Complexo de Tubarão da década de 1960 para cá. “Há comportas entre essas lagoas. A Vale não explicou porque o óleo não chegou ao mar, não provou a manutenção dessas comportas. Inclusive elas podem ter sido fechadas para evitar que o óleo chegasse a Camburi e causasse comoção na opinião pública, o que pode ter agravado a enchente da lagoa Pau Brasil e levado o contaminante para dentro das residências de Hélio Ferraz”, avalia.
Gilberto Santana disse que a empresa tentou até questionar o conceito de lagoa. “Conseguimos provar que a Pau Brasil é o resultado do represamento das águas do córrego Carapina que formam o córrego Camburi”, pontua.
Inadimplência recorrente
São diversas as multas ambientais não pagas pela Vale no ES. Levantamento feito por Tempo Novo em julho de 2018, apontava que até aquela data a empresa tinha pelo menos 19 multas que se recusara a pagar por degradação ambiental. Situação que também se estendia a sua joint venture com a BHP Billiton, a Samarco, mineradora responsável pelo rompimento da barragem de rejeitos da mineração em Mariana, cuja contaminação persiste até hoje na bacia do rio Doce e no trecho capixaba do oceano Atlântico.
Segundo o jornal o Globo, entre novembro de 2015 e maio de 2018, a Samarco e suas controladoras só haviam pago 3,6% das multas aplicadas pela União e pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Empresa disse que ainda não foi notificada
Por nota, a Vale disse que até às 18h desta terça-feira (06) a não havia sido notificada da decisão judicial.
Matéria atualizada às 20h desta terça-feira.