Era 23 de dezembro de 2015, uma manhã de quarta-feira, quando a lama proveniente do rompimento da barragem da Samarco (Vale + BHP Billiton) em Mariana – MG chegou à Serra. Naquele dia, a chamada pluma de sedimentos atingiu a divisa do município com a cidade vizinha de Fundão, na altura da foz do rio Reis Magos.
O primeiro balneário afetado foi Nova Almeida, a histórica vila de pescadores que existe desde o período colonial, quando era uma das maiores aldeias indígenas do país, há mais de 400 anos. O material, composto inclusive por metais pesados, continuou seu percurso ao sul pelo litoral da Serra. Isso não surpreende, já que o município está a apenas 60 km da foz do rio Doce, por onde todos os rejeitos foram transportados em um evento que ainda hoje é considerado uma das maiores tragédias ambientais da história do Brasil.
Os impactos, além de severos nos primeiros dias após a chegada da lama ao litoral da Serra, também foram crônicos, afetando peixes, crustáceos, corais, plantas e animais terrestres, entre outros organismos. Além disso, prejudicaram pescadores e suas famílias, que dependiam diretamente da atividade pesqueira. Esses impactos ainda não são completamente compreendidos, tampouco devidamente reparados.
Porém, após uma longa batalha judicial, a Serra deverá receber recursos oriundos do Acordo de Mariana, que é o maior acordo socioambiental do mundo, com R$132 bilhões em recursos destinados à reparação. Desse montante, segundo a coluna apurou com fontes internas da Prefeitura da Serra, R$106 milhões devem ser aportados nos cofres da cidade.
O acordo foi homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 06 de novembro e é resultado de esforços conjuntos que envolveram a Samarco (responsável pela barragem), as controladoras Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, a Advocacia-Geral da União (AGU), os governadores de Minas Gerais e Espírito Santo, a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Defensoria Pública da União, os Ministérios Públicos de MG e ES, além das Defensorias Públicas dos dois estados.
Além da Serra, outras 10 cidades capixabas foram reconhecidas como atingidas pela lama da Samarco. São elas: Anchieta, Aracruz, Baixo Guandu, Colatina, Conceição da Barra, Fundão, Linhares, Marilândia, São Mateus e Sooretama. O texto do acordo determina que, cinco dias após a homologação pelo STF, essas cidades serão comunicadas sobre a possibilidade de adesão e as medidas necessárias a serem adotadas.
A Serra ainda está em fase de acertos finais, mas tudo indica que foi negociada uma indenização de R$ 106 milhões, a serem pagos em 20 parcelas mensais. Caso seja concluído, os primeiros recursos deverão ser transferidos 20 dias após a assinatura. Assim, é possível que já em janeiro a Serra receba aproximadamente R$ 5 milhões mensais pelo Acordo de Mariana. No total, R$ 1,43 bilhão foi destinado aos 11 municípios capixabas incluídos no acordo.
Esses recursos não são de aplicação totalmente livre, embora seu escopo seja bastante amplo. Há restrições na sua utilização, e eles devem ser destinados às áreas de gestão ambiental, geração de emprego e renda, fomento à agropecuária, cultura e turismo, além de investimentos em sistema viário, infraestrutura, mobilidade e urbanização. Também poderão ser aplicados em ações de fortalecimento do serviço público, educação, saúde e saneamento.
A Serra, por meio de entidades e órgãos que atuaram em defesa do município, precisou travar uma verdadeira batalha com a Fundação Renova, criada para tratar do assunto, para ser reconhecida como uma cidade afetada pelo rompimento da barragem. Desde 2017, por meio da Deliberação nº 58, o Comitê Interfederativo (CIF), responsável por atuar junto à Fundação Renova, já havia reconhecido a Serra como uma cidade atingida pelo desastre. Contudo, a entidade contestou consecutivamente essa decisão judicialmente, até que por fim a Justiça considerou procedente a Nota Técnica nº 3/2017, emitida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que identificou que a pluma de rejeitos da Samarco atingiu a região costeira do município da Serra e causou impactos.
Dessa forma, chega ao fim um processo que se arrastou por quase 10 anos, desde o fatídico dia em que o rompimento da barragem se tornou notícia mundial. Nos próximos dias, a Prefeitura da Serra deve divulgar o resultado final do acordo, que, até o momento, está para ser fechado nos termos expostos aqui. Além disso, aguarda-se o detalhamento de como o município pretende utilizar os recursos e onde investir.