Entre as maiores queixas da população da Serra está a falta de médicos em algumas unidades de saúde; o Jornal TEMPO NOVO detalhou o tema com a secretária municipal de Saúde, Bernadete Coelho. O assunto é complexo, e ela precisou remeter ao ano de 2019, quando o Governo Federal descontinuou o Programa Mais Médicos, que retirou de uma só vez, 120 médicos cubanos que atuavam na Serra.
Poucos meses depois, a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil, e foi sancionada a Lei Complementar 173/2020, que permitiu a estados e municípios receberem recursos federais para o combate à pandemia, tendo como contrapartida restrições ao aumento de despesas — como limitação à contratação de pessoal e proibição de reajuste para servidores. A Lei tinha validade até 31 de dezembro de 2021, e durante este período a Prefeitura da Serra esteve impedida de criar atrativos salariais para contratar médicos, que em grande maioria, buscavam atuar no setor privado que remunera melhor.
Segundo Bernadete, a solução encontrada durante este período, foi a contratação de uma empresa, que iria fornecer mão de obra médica terceirizada sendo remunerada pelo município por plantões contratados. Após um processo conturbado de contratação, o município conseguiu validar o contrato, porém, segundo Bernadete, essa mão de obra servia para ocupar lacunas na saída de profissionais que atuavam diretamente para o município, como por exemplo, cobrir férias, afastamentos ou médicos que se desligaram da Prefeitura.
Bernadete relativizou que apesar de ser a opção que havia no momento, essa modelagem trás perdas significativas nas comunidades, já que há uma quebra de vínculo médico-paciente. “Você leva seu filho no pediatra, e quando retorna, o médico é outro. Apesar de ter o prontuário eletrônico, existe uma quebra de vínculo, aquele médico que fez todo o acompanhamento da criança e conhece os pais”, disse.
Após a virada de 2021 para 2022, a Lei Complementar 173/2020 caiu, e a secretária detalhou a medida implantada que promoveu gratificações extras para médicos, com objetivo de atrair os profissionais. De acordo com ela, médicos que atuam em comunidades contidas no corte geográfico do bairro Parque Residencial Laranjeiras em direção ao sul da Serra (sentido Vitória), ganhariam R$ 3.2 mil/mês a mais; já os que atuam nesse mesmo corte geográfico, só que ao norte do município (sentido Fundão) passaram a ganhar R$ 4 mil/mês.
Bernadete afirmou que esse incentivo salarial conseguiu atrair mais mão de obra médica e preencheu parte dos processos seletivos; no entanto, apesar da Serra pagar o maior salário entre as cidades capixabas (com as gratificações citadas acima), os salários ainda perdem para o setor privado. Um profissional que atual 20h na Serra, ganha R$ 7.5 mil; já de 40h, recebe R$ 15 mil/mês. Bernadete citou em especial a categoria dos pediatras, que, segundo ela, há uma dificuldade estrutural em todo o Espírito Santo para esse tipo de profissional: “falta esse tipo de médico no ES”, disse.
Perguntada se o motivo pelo qual a Prefeitura optou por gratificar R$ 800 a mais, os médicos que atuam ao norte de Laranjeiras, estaria ligado à resistência dos profissionais que em grande maioria moram em Vitória, em se deslocar para a Serra, ela confirmou a informação. Na prática, as comunidades mais afastadas de Vitória sofrem mais com a falta de médicos devido distância de deslocamento.
A secretária ainda lembrou que, salvo algumas especificidades, a responsabilidade do município está ligada ao atendimento primário, com os médicos generalistas, que são aqueles que fazem os primeiros atendimentos nas unidades de saúde e fazem o encaminhamento para algum profissional especialista. “Às vezes a população diz: ‘ah, não tem médico’, mas muita das vezes, ele está se referindo a um profissional especialista que não é de competência do município, mas a culpa acaba indo para a Prefeitura, pois existe essa confusão de competências”. Bernadete se refere ao pacto federativo que estabeleceu a grande maioria das especialidades médicas sendo de responsabilidade dos governos estaduais, como é o caso de cardiologista, oftalmologista, neurologista e ortopedista, por exemplo.
As afirmações foram concedidas pela secretária em entrevista ao vivo, que pode ser assistida na íntegra abaixo:
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