JANAÍNA PEDROSO
O menor golfinho do Brasil, a toninha (Pontoporia blainvillei), ameaçada de extinção, pode desaparecer do planeta antes do que se imagina. Quem alerta são pesquisadores de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, e Ubatuba, no litoral norte paulista. A principal razão levantada é a captura acidental, também chamada de by-catch, quando a toninha é apanhada em redes em meio a peixes, crustáceos e moluscos alvos da pesca.
Os pesquisadores acompanham há três décadas esse mamífero marinho monogâmico e discreto, que se estima habitar o planeta há pelo menos 1 milhão de anos. “As toninhas são uma relíquia da evolução, mas podem não sobreviver”, diz Marta Cremer, pesquisadora que coordena o projeto Toninhas do Brasil, da Univille (Universidade da Região de Joinville).
De 2017 a 2022, foram mais de 2.650 toninhas mortas entre Laguna (SC) e o litoral norte de São Paulo. Somente no Rio Grande do Sul, em 2019, foram 3.908 animais encontrados sem vida e em 2020, outros 4.183.
Além de ser o estado onde se concentra a maior população de toninhas no Brasil, pesquisadores gaúchos buscam carcaças não apenas na praia, mas também no mar, o que aumenta a quantidade de animais mortos catalogados.
O Instituto Argonauta, que atua no litoral norte paulista e integra o Projeto de Monitoramento da Bacia de Santos, divulgou dados preocupantes.
De janeiro de 2018 a dezembro de 2022, foram encontradas 265 toninhas mortas na área. Só em 2022 foram 64 delas. Neste ano, já são dez.
“É alarmante o que observamos ao longo desses anos de monitoramento”, diz Carla Beatriz Barbosa, bióloga e coordenadora do trecho 10 (que engloba São Sebastião, Ilhabela, Caraguatatuba e Ubatuba) do projeto. “Das espécies de mamíferos marinhos mais atendidas por nós, a toninha é a mais ameaçada e a que representa o maior número de ocorrências.”
A bióloga lembra que é recente o uso de drones que permitem entender melhor o comportamento das toninhas. “A toninha é um animal tímido. Ela não salta como outros golfinhos, e é costeira, está exposta a diversas interações.”
Outro aspecto que preocupa pesquisadores é que dados devem estar subestimados. “Nem todos os animais que morrem chegam às praias, muitos têm suas carcaças deterioradas antes disso”, diz Cremer.
Atualmente, calcula-se que a população de toninhas no Brasil seja de 18 mil indivíduos. A metade está concentrada entre o sul de Santa Catarina e o Rio Grande do Sul.
Além de monogâmica, comportamento singular entre os demais mamíferos, as toninhas se estabelecem em grupos familiares e não costumam transitar de uma região a outra.
Com a exploração de petróleo e gás da Bacia de Santos, em 2015, passou-se a ser exigida, como contrapartida ambiental, o monitoramento de animais marinhos, como as toninhas. “O cenário mudou radicalmente, e o número de mortes conhecido tornou-se muito maior do que se imaginava até então”, conta Cremer.
É difícil, para os pesquisadores, afirmar quanto tempo ainda resta para as toninhas. “É importante analisar o período reprodutivo, quando falamos em risco de extinção. As toninhas levam um ano para gerar um único bebê, que é amamentado por seis meses”, diz Cremer.
Para Barbosa, a solução está longe de ser resolvida de forma simplista, como leis que proíbam a pesca em determinadas áreas, por exemplo. “É importante não criminalizar a pesca, mas tornar o pescador um aliado da causa.”