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Morre Pelé, rei do futebol, aos 82 anos

Crédito: Divulgação
JUCA KFOURI

Morreu, aos 82 anos, Edson Arantes do Nascimento, um homem igual a qualquer outro, com qualidades e defeitos. No caso, mais qualidades que defeitos, embora estes o tenham impedido de ser um cidadão ainda mais influente do que foi.

Curiosamente, Edson tratava a si mesmo na terceira pessoa.

E consta que morreu também nesta quinta-feira (29), também aos 82, Pelé, o melhor jogador de futebol de todos os tempos, título indiscutível pelo menos para as pessoas sensatas que viram futebol muito antes e muito depois de o atleta começar e terminar, entre 1956 e 1977, sua esplendorosa carreira de 1.283 gols, cinco títulos mundiais -dois pelo Santos e três pela seleção brasileira.

Curiosamente, Pelé tratava a si mesmo na terceira pessoa.

Mas o mundo -a imprensa francesa primeiramente-, a vida inteira o tratou por Rei: Rei Pelé. Verdade que um dia o jornal inglês The Sunday Times foi além ao perguntar e responder: “Como se soletra Pelé? Com as letras GOD [Deus, em inglês]”.

E é esse homem, também eleito o “Atleta do Século” em 1980 pelo jornal francês L’Équipe, que aqui será tratado e devidamente homenageado, embora não existam palavras em língua alguma no mundo que deem conta de expressar suas façanhas e o encantamento que ele despertou pelo planeta afora em seu ofício de jogar futebol como ninguém.

Nem é o caso de se dizer que existe um futebol A.P. e outro D.P., porque futebol e Pelé se tornaram sinônimos.

Nunca antes neste planeta uma pessoa só reuniu todos os fundamentos de um jogo como ele, não por acaso o jogo mais popular de todos.

Pelé chutava magnificamente com ambos os pés, cabeceava de olhos abertos, fazia gols como ninguém, dava passes que surpreendiam até seus companheiros, matava a bola no peito como se a aninhasse feito um bebê no colo e até bom goleiro era capaz de ser. Fora o instinto assassino, impresso num olhar que assustava seus marcadores, como alguns tiveram a coragem de confessar.

E nunca foi bonzinho. Religioso que era, em vez de dar a outra face quando apanhava, dava mesmo um pontapé ainda mais certeiro, uma cotovelada imperceptível, uma solada definitiva.

E jogava. Jogava como um deus. Sim, tinha razão o jornal inglês, tanto quanto o francês.

Ainda menino, com 17 anos, na Copa do Mundo da Suécia, ele simplesmente foi o artilheiro da seleção brasileira, com seis gols.

E gols cada um mais importante do que o outro. Basta dizer que fez o único das quartas de final contra o País de Gales, três dos cinco contra a França na semifinal e dois dos cinco contra a Suécia na final.

Se não bastasse jogar divinamente, Pelé sempre obteve resultados bem concretos nos gramados. Dois meses antes de completar 22 anos, por exemplo, ela já havia marcado 500 gols, proeza que Romário só atingiu aos 31.Tinha, então, seis anos de profissionalismo.

Aos 29 anos, marcou o milésimo, coisa que ninguém nunca fez com registro em súmula de futebol para valer.

Do Campeonato Paulista o jogador foi artilheiro 11 vezes, nove consecutivamente, com marcas como ter feito 58 gols no Estadual de 1958, um gol para cada ano, provavelmente em homenagem inconsciente à temporada da conquista da primeira Copa do Mundo pelo futebol brasileiro. Não satisfeito, num mesmo ano, em 1961, Pelé marcou 111 gols.

E cada um mais bonito do que o outro, de pé direito, esquerdo, de cabeça, de peito, de barriga, de carrinho, de peixinho, de bicicleta, de falta, de pênalti, de perto, de longe, de muito longe, menos do meio de campo porque, se fizesse, alguém diria que ele foi perfeito, e perfeito, como se sabe, só ELE, embora tivesse quem o tratasse apenas assim, chamando-o de ELE -e é preciso dizer que não se tratava de nenhum exagero.

Não foi à toa que o escritor Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) um dia escreveu que “difícil não é fazer mil gols como Pelé; difícil é fazer um gol como Pelé”.

Mais: até os gols que ele perdeu foram os gols perdidos mais bonitos de todos os tempos.

Pelé foi tão excepcional que foi capaz de ter traços simplesmente humanos. Como o de confessar que suas pernas tremeram antes de bater o pênalti que redundou no milésimo gol, em 1969, no Maracanã -e só poderia ser de pênalti, para que o mundo parasse para ver.

E que chorou de nervoso, escondido, antes de disputar sua partida derradeira em Copas do Mundo, a de 1970, no México, contra a Itália, quando fez o primeiro gol da vitória por 4 a 1 -a que valeu o tricampeonato e a posse definitiva da taça Jules Rimet.

A bem da verdade não há obituário que dê conta de todas as façanhas do Rei Pelé, certamente o brasileiro mais conhecido nestes 522 anos de História do Brasil e um dos nomes mais conhecidos da história da humanidade, que rivalizou com o de Jesus e ganhou de marcas como a Coca-Cola e os Beatles.

Felizmente ninguém poderá dizer que é lenda que ele parou guerras –há quem tente contestar–, que entrou nos Estados Unidos sem passaporte, fez papas interromperem audiências para recebê-lo ou que expulsou um juiz de campo. Porque está tudo devidamente documentado.

Como é de se lamentar que, neste ponto, seja obrigatório informar a quem veio até aqui que não, não é verdade que Pelé tenha morrido.

Quem morreu foi o Edson.

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