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“Mortalidade e custo com saúde é maior com pó preto”

Cileia calcula que um paciente com doença agravada pelo pó preto pode gastar aproximadamente um salário mínimo por mês. Foto:Bruno Lyra

Por Bruno Lyra

Cileia Martins é presidente da Sociedade de Pneumologia do Espírito Santo. Atua como médica no hospital Metropolitano e na rede pública de saúde da Serra. Nesta entrevista ela revela as graves consequências da poluição do ar – notadamente o pó preto das siderúrgicas de Tubarão – na saúde e no bolso dos moradores da Grande Vitória.

Que tipo de problema o pó preto causa ao sistema respiratório?

O problema todo está na deposição das partículas finas e pequenas que a pessoa vai inalando.  E isso vai chegando no pulmão.  E vai juntando até o pulmão do paciente ficar igual a de um fumante.  A consequência é a diminuição da subestrutura pulmonar e irritação dos brônquios.  Com o passar dos anos, se a exposição ao pó for permanente, isso passa a ser como um enfisema pulmonar.

Sinusite, asmas, bronquite podem se agravar com esse tipo de poluição vinda das pilhas de minério de ferro e carvão da Vale e Arcelor?

Com certeza. Nós sabemos que todo asmático é rinítico. Então ele vai ter a irritação do nariz que vai levar à bronquite. Aumentando a rinite, diminuiu a capacidade de limpeza do nariz, facilitando a crise de sinusite. Dependendo da imunidade do paciente o quadro pode evoluir para uma pneumonia.

Na Grande Vitória já existe algum estudo que mostra um aumento desses problemas, comparando com outras cidades urbanas semelhantes?

Aqui é como São Paulo, que também tem uma incidência muito grande de indústrias.  Nós temos a presença de indústrias bem próximas da população. E isso então favorece o desenvolvimento dessas doenças. Têm estudos que mostram que em Vitória há esse aumento por causa dessa situação.

Dá para mensurar o custo na saúde pública?

Creio que seja uma despesa muito intensa. Se você for ao pronto-socorro de uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), verá grande quantidade de crianças e idosos que são as idades mais vulneráveis. Realmente o gasto é muito grande, se tivesse um trabalho bem feito para diminuir o pó, com certeza haveria uma diminuição dos gastos e de problemas alérgicos. Até mesmo a CPI do pó preto entrou em contato para poder pegar ideias para resolver os problemas.

Qual é o custo para cada paciente em crise que sofre com doenças crônicas agravadas pelo pó preto? 

Se o paciente tiver um tratamento constante, ele precisa de antibiótico, tratamento à base de cortisol. Nesse caso o gasto pode beirar um salário mínimo por mês. Só de antibiótico que prescrevemos, o custo é entre R$200 e R$300. E as medicações inalatórias, se ele usa mensalmente, tem um gasto de R$ 70 a R$ 100. Somando tudo pode chegar a R$ 500, R$ 600. Se você mantiver esses valores com pessoas que ganham um salário mínimo, elas estão perdidas.

Você acredita que essa CPI do Pó Preto na Assembléia Legislativa vai dar algum resultado prático?

Espero que sim, pois é uma coisa muito importante. Com uma mudança do clima com menos chuva, o calor está aumentando e com isso temos um maior nível de poluição. A situação está ficando muito ruim.

O clima está cada vez mais quente e as pessoas estão mais tempo no ar condicionando. Qual é a consequência disso?

O ar resfria. Nossa estrutura nasal e pulmonar tem cabelinhos, como se fossem cílios, e isso funciona como filtro. Porém quando se está no ar condicionado os pelinhos congelam frequentemente e você vai aspirar ar impuro. Para evitar isso é preciso umidificar o ambiente e limpar o ar condicionado com frequência, já que no filtro do aparelho ficam bactérias, fungos e outros poluentes. Ainda mais com a poluição da Grande Vitória. Se não limpar, ele fica mais sujo e poluído do que o ar do ambiente externo.

Dá para medir a quantidade de mortes em decorrência dos problemas respiratórios agravados pelo pó preto?

Ainda não há estudos com esses números na Grande Vitória, mas seria importante fazê-los. Quando um paciente tem um agravamento do quadro de asma e evolui para pneumonia, é muito possível que vá para UTI. Nas UTI’s há muita gente assim e a mortalidade é maior quando se tem um ambiente mais poluído.
Turfas: por que gerou tanto caso de problemas respiratórios?

Nós já temos um ar muito poluído, a fumaça com monóxido de carbono e enxofre agravou. Essa é mesma composição da queima do cigarro e dos escapamentos dos carros. Na Serra aumentou o número de pessoas procurando os postos de saúde. Entre idosos e crianças aumentou de 20% a 30%. E afetou às pessoas mais carentes que não tem condições de tratamentos normais, os de uma crise muito menos. Essas pessoas não podem comprar bons remédios, e quando vão ao hospital em situação de urgência elas vão são medicadas, mas não seguem tratamento. Com isso logo voltam até chegar em um quadro grave. O índice de doenças respiratórias severas tem aumentado muito.

A falta de cuidado com o meio ambiente está piorando a saúde pública?

Com certeza. Se não trabalhar para plantar mais árvores e melhorar o ar que a gente respira, vai continuar piorando. Pessoas que não tinham problemas alérgicos começaram a desenvolver. Conjuntivite química, alergias na pele e problemas respiratórios.

A senhora vê alguma solução a curto prazo?

Acho que já estamos começando, como as passeatas da população em Camburi. Agora temos a CPI do pó preto. O governo não deve permitir que as empresas sujas sigam se instalando e expandindo de qualquer jeito. A população está vendo isso e o governo tem de cuidar mais desse problema.

Como proteger a casa de tanta sujeira?

Não ter carpete e cortina, por que são acumuladores de pó. Evitar ficar guardando caixas. Passar um pano úmido antes de varrer a casa. Manter o ar condicionado e ventilador sempre limpos. Ter uma alimentação mais sadia, evitando os corantes, principalmente para idosos e crianças que precisam de controle permanente.

Mari Nascimento

Mari Nascimento é repórter do Tempo Novo há 18 anos. Atualmente, a jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a de Política.

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