O caso envolvendo a operação parlamentar no Sine da Serra chegou às mãos da Procuradora-Geral de Justiça, Luciana Gomes Ferreira de Andrade. Ela será a encarregada de dar os próximos passos em relação às denúncias de supostos crimes cometidos por três vereadores e um deputado estadual, particularmente no que diz respeito aos indícios de abuso de autoridade.
O episódio eclodiu na sexta-feira, dia 17, quando os vereadores Anderson Muniz, Darcy Júnior e Prof. Arthur, juntamente com o deputado Pablo Muribeca, adentraram o Sine, alegando irregularidades no direcionamento de vagas de emprego. Eles deram voz de prisão ao secretário adjunto de Trabalho, Emprego e Renda, Renato Ribeiro, sem autorização judicial, flagrante ou provas concretas, além de apreenderem um celular institucional da repartição sem autorização legal.
Os parlamentares alegaram que uma servidora foi a denunciante, a qual também foi levada à delegacia, mas se recusou a prestar esclarecimentos. Horas depois, o secretário adjunto, que é adversário político do grupo de Muribeca, foi liberado pela Polícia Civil, que justificou a ausência de provas. O episódio foi gravado e divulgado nas redes sociais dos vereadores e do deputado, que promoveram a espetacularização da prisão de seu adversário político, executada por um policial militar amigo pessoal de Pablo Muribeca. Desde então, o caso tem dominado as conversas políticas na Serra, e um procedimento de investigação foi iniciado na Câmara da Serra na última segunda-feira (27) para apurar se a voz de prisão teve motivação política.
Em nota, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informou que o Gabinete da Procuradoria-Geral de Justiça recebeu uma representação do município da Serra contra três vereadores, sobre a suposta ocorrência de crimes, especialmente abuso de autoridade. A nota também menciona a participação do deputado estadual Pablo Muribeca no episódio, razão pela qual o caso foi encaminhado à Procuradoria-Geral de Justiça, órgão com competência constitucional para investigar deputados estaduais na esfera criminal. “Assim, a manifestação enviada pelo município será analisada, para posterior deliberação e adoção das providências cabíveis”, concluiu a nota.
Ainda não está claro se a Procuradora-Geral irá desmembrar o processo, encaminhando a parte referente aos vereadores de volta ao Ministério Público da Serra, ou se optará por manter um único processo para conduzir a investigação do caso. É importante citar que, sendo deputado, Muribeca possui foro privilegiado, o que não se estende aos vereadores.
No Brasil, o crime de abuso de autoridade, conforme regulamentado pela Lei nº 13.869/2019, tem implicações abrangentes, que incluem penalidades legais e consequências sociais e administrativas. A lei caracteriza o abuso de autoridade como atos realizados por agentes públicos, no exercício de suas funções ou sob a alegação de exercê-las, que prejudiquem alguém, beneficiem a si próprios ou a terceiros, ou violem direitos fundamentais. Neste caso, a voz de prisão sem flagrante e/ou autorização legal, dada a um opositor político e executada por um policial aliado dos autores da voz de prisão, pode ser enquadrada nessa definição se assim o órgão entender.
As sanções para tais atos, se consideradas procedentes, podem variar de detenção de seis meses a quatro anos, multas, proibição de exercer funções públicas por um período determinado e indenização à vítima por danos morais e materiais.
Os agentes públicos também enfrentam consequências administrativas, que vão desde a suspensão até a perda do cargo público, além de outras sanções disciplinares estabelecidas pelas normas do órgão ou instituição a que pertencem, neste caso, a Câmara da Serra e a Assembleia Legislativa. Informações de bastidores indicam que, embora o caso tenha causado desconforto entre alguns deputados estaduais, não deve avançar no colegiado de deputados. Contudo, a situação é diferente na Câmara da Serra, onde as denúncias de excessos e abusos foram admitidas e uma comissão processante foi instaurada. A votação pela abertura das investigações recebeu 13 votos favoráveis e 7 contrários, o que aponta a insatisfação dos parlamentares com a ação dos colegas.
Há também o risco de implicações reputacionais, especialmente se for comprovado durante o curso das investigações que a operação parlamentar foi ilegal e caracterizada por abuso de autoridade. Neste cenário hipotético, a vítima, o secretário adjunto Renato Ribeiro, poderia alegar danos à sua credibilidade e à confiança pública, uma vez que a ação foi filmada e divulgada nas redes sociais.
Em relação ao policial que cumpriu a ordem de prisão emitida pelo deputado e solicitou que Ribeiro entrasse na viatura policial para ser conduzido à delegacia, a Corregedoria da Polícia Militar está investigando o caso, mas ainda não divulgou um parecer oficial. No entanto, informações indicam que, dias após o incidente, foi distribuído um comunicado entre as companhias de polícia da Serra. Esse informativo orientava a tropa a informar o Comandante do Policiamento da Unidade (CPU) em ocorrências envolvendo vereadores ou deputados. Além disso, recomendava que os policiais se limitassem a relatar os fatos e as alegações das partes envolvidas, finalizando a ocorrência no local e orientando as partes a buscarem as vias judiciais adequadas ou a registrarem o ocorrido na Delegacia Regional.
Na legislatura anterior, alguns vereadores também enfrentaram processos judiciais, levando ao afastamento cautelar de seus mandatos para permitir o avanço das investigações. Durante esse período, eles perderam o direito de exercer suas funções, mas mantiveram o recebimento de seus salários, apesar de não estarem atuando na vereança. Como consequência, seus assessores foram exonerados e os suplentes imediatos convocados. Esta jurisprudência, embora aplicada sob diferentes circunstâncias na época, pode servir de referência para situações semelhantes, mesmo que a possibilidade de afastamento cautelar na atual legislatura ainda seja uma incerteza.
O cenário político na Serra continua agitado em torno deste assunto. Na última terça-feira (28), os três parlamentares envolvidos no episódio recente divulgaram uma nota conjunta visando amenizar as tensões. Nela, os vereadores Anderson Muniz (Podemos), Darcy Júnior (Patriota) e Professor Arthur (Solidariedade) declararam encarar com naturalidade a abertura da investigação na Câmara Municipal da Serra. Eles expressaram sua convicção de não terem ultrapassado os limites de suas prerrogativas constitucionais e reafirmaram o compromisso de continuar trabalhando em defesa da população.
Os parlamentares também manifestaram total confiança nas instituições, como o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, o Poder Judiciário e a própria Câmara da Serra, declarando que aguardarão de forma republicana os trabalhos da comissão legislativa. Esse posicionamento contrasta com as declarações feitas na sessão ordinária que admitiu as denúncias, ocorrida um dia antes, onde acusaram em tom aspero o Poder Executivo de interferência política para cassar seus mandatos e defenderam veementemente a operação que desencadeou toda a contenda.
Quanto ao mérito da ação dos vereadores, existe uma denúncia no Ministério Público sobre um alegado grupo de servidores que estaria encaminhando currículos de trabalhadores à margem do sistema do Sine. Contudo, o processo ainda está em fase inicial de investigação e, até o momento, o Ministério Público não se pronunciou a respeito. Os vereadores e o deputado apresentaram capturas de tela de conversas em aplicativos de mensagens, onde uma pessoa afirma ter enviado currículos para uma empresa específica a pedido de Renato Ribeiro. Outra alegação dos parlamentares é a existência de uma denunciante, uma servidora pública efetiva, que, entretanto, optou por não prestar depoimento na delegacia.
A robustez ou fragilidade dessas alegadas provas será um item para avaliar as implicações legais da operação denominada ‘Operação Peixada’ pelos envolvidos. Tanto a Procuradoria Geral do Município quanto a defesa de Renato Ribeiro, representada pelo advogado Homero Mafra, argumentam que a ação teve um caráter policialesco e eleitoreiro. Isso se deve ao fato de Muribeca ser pré-candidato a prefeito da Serra em 2024 e Renato Ribeiro ser um adversário político no bairro Barcelona do vereador Professor Arthur, aliado de Pablo e participante da ação.
Os vereadores afirmam ter a prerrogativa legal de fiscalizar o Poder Executivo, embora tal direito constitucional esteja sujeito às regras e normas da legislação vigente. Assim como o Executivo não pode agir arbitrariamente e o Judiciário deve seguir os ritos legais, os parlamentares também estão restritos em suas ações de fiscalização para evitar atos abusivos ou exagerados que possam violar direitos fundamentais e causar danos morais e à reputação, especialmente em meio a interesses político-eleitorais. E essa situação é exatamente o objeto de investigação tanto no âmbito administrativo da Câmara da Serra quanto no campo criminal, por meio do Ministério Público.
O estado de agitação política na Serra provavelmente se intensificará nos próximos dias, à medida que a comissão de investigação estabelecida na Câmara Municipal começar a atuar de forma mais efetiva. Esta comissão está encarregada de reunir informações, convocar testemunhas, avaliar provas e alegações, com o objetivo de elaborar um parecer detalhado sobre o caso. Se o resultado deste parecer for desfavorável aos vereadores envolvidos, ele precisará ser submetido à aprovação do plenário da Câmara. Em caso de aprovação desse parecer contrário aos vereadores, eles poderão ser afastados de seus cargos.