Segundo o site de notícias G1, “Uma mulher acabou algemada na porta de uma agência bancária por desobedecer em duas ocasiões o decreto municipal que ordena distância mínima de 1,5 metro entre pessoas que estiverem em filas, em Caldas Novas, no sul goiano. A ordem de distanciamento tem o objetivo de evitar a contaminação pelo coronavírus.”
Este caso ocorrido no sul goiano provoca várias reflexões nos campos do Direito Penal e Constitucional, pois como já fora mencionado em artigo anterior, “Direito Constitucional em tempos de Coronavírus (COVID-19)”, a supressão de direitos e garantias constitucionais só pode ocorrer em caso extraordinário, respeitados os princípios da necessidade e da temporariedade, devidamente justificados, cabendo exclusivamente ao Presidente da República ouvindo o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, com a devida autorização do Congresso Nacional, a decretação do estado de sítio.
Assim, várias foram as ilegalidades perpetradas no caso em análise (sempre deixando claro que se trabalha com o que foi noticiado), a começar com a flagrante incompetência do executivo municipal em estabelecer, por decreto, qual a distância uma pessoa deve ficar da outra, as relações interpessoais privadas, não podem, em um estado democrático de direito, ser matéria de interesse da administração pública.
Além disso, existindo tal decreto, ele não gera fato típico, ilícito e culpável, em outras palavras, não cria crime. Portanto, mesmo que a senhora em questão tenha “desobedecido” determinação do decreto municipal, ela não cometeu crime ou contravenção alguma, e sua “prisão” foi manifestamente ilegal.
Em consequência, já que o decreto municipal não é instrumento legal capaz de criar tipo penal, e nem é capaz de determinar qual comportamento social pode ou não ser adotado por um cidadão que não guarda qualquer vinculo funcional ou de subordinação com a administração pública, por mais legítima que fosse a preocupação com a saúde pública, não poderia ter como desfecho uma restrição de liberdade, menos ainda com uso de algemas (vide súmula vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal – STF).
Segundo nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º inciso LXI, “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”.
Por sua vez, segundo o artigo 302 do Código penal: Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
Logo, fica evidente que a senhora em questão não estava em flagrante delito, menos ainda se estava cumprindo ordem de autoridade judiciária, e não se tratava, por óbvio, de um caso de transgressão ou crime militar.
Então porque foi adotada medida tão excepcional de supressão da liberdade de uma senhora visivelmente assustada e frágil, em prol de um conceito abstrato de defesa da saúde pública?
A resposta só pode ser medo, puro e simples medo, talvez justificado, talvez não, mas com certeza se está vivendo tempos estranhos, onde a liberdade está sendo suprimida sem contestação, sem reprovação social. O medo tem a incrível capacidade de embotar a liberdade.
“Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.”
Benjamin Franklin
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