Historicamente, o movimento comunitário na Serra sempre foi uma das forças motrizes da política local. Em geral, os líderes de bairros funcionam como a primeira linha de contato entre as demandas dos moradores e os poderes constituídos. É nesse contexto que muitos deles tentam dar um passo a mais na carreira pública, buscando cargos político-eletivos, especialmente o de vereador.
Na eleição deste ano, a população demonstrou que reconhece e valoriza essa atividade. Prova disso é que quatro líderes comunitários foram eleitos para exercer a vereança. Ou seja, mais de 10% da Câmara da Serra será formada por líderes comunitários que ganharam destaque atuando em seus bairros e regiões. Esses novos eleitos se somam a outros vereadores reeleitos que, no passado, também conquistaram seus mandatos por meio da atuação comunitária.
Entre os novos vereadores que assumirão a partir de 2024, está o líder comunitário de José de Anchieta, Rafael Estrela do Mar, eleito pelo PSDB. Aos 37 anos, Rafael conquistou 4.409 votos. Leandro Ferraço, também eleito pelo PSDB, é outro líder comunitário que ganhou o reconhecimento do eleitorado por sua dedicação à comunidade do bairro Conjunto Carapina I. Aos 39 anos, Leandro foi eleito com 3.606 votos.
Na sequência, temos Henrique Lima, filiado ao partido Podemos. Aos 34 anos, o jovem é líder comunitário do segundo bairro mais populoso da Serra, Feu Rosa, e foi eleito com 3.071 votos. Por fim, entre os novatos está George Guanabara, também do Podemos. Com 42 anos, George é o líder comunitário do bairro mais populoso da Serra, Colina de Laranjeiras, e foi eleito com 2.923 votos, tornando-se um dos 23 vereadores da nova legislatura, que se iniciará em 2025.
A Serra é uma das cidades com maior atividade comunitária, um processo cultural desenvolvido ao longo da ocupação urbana. Especialmente a partir da década de 1980, as comunidades serranas cresceram intensamente devido ao aprofundamento da migração populacional, atraída pela implantação da CST. As comunidades enfrentaram uma brutal vulnerabilidade, desde a falta de infraestrutura básica até a escassez de serviços públicos, já que a Prefeitura não estava preparada para absorver tamanha demanda.
Foi nesse contexto que os líderes comunitários se tornaram fundamentais para a organização institucional das regiões e a defesa de suas reivindicações junto aos poderes municipal e estadual. Inicialmente, as demandas eram por energia elétrica, redes de abastecimento e esgoto, calçamento de ruas, construção de escolas e unidades de saúde, além da regularização fundiária e segurança urbana. A partir desse momento de efervescência social, não só os bairros se institucionalizaram, como também se organizaram mutuamente, criando instituições como a Federação das Associações dos Moradores da Serra (FAMS). Essa federação foi pioneira em pautas importantes, como a abertura do Hospital Dório Silva no final da década de 1980.
Toda essa importância histórica reflete um traço cultural do eleitor da Serra, que tende a votar no líder comunitário do seu bairro. Feu Rosa, sempre muito populoso, historicamente teve dificuldade em eleger vereadores com base eleitoral local, devido à sua grande fragmentação. Após anos, o candidato Henrique Lima conseguiu romper essa barreira e trazer uma representação centralizada em Feu Rosa.
George Guanabara também representa uma novidade. O Censo Demográfico de 2022 do IBGE revelou uma mudança significativa no processo de ocupação urbana: pela primeira vez, um bairro que cresceu por meio de ocupação regular de terra, Colina de Laranjeiras, lidera o índice populacional. Essa mudança é emblemática, pois, até então, as comunidades periféricas formadas por invasões de terra predominavam. Com o amadurecimento e maior controle do poder público sobre o fenômeno de ocupação irregular, a Serra testemunha um de seus bairros alcançar o topo do ranking populacional através da atividade imobiliária organizada.
Agora, esse processo amadurecido se reflete também na política, com a eleição de George Guanabara, que dedicou grande esforço à atuação política de base comunitária. É a primeira vez que Colina de Laranjeiras tem um vereador de reduto.
Rafael Estrela do Mar e Leandro Ferraço vêm de comunidades com histórico de eleger vereadores — e não é por acaso. O Bairro de Fátima, de onde Ferraço é oriundo, foi criado justamente por meio daquilo que hoje se conhece como atuação comunitária. Nos anos 1950, o português Henrique Rato loteou o Bairro de Fátima e, através de seu esforço pessoal, o local foi se transformando e atraindo investimentos. Já José de Anchieta, bairro que deu a Rafael Estrela do Mar seu novo mandato de vereador, está entre as comunidades que mais demandam serviços públicos e tem a tradição de votar em representantes locais.
Nenhum dos quatro vereadores eleitos deve atuar apenas em suas bases eleitorais, pois, evidentemente, representam a totalidade da população da Serra. No entanto, após anos, o Movimento Popular tem nas mãos uma chance de se reorganizar por meio do trabalho conjunto de uma espécie de “bancada”.
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