Janeiro e fevereiro foram marcados por um período agudo em que a água distribuída pela Cesan chegou às torneiras da população em altos níveis de turbidez. Desde então muitos leitores do Jornal Tempo Novo reportaram casos em que sofreram de mal estar estomacal e gastroenterite, popularmente conhecida por diarreia. Dados obtidos pela Secretaria de Saúde da Prefeitura da Serra, através da assessoria de comunicação, confirmaram que de fato houve um aumento expressivo.
Segundo informou a Prefeitura, a pedido da reportagem, em janeiro de 2022, foram registrados 148 casos de gastroenterite, nas Unidades de Saúde da Serra. Nesse mesmo período em 2023, foram 352. Ou seja, trata-se de um crescimento de 137% exatamente no período em que a água fornecida pela Cesan apresentou coloração e foi distribuída a várias regiões da cidade. Vale ressaltar também, que apesar dos números totais não serem altos, porém, na maioria dos casos, a diarreia é um mal tratável em casa, portanto, é muito comum a subnotificação.
O que tem de fato é o alto crescimento percentual por atendimento de saúde para pacientes de gastroenterite. A Prefeitura não se posicionou a respeito dos possíveis motivos pelos quais isso teria ocorrido, mas a associação com a água da Cesan é muito constante nas redes sociais.
Vários leitores chegaram a relatar “surtos” de diarreia em suas respectivas comunidades. Na semana passada, o vereador da Serra, Darcy Júnior afirmou na tribuna da Câmara da Serra que esteve em contato com médicos da rede municipal da Serra, e estes teriam confirmado a ele o aumento de pacientes com doenças provenientes do consumo da água. No microfone ele afirmou que a causa é a água da Cesan.
Darcy afirmou que o problema de abastecimento atingiu a saúde pública e cobrou um posicionamento do governador, que não emitiu nenhuma declaração. O problema de distribuição de água turva é frequente na cidade, ocorre há alguns anos e atinge em especial as comunidades da macrorregião de Serra Sede, que é abastecida pela estação de tratamento de Reis Magos. Porém, neste início de ano todas as regiões da cidade registraram o fornecimento de água em níveis de turbidez que variaram de amarelada para marrom escuro.
Nos primeiros dias de fevereiro, a Cesan informou ao Jornal Tempo Novo que a água “não fazia mal” e que os moradores deveriam “limpar as caixas d’água”. Com a repercussão negativa, a empresa recuou e orientou aos consumidores que a água com coloração fosse descartada, além disso, abriu um canal de atendimento para que moradores pudessem solicitar ressarcimentos decorrentes da compra de água por carros pipa e da limpeza do reservatório (caixa d’água).
Há alguns dias a situação deixou de ser tão aguda; eventualmente moradores da Serra ainda mandam fotos, vídeos e relatos de casos em que a água chegou com turbidez, no entanto, o problema no âmbito geral parece ter sido sanado. Até porque, tal problema nunca deixou de ocorrer nos últimos anos, é crônico, mas com fases mais agudas. Diante da abrangência e da duração desse período em que água em condições duvidosas foi fornecida pela empresa, que afetou milhares de serranos, não é difícil associar o aumento de 137% de pacientes que deram entrada nas unidades da Prefeitura com registro médico de gastroenterite.
Agência estadual afirma que está investigando o caso e cita relatórios preocupantes de 2021 e 2022
A reportagem do Tempo Novo foi em busca de respostas junto a ARSP (Agência de Regulação de Serviços Públicos do ES). Em uma nota assinada por Odylea Oliveira de Tassis, Diretora de Saneamento Básico e Infraestrutura Viária, a agência afirmou que vai investigar o caso e citou um relatório produzido com base em testes de 2021 e 2022 do qual foram constatadas várias irregularidades.
O documento diz que: “em relação ao episódio citado, que afeta os usuários da Serra, informamos que foi iniciado novo procedimento de fiscalização específica, no qual serão analisados os episódios de turbidez, cor, cloro residual livre, coliformes totais e Escherichia Coli, sendo apurada a conduta e responsabilidade da Companhia Espírito Santense de Saneamento no caso em tela”, ou seja, a agência ainda deve emitir algum documento oficial do qual irá atestar a qualidade da água da Cesan e consequentemente os impactos à população, entre eles problemas relacionados à saúde pública.
A agência afirmou também que como resultado de fiscalizações específicas realizadas em 2021 e 2022, a Cesan foi autuada com a penalidade de multa em razão “do não atingimento do padrão de turbidez na saída da filtração”. O Jornal Tempo Novo buscou o documento, e nele, a Agência revela que em todas as estações de tratamento da Cesan (ETA Carapina, ETA Reis Magos e ETA Santa Maria) foram encontradas irregularidades e amostras fora do padrão de potabilidade. Além de problemas relacionados à turbidez, cor e cloro, o documento atesta que em vários meses entre os anos de 2021 e 2022 foram encontrados quantidades acima do limite de Coliformes Totais e Escherichia Coli, que são bactérias presentes no intestino e nas fezes de animais de sangue quente e são considerados uma indicação mais precisa de contaminação fecal de animais e humanos na água que consumimos.
Outro ponto que corrobora para relacionar a água da Cesan com o vertiginoso aumento de doenças intestinais neste início de 2023 é que nos mesmos anos citados acima, 2021 e 2022, os resultados produzidos mostraram que em vários meses na água da Cesan foi “encontrado substâncias químicas que representam risco à saúde”. O ultimo mês avaliado foi outubro de 2022, que é, portanto, o recorte mais próximo das ocorrências registradas neste início de 2023.