Dados recém-publicados no Portal da Transparência da Prefeitura da Serra apontam que ex-servidores comissionados receberam uma ‘bolada’ a título de rescisão. A ‘lista do milhão’, levantada pelo Jornal TEMPO NOVO, contém 16 pessoas que ocupavam cargos de confiança, nomeados pelo ex-prefeito Audifax Barcelos e que receberam juntas supersalários que atingiram R$ 1.001.519,00.
O montante foi pago antecipadamente, já que normalmente quem é o responsável por custear folhas salariais suplementares na transição de uma gestão para a outra, é o prefeito que entra, nesse caso, Sérgio Vidigal, eleito em 2020. Entretanto, Audifax resolveu arcar com esse custo.
Apesar dos dados serem públicos, especialmente após o advento da Lei nº 12.527/11, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), que foi regulamentada pelo Decreto nº 7.724/12 e pela Resolução nº 151/12, do Conselho Nacional de Justiça, do qual preveem a divulgação da remuneração dos servidores públicos, o Jornal TEMPO NOVO optou por não citar nominalmente nenhuma das 16 pessoas da ‘lista do milhão’. Quem quiser detalhar, basta acessar o Portal da Transparência, filtras as buscas pelo ano e mês e ordenar a remuneração por crescente ou decrescente.
Os servidores receberam valores que variam de R$ 169 mil a R$ 35 mil de remuneração bruta. Com exceção de um, em todos os outros 15 casos, o que mais pesou para o bolso do contribuinte foi o acúmulo das férias vencidas dos ex-servidores. O único dos 16 da qual o fato não se aplica, teve seus vencimentos elevados em R$ 104.995,26 com ‘indenizações’. No entanto, o Portal não traz detalhes do que seriam necessariamente tais indenizações. Ao todo, esse servidor sozinho recebeu R$ 136 mil.
Em todas as 16 situações, os ex-servidores eram comissionados, ou seja, aqueles de livre escolha, nomeação e exoneração do chefe do poder em questão, nesse caso, o ex-prefeito da Serra, Audifax Barcelos. A princípio, não há nenhuma irregularidade com o pagamento desses supersalários, já que são direitos conquistados como as férias, e estão previstos na legislação, como produtividade, gratificações e adicionais de representação, por exemplo.
No entanto, o fato de – em princípio – não se tratar de pagamentos ilegais, não deixa de ser uma notícia relevante, já que estamos em um ano de pandemia, do qual milhares de trabalhadores perderam seus empregos; dependem de auxílios emergenciais considerados baixos; e outros tantos empreendedores e comerciantes foram impedidos de abrir seus negócios, impactando diretamente sua renda familiar.
Esse montante de R$ 1.001.519,00 na prática é ainda maior, já que tais valores dizem respeito apenas à folha de dezembro, sem somar o 13º que é computado separadamente no Portal da Transparência.
Entre os 16 ex-servidores que tiveram os vencimentos levantados pelo TN, 10 deles ocupavam cargos de nível máximo, os chamados CC1, com vencimentos de R$ 11 mil. Eles se somam a mais um ex-ocupante de cargo nível CC2, com remuneração de aproximadamente R$ 6 mil. Por fim, 5 ex-servidores completam a ‘lista do milhão’; eles lotavam cargos de nível CC3 que tem remuneração mensal de R$ 4.3 mil, mas saíram da Prefeitura recebendo supersalários que variaram de R$ 35 mil a R$ 39 mil.
Em dezembro de 2020, o Portal da Transparência listava 10.126 servidores (dos quais alguns estão em duplicata referente aos profissionais da educação que trabalham em duas unidades de ensino). Desse total, a Prefeitura da Serra pagou vencimentos brutos de R$ 39.740.096,06, ou seja, a lista do milhão, que representa apenas 0,15% dos 10.126 servidores listados, significou 2,5% do total da folha de pagamento da Prefeitura da Serra.
Mesmo se tratando de um fato reportado à gestão passada, a reportagem procurou a Prefeitura da Serra para avaliar a situação. Por meio de nota o município disse que a Prefeitura da Serra já solicitou uma auditoria na folha de pagamento e os casos serão apurados.
Audifax diz que pagamentos foram legais
A reportagem procurou o ex-prefeito Audifax Barcelos, já que os pagamentos foram feitos no fim de sua gestão e se referem a cargos comissionados escolhidos por ele. Publicamos abaixo nota na íntegra:
“Todos os pagamentos foram feitos dentro da lei e da ética. São direitos trabalhistas legais que a gestão, na época, providenciou para não deixar nenhum impacto financeiro para a gestão em 2021, cumprindo a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Os valores são referentes às indenizações e direitos dos serviços prestados pelos próprios servidores, como por exemplo, pagamento de férias vencidas, licença-maternidade, entre outros. Todos os cálculos foram feitos com ética e transparência e estavam dentro das regras previstas em lei”.
Supersalários relembra os marajás na Serra
Durante a legislatura de 1989 a 1992, os vereadores da época foram responsáveis pela confecção da Lei Orgânica do Município, que são o conjunto de normas que regulam a vida na cidade, em consonância com a Constituição Federal e Estadual. Na época, os vereadores incluíram um artigo que orientava o modelo de pagamento de salários a servidores que ocupavam cargo em comissão.
Na prática os servidores poderiam ser nomeados para outros cargos, mas somavam de forma escalonada todos os vencimentos dos cargos que eles já tinham ocupado. Hoje em dia, é por substituição, o servidor recebe salário daquela função para qual foi nomeado; no passado, a regra era a somatória. Isso gerou um seleto grupo de servidores que passaram a receber altíssimos salários, já que ao longo da trajetória, teriam ocupado funções diversas na Prefeitura; eles ficaram conhecidos como os marajás.
Ao assumir a Prefeitura da Serra, o ex-prefeito João Batista da Motta tentou derrubar na Câmara, o trecho da Lei Orgânica que criou os marajás. No entanto não obteve êxito, já que esse grupo de servidores detinha forte influência política na Câmara e na Prefeitura, e alguns deles chegaram a se eleger vereadores.
Foi em 1996 após muita pressão por parte da opinião pública, o ex-prefeito Motta conseguiu aprovar na Câmara uma lei que limitava os pagamentos de remuneração, estabelecendo um teto salarial. Em 1997, ao assumir a Prefeitura da Serra pela 1º vez, Sérgio Vidigal criou e aprovou na Câmara, uma normativa ainda mais restritiva, enterrando de vez os antigos marajás da Serra.
O caso de hoje, guarda pouca semelhança estrutural com os marajás dos anos 90, já que foram pagos supersalários pontualmente e se referem em sua maioria a direitos adquiridos, mas não deixa de figurar na memória daqueles que conhecem esse capítulo da história da Serra, até porque não é todo dia que 16 pessoas recebem mais de R$ 1 milhão em salários em meio a pandemia e a quebradeira fiscal.