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O bairro da Serra leiloado com os moradores dentro: a luta histórica de Chico City chega aos capítulos finais

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A esquerda a vila de Chico City, que pertence oficialmente ao bairro de Colina de Laranjeiras. A direita os condomínios da MRV, que comprou a maior parte da Massa Falida da antiga Atlantic Venner do Brasil. Foto: Google Earth.

Neste ano, uma angústia antiga voltou a preocupar os moradores da pacata vila de Chico City, oficialmente anexa ao bairro Colina de Laranjeiras, na Serra. E esse desassossego tem nome: o risco de perderem suas casas após décadas de moradia. O temor voltou à tona após a entrega de uma carta timbrada pelo escritório de Recuperação Judicial com sede em São Paulo, a EXM Partners Assessoria Empresarial Ltda.

Chico City se autoreconhece como um bairro autônomo, os moradores até pagam IPTU, mas oficialmente é parte de uma confusão judicial que se estende por décadas. Trata-se de um caso muito antigo e complexo, remanescente de uma Serra há muito tempo esquecida, mas que de tempos em tempos acorda da hibernação judicial e reaparece com repercussões sempre desconhecidas e temerárias para seus habitantes (que está explicado abaixo).

Na carta, que já circula há cinco meses, o escritório orienta para que os moradores entrem em contato com a firma para regularização fundiária das casas e cita a possibilidade de reintegração de posse, caso o morador não formalize interesse. São 115 imóveis que totalizam aproximadamente 600 a 700 moradores.

A EXM diz que está interessada na regularização dos imóveis e que a primeira etapa é a identificação dos moradores e a análise de documentos (que está em curso) para então ser elaborado um acordo judicial.

O ponto principal do debate deve partir do preço dos imóveis, uma vez que Chico City sofreu uma forte valorização imobiliária ancorada no crescimento comercial de Colina de Laranjeiras.

A grande parte dos atuais moradores não tem dinheiro para arcar com o valor atual de mercado, que giraria em torno de até R$ 400 mil por unidade habitacional. Por isso a preocupação ganha espaço na vila. Moradores ouvidos pelo TEMPO NOVO, mas que não quiseram se identificar, temem que a tentativa de acordo para regularização fundiária beneficie apenas aqueles que têm condições de pagar, entretanto, para aqueles mais humildes – que são maioria – fica a insegurança sobre a garantia de seu teto.

No dia 20 de setembro, houve uma reunião envolvendo a Defensoria Pública e vários representantes da comunidade e da EXM. Nela, um dos representantes da firma de São Paulo disse que não podem abrir mão da reintegração de posse, em virtude da vedação judicial, por isso, precisam resolver por meio de um acordo a ser homologado judicialmente.

Segundo seus representantes, a intenção da EXM é “entender a situação de cada um desses proprietários; se houve contrato [de compra e venda] e tiver comprovante de pagamento, a intenção da empresa é transferir a propriedade por escritura”.

Haveria uma nova reunião para o dia 25 de outubro desse ano, entretanto a EXM argumenta que foi postergado a pedido do representante da Associação dos Moradores, por isso o caso deve ficar para 2022.

A reportagem falou com o presidente da Associação de Colina de Laranjeiras, George Guanabara. Ele avalia que houve avanços nas negociações e defende que os valores que devem ser pagos pelos moradores para regularizar seus imóveis seja referente a 1998, ano em que a Atlantic Veneer (antiga dona do terreno) encerrou suas atividades na Serra.

“Quase ninguém lá tem dinheiro para pagar valores atuais, pois valorizou muito. Tem pessoas que residem em Chico City há 30 anos e já pagaram por suas casas, por isso, esse deve ser o ponto principal nessa negociação. Queremos regularizar e acabar de vez com esse processo penoso, mas com condições justas”, disse Guanabara.

Procurada, a EXM disse que “as condições de pagamento serão tratadas em comum acordo após análise do caso concreto e do término do levantamento da associação dos moradores” e que “no caso de não haver contrato e não ter sido feito nenhum tipo de pagamento, a empresa deseja oferecer um acordo para quitação desse valor”.

A empresa informou também que quer conversar coletivamente, mas que a análise será feita individualmente, para que seja justa para todos. “No caso de ex-funcionários, seria possível ainda fazer uma compensação com eventual crédito deles na falência”, completou.

Prefeitura acompanha o caso

A reportagem procurou a Prefeitura da Serra para se posicionar sobre o assunto, em nota a Secretaria de Habitação da Serra (Sehab) informou que o município está em contato com a Defensoria Pública do Estado para auxiliar os moradores na elaboração de uma proposta de conciliação junto à empresa [EXM Partners Assessoria Empresarial Ltda]. E orientou o morador notificado a procurar a Sehab para tratar do assunto.

Cronologia, história e importância

Para chegar aos dias de hoje, é preciso voltar ao longínquo ano de 1968, quando em 8 de março a poderosa Atlantic Veneer do Brasil se instalava na Serra. A empresa era uma das gigantes brasileiras no ramo de beneficiamento de madeira e compensados; exportava peças de vários tipos para os Estados Unidos e Europa; no auge tinha mais de 3.800 funcionários.

A Atlanctic Veneer chegou a ser considerada a maior fábrica das Américas na área de lambris e compensados; e a maior do mundo no que se refere a laminados. Beira o irreal pensar que muitas famílias de classe alta norte-americanas reformaram e/ou construíram suas casas/mansões com materiais vindos da Serra nos anos 60-70.

Só para dar uma ordem de grandeza da importância da empresa para o DNA da Serra moderna, em 1960 quando a empresa se instalou, foi o pontapé da fase industrial da cidade.

A Serra possuía uma população de 9.192 habitantes, e a partir desta data, começam os investimentos na região, o que mudaria para sempre a configuração urbana do município; o distrito de Carapina, por exemplo, passaria por um processo de grande desenvolvimento que culminaria nos projetos habitacionais e nos polos industriais, transformando a Serra na mais populosa e industrializada cidade capixaba.

Na prática, antes da Vale, ArcelorMittal, do Civit e do desenho urbano atual, o que tínhamos era o pioneirismo da Atlantic Veneer do Brasil em uma Serra pobre, rural e desabitada que dependia da economia do plantio de abacaxi.

A Atlantic Veneer situou-se às margens da BR-101 norte em uma área de aproximadamente 630 mil m². (onde hoje funciona o Atacadão, Faculdade MultiVix, os conjuntos de condomínios, Chico City e região).

Para abrigar funcionários de diversos escalões, a empresa construiu duas vilas com casas padronizadas. Uma delas, a que ainda está de pé, é conhecida como Chico City e a outra que deixou de existir era Chicópolis, que tinha padrões de casas inferiores. A escolha desses nomes parte de duas teses distintas: 1 – homenagem a um padre, chamado Francisco, popularmente conhecido com Chico que ministrava missas na região.

2 – A outra é inspirada no programa da Rede Globo, lançado em 1973, exatamente chamado ‘Chico City’, estrelado por Chico Anysio, que retratava uma pequena cidade com ares do sertão, habitada por todos os personagens que Anysio criara em sua carreira, onde os acontecimentos do mundo real eram reproduzidos em tom de paródia.

Foto do arquivo do Jornal Tempo Novo mostra Chico City em 1998, quando a Atlantic encerrava suas operações. Naquela época, as casa ainda mantinham o padrão original.

Decadência, Collor e falência

O dono da Atlantic Venner foi um alemão emigrado da América do Norte, chamado Karl Heinz Möehring, conhecido no chão de fábrica como ‘senhor Meira’. Temido, austero, misterioso, mas muito admirado pelo frenesi de trabalho. Em Chicópolis, havia até lendas em torno dele que assustavam filhos de funcionários com histórias de terror para forçar bom comportamento infantil.

Entre as décadas de 70 e 80 a empresa foi uma potência e fez de Karl Heinz Möehring um homem rico. Mas apesar da boa fama, uma constelação de erros definhou a empresa: não recolhia impostos, não fazia repasses previdenciários para os trabalhadores e deixou um rastro de dívidas com a União, os Estados e passivos trabalhistas. Além disso, relatos de acidentes de trabalho eram férteis entre os ex-funcionários.

A empresa comprava madeira de lei extraídas da Mata Atlântica vindos em sua maioria do norte do ES e sul baiano. Entretanto, com o passar dos anos, o maior rigor das leis e a escassez de matéria prima, a extração passou a ser dificultada e empresa entrou em crise, somados a todos os demais problemas de gestão acima citados.

No final dos anos 80, a Atlantic Veneer suspendeu o processo fabril e passou a fazer gestão apenas de seu ativo patrimonial; e ao mesmo tempo investiu em outra planta industrial em Campo Grande, capital do Mato Grosso. Nesse período, quem emergiu para a presidência da empresa foi um de seus diretores, Fridolino Hoffman, de origem alemã emigrado de Santa Catarina para o ES.

Entretanto, as dificuldades permaneceram e se acentuaram com o Plano Collor I em março de 1990, que confiscou dinheiro das poupanças e foi à gota d’água para Atlantic iniciar um processo gradual de encerramento de suas atividades que culminaria no fechamento total em 1998, decretando oficialmente falência somente em 11/07/2005, no processo nº 0015905-38.2004.8.08.0024, em trâmite na Vara de Falência e Recuperação Judicial de Vitória/ES.

Mapa mostra extensão das antigas áreas da Atlantic em Colina de Laranjeiras. Créditos na imagem.

Leilões, angústia e mobilização social

Toda a área de propriedade da Atlantic Veneer (incluindo Chico City) entrou como Massa Falida, que é o acervo de ativos e passivos de bens e interesses do falido, que passam a ser administrados por um ‘síndico’ indicado pela Justiça. Desde 2018, quem é o responsável legal por todo esse ativo é a EXM Partners Assessoria Empresarial Ltda.

Antes disso, os moradores de Chico City ‘comeram um dobrado’ com vai e vem da Justiça em longos e penosos processos de leilão de toda a área da empresa, que também compreende a vila de Chico City. Em meio a protestos e mobilização social, o primeiro leilão ocorreu em março de 2006, compreendia na época os galpões e a vila de Chico City, aproximadamente 400 mil m². O valor na época era de R$ 13,5 milhões, mas não houve comprador (R$ 43,5 milhões em valores corrigidos).

No mês seguinte, um novo leilão ocorreu, com um arrematante, a empresa Porto Seguro Armazéns Gerais, pelo valor de R$ 9,45 milhões (aprox. R$ 30,5 milhões corrigidos). Entretanto, a Justiça cancelou o leilão, já que a empresa não cumpriu o acordo de pagamento.

No final de 2006 um terceiro leilão ocorreu, e uma metalúrgica de São Paulo comprou a área por R$ 15,1 milhões (cerca de R$ 50 milhões em valores corrigidos). Mas o certame também não prosperou e pela 3ª vez os moradores conseguiram salvar suas casas.

Em dezembro de 2008 voltou para leilão, só que dessa vez Chico City ficou de fora. Foi quando a construtora mineira MRV Engenharia arrematou. Posteriormente, vendendo parte das áreas para o Grupo Carrefour, Grupo Multivix, entre outros; além de construir conjuntos habitacionais no local. Existe também a ação de reintegração de posse tramitando desde 2012 e que agora a EXM notifica os moradores para regularização e este deve marcar o capítulo final dessa história que já remonta duas décadas de luta e mobilização social.

Essa reportagem contou com a colaboração de ex-funcionários da antiga Atlantic Veneer e moradores de Chico City, que optaram por não figurarem na matéria. Além disso, teve suporte do acervo do Jornal Tempo Novo que desde 1983 faz cobertura jornalística dos desdobramentos desse caso; outra fonte de informação utilizada, especialmente anterior à década de 80 foi o trabalho de mestrado em Geografia pela UFES, assinado por Rosimery Aliprandi Ribeiro, com o título: FORMAÇÃO SÓCIO-ESPACIAL DA ANTIGA VILA OPERÁRIA DE CHICO CITY, REGIÃO METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA, ESPÍRITO SANTO. Que pode ser lido clicando aqui.

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