Não há dúvidas que o desastre provocado pelo rompimento da barragem da Samarco (Vale + BHP Billiton) gera um grande baque para a economia de Minas Gerais. Mas os mineiros têm boas alternativas, a indústria automobilística, a soja, o leite, o pujante agronegócio do oeste e do triângulo mineiro.
De fato o vale do rio Doce mineiro ficou arrasado. Mas a região já era notadamente uma das mais arruinadas, pelo enorme grau de degradação da bacia do rio antes mesmo do desastre. E boa parte dessa penúria pode ser atribuída a próprio arranjo minero siderúrgico que, a despeito da geração de divisas para os municípios e negócios privados associados, deixa um gigantesco passivo ambiental e social.
E como fica o Espírito Santo nisto? Somos tão dependentes do arranjo minero-siderúrgico quanto o empobrecido vale mineiro do rio Doce. Com a diferença de que em nosso estado não há grandes alternativas econômicas a essa crise no setor, que já vem tendo resultados mais comedidos nos últimos anos, inclusive com o congelamento de projetos importantes, como o da siderúrgica da Vale em Anchieta.
Para além da sinistra perspectiva econômica, há o ainda incalculável desastre ambiental. A pesca no litoral e também o já combalido turismo capixaba, estão recebendo um golpe violento, à medida que a lama de morte chega à foz do rio Doce.
É cruel para os capixabas que um dos pilares de sua jovem economia industrial não consiga ser competente para minimizar os riscos ambientais da atividade. Ao invés de investir parte dos lucros em contrapartidas ambientais e sociais efetivamente proporcionais aos problemas que gera, o arranjo minero – siderúrgico prefere, eleição após eleição, inflar de dinheiro as campanhas de partidos e políticos dos mais variados grupos e matizes ideológicas, garantindo um poder público complacente e generoso com elas.
As décadas de poluição e danos à saúde dos capixabas e agora desastre de Mariana – que pode ficar maior se as outras duas barragens romperem – são emblemáticos.
Papel, peixe e responsabilidade gringa
Uma das gigantes de nossa economia, a Fíbria (antiga Aracruz Celulose), não é do arranjo minero siderúrgico. Mas está sendo duramente atingida pelo desastre de Marina, pois depende da água do rio Doce. Sua fábrica é altamente dependente de água, consome o equivalente a todo demanda residencial, comercial e industrial da Grande Vitória.
Paira sobre a indústria do papel – a Fíbria faz celulose, matéria prima do produto – uma grande dúvida sobre o futuro. O mundo é cada vez mais digital e os recursos naturais mais escassos para a produção. A Fíbria disse que há alternativas, mas não revela quais, para suprir de água sua fábrica em Aracruz.
O fato é que as bacias mais próximas – rio Riacho e Piraquê-Açu são de pequeno porte. Tanto que impeliu a empresa a abrir um canal para trazer água do rio Doce e jogá-la na bacia do Riacho. Se a alternativa forem poços artesianos, terão de ser muitos e com uma extraordinária capacidade de produção. Também é possível a dessalinização das águas do mar. Ou ainda tentar tratar a água lamoso-metálica do rio Doce. No mínimo isso tudo deve encarecer a celulose.
Se a Fíbria ficar combalida, o que será dos mais de 5 mil hectares de terras que possui na Serra – a empresa é dona de quase 10% do território do município, boa parte desse patrimônio no novo eixo de expansão urbana que será aberto pelo Contorno de Jacaraípe. Na outra ponta a decadência da pesca no mar pode abrir oportunidades para a piscicultura continental.
A Vale, dona de 49% da Samarco, vem sendo duramente criticada pelo desastre de Mariana. Está certo. Mas a outra sócia com 51% das ações, a anglo – australiana BHP Billiton, quase não vem sendo citada. O mundo desenvolvido, que há décadas empurrou a indústria suja para os países emergentes, tem que pagar a conta dessa desgraça também.