Fomos surpreendidos na última terça-feira, dia 14 de Abril, com a notícia de que na noite de segunda-feira dia 13, um advogado de 47 anos, manteve refém sua namorada em um condomínio do bairro Castelândia na Serra/ES, uma ocorrência que durou aproximadamente seis horas, aonde todo o tempo o advogado utilizando uma faca, ameaçava a vítima enquanto a agredia.
Graças ao bom trabalho de uma equipe da Companhia Independente de Missões Especiais (CIMEsp), e de um rigoroso protocolo de gerenciamento de crise, a situação foi resolvida através de seus negociadores, sendo o agressor detido sem lesões corporais e encaminhado à autoridade policial competente sem que vidas fossem perdidas.
Mas poderia a equipe de policiais ter utilizado de força, até mesmo força letal (arma de fogo) contra um agressor que “só” estava armado com uma faca? A resposta é sim. Com a introdução do parágrafo único ao artigo 25 do Código Penal Brasileiro (CPB) pela lei 13.964/2019 (lei anticrime), considera-se em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Percebe-se que a introdução do parágrafo único ao artigo 25 do CPB tem como escopo específico dar maior garantia à atuação do agente de segurança pública em ocorrências com tomada de refém, situação que até então ficava entregue ao escrutínio e livre convencimento da autoridade judicial competente, que julgava se o uso da força, principalmente a letal, se encaixava nas hipóteses gerais dos incisos do artigo 23 do CPB, que versa que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Com o parágrafo único dizendo que o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Já o artigo 25 do CPB define que se entende em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Assim, são requisitos essenciais para a caracterização da legítima defesa, que a agressão seja injusta, essa agressão seja atual ou iminente, a reação seja exercida com a utilização dos meios necessários, o uso desses meios seja moderado, e que o sujeito tenha a intenção de defender o bem jurídico e conheça a injustiça da agressão.
Neste sentido, o chamado tiro de comprometimento (popularmente conhecido como sniper), uma das várias alternativas táticas, ficou abrigado pela inovação legislativa do parágrafo único do artigo 25 do CPB, podendo ser utilizado, a juízo do agente de segurança, sempre que preenchidas as condicionantes já mencionadas.
Observa-se que tal inovação legislativa, se encontra em consonância com o direito internacional, principalmente no que concerne à atividade policial. O Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei (Code of Conduct for Law Enforcement Officials), adotado pela ONU desde 1979, prevê que “policiais não devem usar armas contra pessoas, exceto para se defender ou proteger terceiros contra iminente ameaça de morte ou lesão grave, para evitar a perpetração de um crime com grave ameaça à vida, para prender pessoa que represente tal perigo e que resista à autoridade, ou para evitar sua fuga, e apenas quando meios menos extremos forem insuficientes para atingir tais objetivos. Nesses casos, o uso intencional e letal de arma, só poderá ser feito, quando estritamente necessário para proteger a vida”.
Inegável que a preservação da vida, de quem quer que seja, é e deve ser prioridade dos agentes de segurança em todas as suas ações, entretanto, igualmente inegável, que no mundo real, os agentes de segurança têm que tomar decisões difíceis, às vezes em milésimos de segundo, e que precisam de certa legislação especial, que ampare suas ações indispensáveis para a preservação da ordem pública e do estado democrático de direito.