A Serra deu um recado claro nas urnas: chegou a hora de mudar. No entanto, essa mudança precisava dar continuidade ao exitoso ciclo de Audifax Barcelos e Sergio Vidigal. A vitória foi especial para Sergio Vidigal, que captou esse sentimento antes e melhor do que todos, encerrando com “chave de ouro” sua trajetória como o prefeito mais emblemático e longevo da história política da Serra.
Esse recado também serviu de alerta para o grupo de fora da Serra que se aliou ao candidato Pablo Muribeca. Não adianta chegar à cidade com um discurso de terra arrasada — a população não gosta e não concorda. Tentar deslegitimar os avanços das últimas décadas é inútil. Sérgio Vidigal e Audifax Barcelos são queridos pela população, e suas histórias merecem respeito. Quem é esse grupo? Na prática, são os principais opositores do governador Renato Casagrande, como o presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos, e o partido Republicanos, liderado pelo ex-deputado Erick Musso, com o prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, como expoente.
Para entender melhor, é importante relembrar o contexto histórico. No passado, o poder político e econômico de Vitória costumava ditar ordens à Serra. Quando a capital precisava exportar seus problemas, a Serra era o destino escolhido. Exemplos disso são abundantes, mas nenhum é mais significativo do que o processo de industrialização do Espírito Santo. Em 1964, o Porto de Tubarão e a Vale ficaram para Vitória, enquanto conjuntos habitacionais de baixa renda foram alocados na Serra, sustentando o ciclo industrial, mas mantendo a capital endinheirada e “limpa” dos desafios da migração em massa.
Hoje, o cenário é bem diferente. O poder econômico se descentralizou, e essa tendência deve se intensificar. Vitória é a única capital brasileira que não concentra a maior população e a maior economia do estado. Nesse rearranjo capixaba, a Serra se recusa a se submeter aos interesses da capital, especialmente devido ao seu crescente protagonismo no estado, impulsionado pelo exitoso ciclo político de Sergio Vidigal e Audifax Barcelos desde 1997, que trouxeram uma gestão transformadora para a cidade.
Com o fim do ciclo Audifax e Vidigal, este grupo externo, centrado na capital, vislumbrou a oportunidade de ter certo controle político sobre a Serra, tendo em mente um objetivo maior: alcançar o Governo do Estado. Está claro que a Serra é a joia da coroa no contexto estadual.
Para esse grupo, a Serra representaria uma vitrine, ampliando seu alcance em um eleitorado vasto e uma economia robusta. Seu principal argumento era a necessidade de mudança na Serra, de “romper” com o “consórcio” que governa a cidade há 28 anos. Trata-se de uma narrativa simplista, que ignora que, embora possa haver algum desgaste natural, Vidigal e Audifax são longe de ser figuras malquistas pela maioria da população, que reconhece e credita a eles os avanços conquistados nas últimas décadas.
Há 30 anos, terrenos na Serra poderiam ser trocados por “um porco e duas galinhas”; hoje, a cidade possui um dos metros quadrados mais valorizados do Estado. Agora, pessoas de fora afirmam que o município está no caminho errado? Pessoas sem domicílio eleitoral na cidade e sem histórico de atuação política ativa?
Pablo, uma porta de entrada. Para sustentar essa narrativa, o grupo precisava de uma porta de entrada — e eis que surgiu Pablo Muribeca, um deputado que ganhou notoriedade por suas polêmicas nas redes sociais e que, talvez no entender deles, poderia ser influenciado, já que ele carecia exatamente daquilo que o grupo oferecia: estrutura e poder.
De certa forma, nada disso é ilegítimo, pois o jogo de poder faz parte da política. No entanto, há dúvidas sobre se esses indivíduos estavam realmente preocupados com o futuro da cidade ou se isso estava em segundo plano, atrás de interesses pessoais. Essa é a questão central. Se já havia dúvidas sobre a capacidade de Muribeca para gerir uma das máquinas municipais mais complexas do país, o processo eleitoral se encarregou de expor essas limitações — seja pela ausência de propostas concretas, pela falta de equilíbrio emocional ao lidar com o confronto de ideias ou até pela tentativa de censurar este veículo de comunicação.
A única forma que esse grupo encontrou para entrar na Serra foi por meio de um deputado eleito em 2022, que tem mais coragem do que responsabilidade. Pablo lhes ofereceu a porta de entrada; eles deram a Pablo suas estruturas de poder, proteção e contatos. Através dele, o projeto de desbancar o grupo de Casagrande parecia mais próximo.
Foi nesse contexto que o atual prefeito de Vitória, Lorenzo Pazolini, fortaleceu o sistema de apoio a Pablo Muribeca no segundo turno. Após vencer em Vitória, Pazolini voltou suas atenções para a Serra, quase dobrando os esforços de campanha de Pablo. O problema é que o tecido social de Vitória é completamente diferente. Na capital, Pazolini age como uma espécie de “síndico”, mas na Serra, o prefeito precisa ser um vetor do desenvolvimento socioeconômico; perfil que Pablo não conseguiu demonstrar e, para piorar, ainda se encontrava em um papel de oposição a Casagrande, o que dificultaria ainda mais a gestão na Serra.
Weverson Meireles. Dentro desse cenário de tentativa de tomada de poder na Serra por grupos externos, Vidigal foi o primeiro a reconhecer que o ciclo dele e de Audifax havia chegado ao fim. Ele percebeu isso há mais de um ano. Apesar de sua decisão, muitos duvidaram que ele realmente abriria mão da reeleição, inclusive o governador Renato Casagrande. Mas, contra todas as expectativas, Vidigal declinou e lançou Weverson Meireles, um nome ainda pouco conhecido entre o grande eleitorado.
Vidigal e seu grupo trabalharam com um fluxo de informações sem precedentes na história das eleições da Serra e, em certa medida, até mesmo do Espírito Santo. Foi isso que embasou não só o recuo de Vidigal, mas também a escolha de alguém com o perfil de Weverson. Publicamente, a marqueteira Jane Mary colherá os louros da vitória, mas internamente o reconhecimento pelo sucesso da comunicação e estratégia da campanha recai sobre o publicitário Genilton Martins e sua equipe, que reconfiguraram o marketing político no Espírito Santo.
Se a campanha foi montada para destronar Vidigal e, por extensão, Casagrande em 2026, Vidigal também fez seu jogo, e em todos os momentos, Pablo Muribeca esteve exatamente onde Vidigal e Weverson queriam. Desde o início de 2023, Muribeca foi elevado ao posto de adversário prioritário, pois historicamente seu perfil político não agrada parte expressiva do eleitorado, além da sua inexperiência e limitações pessoais. A campanha de Weverson esteve sempre um passo à frente das demais, tanto em termos de preparo quanto de informações.
Para se ter uma ideia, duas semanas antes da eleição do primeiro turno, eles já sabiam que enfrentariam Muribeca no segundo turno, e não Audifax, como as pesquisas qualitativas indicavam. Isso porque estavam observando tendências e não apenas números. Desenvolveram uma estratégia específica, bairro a bairro, analisando e tabulando milhões de dados — um trabalho que só pode ser realizado por quem conhece a cidade profundamente.
Erros crônicos. A campanha de Pablo errou no tom repetidas vezes, como ao chamar figuras externas como Marcelo Santos, Erick Musso, Sergio Meneguelli e Lorenzo Pazolini para caminhar pelas ruas da Serra e afirmar que o município precisava de mudanças. Defendiam o rompimento com o ciclo de Audifax e Vidigal e, em algumas declarações, acabaram “criticando” indiretamente a cidade, algo que a população desaprova. Meneguelli, por exemplo, afirmou: “A Serra precisa de um banho de loja”.
A população recebeu essas figuras com cordialidade, pois o serrano é educado, mas se questionava: “Quem são essas pessoas para dizer que estamos no caminho errado?“, “Quem são essas pessoas para dizer que Audifax e Vidigal não foram bons?“, “O que essas pessoas já fizeram por nós para afirmar que a Serra não deu certo nos últimos 28 anos?“.
Pablo chegou longe porque é autenticamente serrano e, além de conhecer a Serra, demonstrou disposição, sendo hábil tanto nas ruas quanto nas redes, o que encantou parte do eleitorado. No entanto, sua trajetória foi prejudicada pela falta de entendimento da cidade por parte de seu núcleo externo, que trapalhada atrás de trapalhada, parecia acreditar saber o que estava fazendo.
O próprio “atentado” contra Pablo — que simplesmente não aconteceu — explicita isso. A comitiva de Pablo, acompanhada por Pazolini e várias pessoas de Vitória, estava em Central Carapina, na rua que divide o território da Vala e da Favelinha, uma espécie de “faixa de Gaza” na região, onde duas facções disputam espaço e não permitem que integrantes de uma cruzem a área de controle da outra. Desconhecendo essa dinâmica, a comitiva se auto colocou em uma situação de risco.
Essa estratégia equivocada, que ignorou as especificidades da Serra em uma campanha dominada por agentes externos, levou Pablo a confrontar até o próprio Tempo Novo, tentando silenciar um jornal com 40 anos de história na Serra. Este veículo de comunicação tem uma relação umbilical e comunitária com a cidade, e ao tentar calá-lo, esse núcleo externo tentou também calar a voz de milhares de serranos que reconhecem o comprometimento deste jornal com a cidade. Excluindo as críticas e ataques dos apoiadores de Pablo, o que restou foram milhares de leitores indignados com essa tentativa de censura.
Vitória de Weverson e de Vidigal. No fim, venceu a “renovação segura” para a Serra, venceu Vidigal — um prefeito que, gostem ou não, estará para sempre marcado na história da cidade. Talvez, nas próximas eleições, esses agentes externos entendam que, embora parte da população esteja “cansada” de Vidigal e Audifax, ambos são queridos e reconhecidos como parte de um ciclo exitoso que trouxe orgulho e independência política para a Serra. Se quiserem entrar no município novamente, terão que dançar conforme essa música.
E quem diz isso é um veículo de comunicação que, por diversas vezes, entrou em conflito editorial com ambos e já foi processado por eles, mas que jamais sofreu uma tentativa de silenciamento como a que Pablo e seus apoiadores externos tentaram.
O processo eleitoral acabou, mas as repercussões continuam, especialmente as legais. Pablo enfrenta milhões de reais em penalidades processuais para se defender; e, para um candidato que declarou à Justiça Eleitoral não possuir bens, será complicado quitá-las em caso de derrota na Justiça. Além disso, ele sai deste processo com índices de rejeição registrados em pesquisas ainda mais altos do que os de Audifax e Vidigal, que estão na política há mais de 30 anos. Votos podem se diluir — veja, por exemplo, o caso do candidato a prefeito em 2020, Fábio Duarte, que obteve 91.931 votos, mas não conseguiu se eleger deputado em 2022; já a rejeição é algo muito mais difícil de ser superado. Resta saber se esses apoiadores de fora da Serra ajudarão Pablo a resolver essas pendências.
Weverson, por sua vez, é uma “folha em branco” na qual ele pode escrever sua própria história, associada a um prefeito querido e respeitado que recuou da disputa pela força do tempo. Em retrospectiva, a vitória de Weverson parece óbvia, mas a lógica só se torna clara quando alguém a vislumbra primeiro — e essa pessoa foi Vidigal, este sim, profundo conhecedor da Serra e de sua população, com uma vida intimamente ligada a este lugar. Seu nome está registrado na memória da cidade, talvez ao lado em alguns aspectos, mas certamente acima no resultado final de líderes políticos como Arariboia, Luiz Barboza Leão, Major Pissarra, Abido Saad, João Miguel Neffa, Rômulo Leão Castelo e Judith Leão Castello Ribeiro.
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