A barragem de lama tóxica da Vale, na cidade de Brumadinho (MG), estourou na última sexta-feira (25). Uma tragédia que oficialmente já vitimou 60 pessoas (até a tarde desta segunda-feira – 28), mas estima-se que poderá passar de 300 pessoas. O Brasil está de luto pelas vítimas, humanas e animais, e pelos impactos ambientais ainda desconhecidos.
Mas desta vez, o Rio Doce não sofreu com os rejeitos de minério. Diferentemente de três anos atrás, quando a joint venture da Vale e BHP Billiton, a Samarco, foi a responsável pelo rompimento da barragem no distrito de Mariana, que acarretou danos ambientais e sociais irreparáveis no ES.
Apesar do luto e da revolta com o descaso da mineradora, o capixaba e especialmente o serrano pode soltar um “ufa”? Não é bem assim. Além das mortes de nossos semelhantes, que por si só já se configuram numa tragédia lastimosa, a barragem de Brumadinho caiu para o rio Paraopeba, que vai desembocar no Rio São Francisco.
Mas e daí? Acontece que a bacia hidrográfica do ‘Velho Chico’ é uma das mais importantes da América do Sul com seus incríveis 3 mil km de extensão. O rio nasce na Serra da Canastra, em Minas, e chega ao mar lá na divisa de Sergipe com Alagoas. É o rio que alivia o semiárido nordestino. Objetivamente, o Rio São Francisco é a única certeza de água perene num dos locais mais secos do Brasil.
Assim como ocorreu com o Doce, a Vale vai tentar argumentar que as barragens vão segurar a lama assassina. Mas o impacto vai ser agudo e crônico, e vai durar décadas. Até porque quando houver chuva acima da média na região, as barragens terão que desaguar os rejeitos e vai seguir o fluxo do rio, que deságua no São Francisco. A contaminação vai se espalhar.
Qual é a relação do Rio São Francisco com nós, os capixabas? Sabe qual é um dos principais motivos para o êxodo nordestino (processo histórico secular)? A seca. E o São Francisco era ‘o cara’ que ainda dava um jeito na coisa. A Vale contaminou o Velho Chico com lama tóxica e suas implicações na vida e na saúde das pessoas que dependem do Rio é definitiva. Soma-se a isso os processos de aquecimento global, super-secas, e o endurecimento do calor na sua fase mais mortal, o que pode ocorrer: a potencialização do êxodo nordestino.
Temos que abraçar nossos compatriotas que vêm de fora, e governo municipal e estadual nenhum pode se negar a esta responsabilidade e humanismo. Acontece que a rigor, isso vai demandar um desafio muito grande. A Serra é um dos exemplos mais sintomáticos disso. O município que há 40 anos tinha 17 mil habitantes, pulou para meio milhão à base de processos de migração descontrolados, estimulados pelas expansões de fábrica da Vale e Arcelor, que atraiam trabalhadores temporários em mão de obra barata e depois se instalavam na Serra por meio de invasões, formando grandes bolsões de pobreza.
A longo prazo, a contaminação do São Francisco pela Vale pode obrigar brasileiros a se deslocarem para sobreviver e causar um desequilíbrio maior ainda nas cidades, com mais demanda por serviços públicos. Em contextos de crise econômica e baixa arrecadação, os municípios terão muita dificuldade para absorver essa demanda. O ES está na rota e a Serra ainda mais. Aqui existe espaço e infraestrutura e historicamente é impactada com esses movimentos migratórios.