A Serra convive há pelos 2 décadas com problemas crônicos de falta d’água. Situação que nos últimos anos veio se agravando, em especial, após o período da grande seca de 2015/2016. Além da falta d’água, que por si só já é lamentável, tem também a qualidade questionável do abastecimento, que é objeto de reclamação contínua de moradores da Serra.
Todas as semanas, a Cesan anuncia desligamento programado na cidade, o que já levou algumas lideranças políticas a desconfiarem de uma espécie de ‘racionamento velado’. É certo que houve investimentos no sistema de abastecimento; mas a realidade de falta d’água crônica não mudou, na verdade, é observada empiricamente uma piora.
Mas, agora, o problema chegou a Vitória, e como se sabe, o buraco lá é mais fundo, afinal de contas, enquanto faltava água ‘só’ para os ‘serraquios’, estava tudo bem. Após deixar alguns pontos da capital mais de uma semana sem água, houve uma verdadeira mobilização; até ‘as cabeças’ da diretoria da Cesan estão balançando.
A Prefeitura de Vitória, acertadamente, se mobilizou para colocar a empresa no ‘paredão’, acionou o Procon e a empresa foi devidamente enquadrada. Terá que a participar de uma audiência visando um acordo sobre as medidas a serem tomadas diante do problema, e caso sejam insuficientes, a Cesan terá que pagar multa de até R$ 12 milhões e ter até mesmo o contrato rescindido com base no Código de Defesa do Consumidor.
Veja, estamos falando ainda de Direito do Consumidor, nem foi citado à característica mais substancial deste problema, que é o Direito Fundamental da Vida expresso no artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, do qual afirma que o direito à vida é uma garantia inviolável de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País. Se, para manter a vida é necessária a água, sem esta a vida se torna impossível. O acesso à água é direito de todos e dever do Estado, do qual foi administrativamente delegado a Cesan, no caso do ES.
Vale citar, que referimos aqui a Cesan como órgão de Estado, e não de Governo A ou B, até porque não é um problema que começou recentemente, ele ‘apenas’ vem se acentuando.
A mobilização da Prefeitura de Vitória é justa, assim como toda a expressão de outros agentes políticos que nos últimos dias fizeram coro ao problema que desembarcou na capital. A Serra poderia se espelhar neste exemplo. A Cesan faz da Serra ‘gato e sapato’ há anos e a institucionalidade do município assiste de braços cruzados.
A empresa precisa explicar o que está acontecendo, se é um problema de ordem de gestão, de investimento, ou alguma coisa estruturante que envolve os mananciais que abastecem a Grande Vitória.
Em dezembro do ano passado, pela 1ª vez, a empresa pincelou o fato de que há verdadeiramente uma questão maior. Em um comunicado publicado na 3ª semana de dezembro de 2021, quando a Serra vinha há uma semana sem água em vários bairros, a Cesan afirmou que o rio (Santa Maria da Vitória) não apresenta melhorias na qualidade da água, e que era “reflexo de uma degradação evidenciada na crise hídrica de 2015 que deixou graves consequências e que têm piorado ao longo do tempo”. E completou com o assustador alerta: “Os rios estão morrendo, é preciso mudar urgentemente os hábitos humanos na relação com o meio ambiente e no uso da água”.
Para que a sociedade entenda objetivamente qual o nosso desafio para os próximos anos, a empresa que é a responsável por colocar água nas nossas casas, precisa se comunicar objetivamente. Afinal, o que estamos enfrentando? Vai piorar? Como pode remediar? Prevenir? Como a indústria, em especial, o Complexo de Tubarão que é o maior consumidor individual de água da Grande Vitória, pode agir para demandar menos água proveniente de rios?
Além do aumento populacional e da relação insustentável do ser humano, especificamente com a água, há também o problema da mudança climática, isso é um problema planetário, e obviamente tem repercussões aqui. Tivemos duas chuvas catastróficas em 2013 e 2014 seguidas por dois anos de estiagem e crise hídrica, em 2015 e 2016. O radicalismo do clima já bateu na nossa porta e isso impactará no abastecimento. Já tem alguns anos que se fala na desertificação de parte do Espírito Santo.
Estimativas do IBGE apontam que a Serra terá 1 milhão de habitantes já em 2030; se não conseguimos abastecer a cidade hoje, como poderemos viabilizar a vida em sociedade daqui a alguns anos? Estamos diante do maior problema para o futuro de médio prazo. Esse problema é responsabilidade da sociedade e a Cesan precisa se fazer valer da função pela qual foi designada.