Chuvas fortes acompanhadas de vendavais como as que atingiram a Serra nos últimos dias são cíclicas. Em outras palavras, mais cedo ou mais tarde elas vão aparecer. Mais do que levar isso em conta em seu planejamento, a cidade tem de se preparar para o agravamento desses fenômenos extremos. O aquecimento global acelerado pelas atividas humanas é fato e negá-lo é ato de irresponsabilidade.
Com 1/5 de sua população abaixo na linha da pobreza – os mais vulneráveis aos desastres climáticos – é imprescindível para a Serra fortalecer sua defesa civil, aprimorar sistemas de alerta e de ação social para socorrer desabrigados e desalojados por eventos extremos. É bom ressaltar que tais desastres também afetam a população mais abastada e o setor produtivo, como se viu na atual e em outras temporadas de chuva na cidade.
Se a remediação é necessária, prevenir é primordial. Afinal, além do bem estar dos mais de 500 mil moradores, a Serra abriga parque industrial, logísco e comercial que é locomotiva da economia do Espírito Santo. E possui papel relevante no arranjo produtivo nacional.
A prevenção contra desastres gerados por chuva passa por uma série de ações, de obras à regras de uso do solo, passando pela eficiência na fiscalização. E a prefeitura é a grande protagonista.
É dela o papel de desencorajar ocupações em áreas sujeitas à inundações e que são acomodadoras de águas da chuva como os alagados do entorno do Mestre Álvaro, as baixadas da bacia da lagoa Juara/rio Jacaraípe, os fundo de vale de Vista da Serra, Planalto Serrano, Feu Rosa, Vila Nova, São Diogo, Novo Horizonte, Barro Branco, Eldorado, Hélio Ferraz, Central Carapina, Jardim Tropical, Jardim Carapina, Lagoa de Carapebus, dentre outros bairros com topografia similar.
Diferente de suas co-irmãs Vitória, Vila Velha e Cariacica, a Serra ainda tem bom estoque de áreas mais altas e planas que são propícias à expansão urbana e a implantação de novos empreendimentos.
Pavimentação de córregos, asfalto e blocos de concreto
Os gestores serranos não podem cair na ‘tentação’ de canalizar e pavimentar córregos. Ação que a princípio é bem quista pelas comunidades ribeirinhas e dá voto, com o passar do tempo vira um tiro no pé. Curso d’água tapado por concreto não pode ser limpo regularmente. Acumula lixo e terra. Vira uma bomba relógio prestes a explodir em água suja na próxima chuvada. Sem contar a degradação ambiental.
A pavimentação asfáltica já está até no imaginário popular como sinônimo de desenvolvimento. É claro que melhora a mobilidade e a salubridade de um bairro, ninguém merece morar em cidade com ruas sem pavimento, convivendo com lama e poeira. Porém asfalto esquenta muito e veda o solo, fazendo toda água da chuva correr por cima e piorar enxurradas e alagamentos.
Por isso o ideal é usar blocos de concreto para pavimentação de ruas. Além de serem de cor clara, o que reduz a absorção de calor, o espaço entre eles permite a penetração da água da chuva e diminui o escoamento superficial. Na Serra asfaltar virou obsessão para as gestões municipais das últimas décadas. A cidade precisa rever esse modelo, optando por pavimentos mais sustentáveis nas zonas residenciais. Deixa o asfalto só para rodovias e avenidas mais importantes.
Áreas verdes e jardins para absorver água
Concreto, asfalto e telhados dominam a paisagem das cidades contemporâneas. E a Serra não é diferente. É preciso não só preservar as áreas verdes como ampliá-las para minimizar o calor e o impacto das chuvas.
A Serra tem uma geografia favorável e uma histórico de ocupação urbana que permitiu a existência de áreas verdes entre os bairros. Mas essas áreas verdes são alvo de ocupação e pressão, muitas delas originadas no submundo da tramóia imobiliária. Urge preservar essas áreas verdes, como as que ainda existem entre Laranjeiras e Chácara Parreiral, entre Novo Horizonte e Jardim Limoeiro, entre Barro Branco e o Civit I. Entre Caçaroca e Jardim Bela Vista, na Serra Sede, entre Barcelona e Maringá, dentre outros exemplos.
Mas isso não é suficiente. Nos locais de ocupação urbana, deve – se incentivar a ampliação de jardins em praças e parques, além da já citada troca do asfalto por bloco no pavimento das ruas. Cabe o município ainda criar regras e incentivos – um desconto do IPTU, por exemplo – para imóveis particulares cujos donos mantenham parte da terreno com jardins, hortas e árvores. O mesmo vale para quem implantar sistema de captação e armazenamento das águas das chuvas que flui dos telhados.
Arborização urbana
O vento forte da chuva entre domingo (27) e segunda-feira (28) derrubou árvores pela cidade. Em tempo de aquecimento global com o calor cada vez mais escaldande, perigoso à saúde e que demanda muita energia para refrigerar ambientes com ar condicionados ligados ‘no talo’, não dá para uma cidade dispensar a arborização. Pelo contrário. E essa arborização precisa ser feita com critério, usando espécies adequadas. Podas, monitoramento, combate à pragas e doanças tem de ser permanente para garantir a saúde dos vegetais e segurança da população.
Drenagem em ruas, avenidas e rodovias
Na superchuva de 30 de outubro de 2014 na Serra a enchente alagou a Av. Central de Laranjeiras, gerando inundação – até então nunca vista naquela proporção – das lojas e demais estabelecimentos. Posteriormente a Prefeitura investiu na readequação da rede de drenagem pluvial na via, aumentando o diâmetro da tubulação. O que reduziu o problema.
O mesmo tem de ser feito em outros pontos críticos. Na BR 101, na altura da José de Anchieta, por exemplo. Local que qualquer chuva mais forte gera alagamento que interrompe o trânsito. A via será municipalizada, o que pode facilitar o necessário investimento em drenagem ali. Outro ponto que tem de ser atacado urgentemente é o trecho da Av. Eudes Scherrer em frente ao EPA Plus, em Laranjeiras. Via que já é municipal.
Grande Jacaraípe e drama humanitário
Fruto da explosão populacional e expansão urbana a partir da década de 1980, a região de Jacaraípe viu os alagados e mangues em torno do rio, da lagoa Juara, dos córregos Das Laranjeiras e Capuba virarem rapidamente aglomerados de ruas e casas.
Região que nas históricas chuvas de dezembro de 2013 ficaram semanas debaixo d’água e geraram drama humanitário. A reação do município foi dragar e alargar o rio Jacaraípe. Obra de alto custo financeiro e ambiental, mas que até agora tem se mostrado eficiente, não obstante o registro de alguns pontos de alagamentos no Bairro das Laranjeiras na madrugada entre os últimos domingo (27) e segunda-feira (28).
Na região há outra obra de grande porte capaz de influenciar a drenagem: a construção do Contorno de Jacaraípe (ES 115). A obra é estadual e o município precisa atentar para que a passagem da pista sobre o córrego Das Laranjeiras tenha dimensões adequadas.
O fato é que mesmo tendo a dragagem do rio, a Grande Jacaraípe é uma baixada ao nível do mar com cursos d’água e lagoas que recebem a drenagem que vem das regiões do Civit I, Sede e Mestre Álvaro. Tudo sujeito à influência das marés. Por isso muita água acumula ali e demora a drenar. O ideal é que áreas mais baixas e sensíveis da região não devam ter novas ocupações.
Encostas e deslizamentos
É tarefa do município também coagir as ocupações nas encostas. E trabalhar para prevenir deslizamentos nas que já estão ocupadas. Dentre os pontos mais críticos, a faixa marginal à oeste da BR 101 que se estende de Carapina Grande à Laranjeiras Velha. Mas há também situações de risco em bairros de outras regiões, sendo ainda salutar por parte da prefeitura identificar locais onde é necessário a construção de muros de arrimo e executar essas obras o quanto antes.
Se fizer bem seu dever de casa, a Serra pode ter uma relação mais tranquila com as chuvas nos próximos anos.