Na avaliação de boa parte da imprensa capixaba, o candidato a prefeito da Serra, Pablo Muribeca (Republicanos), “perdeu ganhando” a eleição. Esta coluna concorda em parte com essa afirmação, mas sugere a inclusão de outros elementos que podem aprofundar essa análise, levantando questões com potencial para repercussões legais e políticas graves.
Em relação a Pablo, é inegável que ele alcançou um desempenho louvável (90.227 votos), mas é justo dizer também que ele estava no “lugar certo, na hora certa”. Se houve uma janela propícia ao surgimento de novas lideranças nestes últimos 28 anos, esse momento era agora. Não por coincidência, o atual prefeito, Sergio Vidigal (PDT), foi o primeiro a reconhecer isso ao decidir não disputar a reeleição, mesmo tendo uma ótima avaliação de governo e o apoio expresso do governador Renato Casagrande (PSB). As pesquisas qualitativas apontavam para um desejo de renovação, e uma prévia disso foi a eleição de 2020, quando Fábio Duarte foi ao segundo turno contra o próprio Vidigal e obteve 91.931 votos — ou seja, 1.7 mil votos a mais do que Pablo.
Além disso, vale destacar que Pablo “perdeu” para a abstenção, já que 120.257 eleitores deixaram de comparecer às urnas. Estima-se que uma parcela significativa desses eleitores esteja entre os “cansados” de Audifax e Vidigal, mas que não viram em Pablo um líder capaz de motivá-los a sair de casa em um domingo chuvoso para votar. A abstenção neste ano foi até maior do que em 2020 (104.526), quando o Espírito Santo estava sob restrições da pandemia de Covid-19 e incentivava medidas de proteção, entre as quais o baixo trânsito de pessoas.
Talvez o desempenho de Pablo pudesse ter sido ainda melhor caso os agentes externos que o apoiaram — e que desconhecem as especificidades da Serra — não tivessem cometido uma série de trapalhadas, fingindo saber o que faziam (leia análise aqui). Diferente deles, em 2020, o ex-prefeito Audifax Barcelos (PP, na época Rede), que apoiou Fábio Duarte, sabia exatamente o que estava fazendo. Naquele momento, porém, o sentimento de “chega de Audifax e Vidigal” ainda não estava maduro o suficiente para carregar o então candidato Vandinho Leite ao segundo turno e Fábio foi “atrapalhado” pela Covid-19, que encurtou o tempo de campanha no segundo turno e serviu de gatilho para a narrativa de “experiência” usada por Vidigal.
Porém, são apenas adendos, já que não dá para comparar uma eleição com a outra, considerando que Fábio estava apoiado por Audifax, enquanto Pablo representa uma alternativa fora do eixo Vidigal-Audifax. Feita essa consideração, é possível trazer outras perspectivas de debate específicas para essa eleição.
Todas as pesquisas eleitorais apontaram claramente que Pablo era o candidato mais rejeitado. No domingo da eleição, o instituto Ipec registrou que 26% da amostragem de entrevistados declarou que “não votaria de jeito nenhum” em Pablo. Esse número é muito alto, especialmente para um político que está há apenas quatro anos no cenário. É maior, inclusive, que os percentuais registrados anteriormente para Audifax e Vidigal, que em tese (e na prática) estariam desgastados pelo “cansaço” do eleitorado. Esse é um custo significativo do crescimento exponencial de Pablo nos últimos anos, pois, se seu perfil político exagerado conquista eleitores, também gera forte resistência em uma grande fatia deles.
O problema da rejeição é que é uma questão difícil de ser superada. Em geral, uma das formas de reduzir a rejeição é adotar um posicionamento mais sóbrio e menos estridente; porém, para Muribeca, isso representa uma encruzilhada, pois há o risco de decepcionar parte de seu eleitorado, que se encanta justamente com seu perfil polêmico e excêntrico, por assim dizer.
Por outro lado, enquanto é difícil reduzir a rejeição, os votos conquistados em uma eleição podem ser facilmente digeridos na seguinte, especialmente quando o candidato é um fenômeno da web, que tende a ser um produto político instável no Brasil. Diferente de Audifax e Vidigal, que se sustentavam através de um vasto histórico de realizações e trabalho dedicados a diversas comunidades e gerações de serranos, Pablo se sustenta essencialmente na narrativa política. Isso é frágil, pois os contextos e forças eleitorais envolvidos podem variar significativamente de uma eleição para outra.
Embora, nesta eleição, Pablo estivesse “no lugar certo na hora certa”, o contexto da próxima pode ser completamente diferente. Com o afastamento de Vidigal e Audifax – figuras que foram dominantes na política local – haverá uma grande reconfiguração das forças políticas da Serra, abrindo espaço para novas lideranças crescerem e se estabelecerem, dividindo espaço e narrativas com Muribeca, em especial o próprio prefeito eleito Weverson Meireles, que até março era praticamente desconhecido pelo grande eleitorado da Serra.
Aliás, um cenário que poderia beneficiar Pablo politicamente seria uma hipotética gestão ruim de Weverson. No entanto, até que se prove o contrário, as expectativas são o oposto, uma vez que ele vem de uma sólida escola de gestão pública, a escola vidigalista, que, além de Vidigal, carrega a forte influência de Audifax Barcelos, ambos responsáveis pela reestruturação da Serra desde os anos 1990, quando a cidade enfrentava um colapso múltiplo.
Ainda assim, tudo isso está no campo do “se”. Mas o que é real em todo esse processo é bastante desfavorável para Pablo. A começar pelo fato de que, até a última contabilidade desta coluna, feita em meados do segundo turno, a campanha de Pablo já acumulava mais de R$ 10 milhões em multas apenas por propaganda ilegal, agravadas pelo descumprimento de ordens judiciais. Notificado diversas vezes para remover mais de 350 propagandas irregulares, fora dos padrões estabelecidos pela legislação eleitoral, o candidato do Republicanos não cumpriu os prazos estipulados para a retirada das propagandas, mesmo após decisões liminares determinando a remoção imediata, sob pena de multas diárias e reincidentes.
Há também outras penalidades especialmente relacionadas à divulgação de fake news, que totalizam mais alguns milhares de reais em multas. É evidente que ele ainda pode recorrer, e algumas dessas multas podem ser canceladas ou reduzidas em segunda instância. No entanto, mesmo com uma redução significativa, o valor a ser pago pode ainda ser considerável, especialmente para um político que declarou não possuir bens à Justiça Eleitoral. Isso deve dar muita dor de cabeça a Muribeca, e é difícil afirmar que um candidato que saiu de uma eleição com uma “banana para descascar” dessa magnitude realmente “perdeu ganhando” — como alguns analistas defendem. É uma conta difícil de fechar.
Outro ponto relevante é que um dos principais apoiadores de Pablo saiu desse processo eleitoral em uma situação delicada. Trata-se do presidente da Assembleia Legislativa, Marcelo Santos (União Brasil), que deu suporte a ações questionáveis de Muribeca, como a polêmica ação supostamente fiscalizatória no Sine da Serra, que terminou em uma delegacia. Marcelo Santos foi eleito presidente da Assembleia com apoio explícito do governador Renato Casagrande em 2023 e, agora, ao invés de retribuir essa aliança política, o deputado se uniu ao projeto do Republicanos, cuja principal meta parece ser derrubar o grupo de Casagrande em 2026. Esse assunto está em ebulição, especialmente considerando que, logo no início do próximo ano, o próprio cargo de Marcelo Santos estará em jogo. A permanência ou não de Marcelo Santos no cargo de presidente da Assembleia é uma questão central para Pablo. Se ocorrer uma hipotética retaliação ao atual presidente que resulte em sua derrota, Muribeca sairá muito fragilizado na política de bastidores.
Todas essas questões são bastante sensíveis e não estão visíveis na superfície, mas sim entrelaçadas nos bastidores da política real. Pablo mostrou coragem, mas ao mesmo tempo revelou seu despreparo técnico, que não foi compensado pelas trapalhadas dos agentes externos. Ele obteve um bom resultado, mas nada disso pode ser desconsiderado:
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