Mestre Álvaro

Os motivos de Casagrande para colocar o ‘pé na porta’ na eleição da Assembleia

Diante da virulência pela qual o governador Renato Casagrande se envolveu na eleição interna da Assembleia Legislativa, a parte da sociedade que acompanha o caso se pergunta: quais motivos impulsionaram o governador a ingressar nessa cruzada que beira o limite do que preconiza os valores morais da democracia brasileira?

O questionamento é justo, visto que Casagrande é um retumbante defensor dos preceitos que norteio o Estado Constitucional Democrático de Direito, entres os quais tem como um dos pilares a teoria da separação dos Poderes idealizada pelo filósofo francês Montesquieu, que é à base de compreensão organizacional da vida em sociedade da maioria dos Estados ocidentais modernos.

Além disso, localmente, Casagrande não tem histórico nenhum desse tipo de postura, nem o antecessor dele, que advém do mesmo processo de construção federativa pós-ditadura militar. Portanto, é um comportamento atípico e agressivo em um período pelo qual o Brasil está tentando curar feridas anti-democráticas. Aos leitores que não sabem objetivamente do que se trata, é o seguinte: a eleição interna da Assembleia Legislativa ocorre de dois em dois anos e escolhe os novos deputados que irão conduzir o Parlamento capixaba.

No caso em tela, está marcada para o primeiro dia de fevereiro próximo, até então tinha como favorito o deputado Vandinho Leite, que era líder de um bloco com 24 parlamentares. No início da semana, o governador entrou pessoalmente na disputa do Poder vizinho em prol de outro deputado, o cariaciquense Marcelo Santos, que tinha minoria dos deputados e ficava ciscando aqui e acolá. Esse movimento obviamente redundou em confusão e instabilidades internas na Assembleia. Casagrande incendiou a eleição do Parlamento capixaba, da qual não tem cadeira, tirou o protagonismo dos deputados e trouxe para si, deixando atônitos membros de outros poderes e da sociedade civil organizada.

Para tanto, as justificativas já apresentadas pelo governador à imprensa estadual não parecem fazer sentido aos espectadores mais atentos. Dizer que Marcelo Santos merece ser presidente porque é aquele que tem mais mandatos de deputado, não é uma afirmação que diz respeito a um governador. O diz respeito a ele é o seu governo, já que foi escolhido para ser governador e não deputado. Além do que, esse argumento não levar em conta questões como incentivo a renovação política e formação de novos quadros políticos que liderem a experiência civilizatória no Espírito Santo.

Ao afirmar também que Marcelo é seu aliado mais antigo, Casagrande beira quase que a confissão de interferência. Nem Assembleias Legislativas, nem Câmaras municipais, e nem Congresso Nacional existem para funcionar como puxadinho dos respectivos poderes Executivos ombreados. Não é Casa de camaradas e não faz parte do que a sociedade almeja para as relações institucionais. Governabilidade é uma construção coletiva de diálogo republicano e não de interferência.

O sentimento é de que em qualquer um dos resultados da eleição da Assembleia, Casagrande já perdeu. Veja, se ‘seu abençoado’ vencer, é seguro afirmar que a Casa de Leis viverá em estado de mais conflito político devido à atitude do Poder Executivo. Descontentes e incomodados, estima-se que de 8 a 12 deputados podem guinar para a aposição. E se perder, Vandinho Leite muito provavelmente vai dar a governabilidade responsável, mas deixará Casagrande desmoralizado. E diante disso tudo, a pergunta que martela a política capixaba: por que disso tudo?!

O Tempo Novo é um veículo de comunicação da Serra, mas sendo o 4º jornal em operação mais antigo do Espírito Santo, toma a liberdade editorial de exercer a função de conjecturar. Será que o apoio desproporcional de Casagrande a Marcelo Santos teria outro fundo político ainda não exposto?! O que se tem nos próximos anos, por exemplo, é a escolha do novo conselheiro para o Tribunal de Conta do Espírito Santo. Marcelo Santos que é pivô da eleição interna da Assembleia é também um público e notório desejoso por ocupar esse espaço.

Fala-se que estariam correndo nessa mesma raia outro deputado, de nome Tyago Hoffman. Além dele o secretário da Casa Civil, Davi Diniz também estaria se articulando para ser o próximo conselheiro. Estes dois são duas das pessoas de extrema confiança do governador. Além do que, Tyago também queria ser presidente da Assembleia, mas abdicou desse projeto. Na política, assim como na vida, não se abdica de alguma coisa que almejamos a troco de nada. Por que Tyago abdicou de disputar a presidência da Assembleia? Tendo Davi e Tyago, hipoteticamente no páreo de aspirante de conselheiro, temos, portanto, duas pessoas de importância substancial também na eleição da Assembleia.

Mas essa jogada pode? Poder até pode… só não é uma coisa que os políticos ficam falando por aí. Casagrande, assim como qualquer outro na sua posição tem total e completo interesse de ter pessoas das quais tem trânsito saudável em um órgão como Tribunal de Contas. Aliás, não só tem o interesse, bem como no passado recente atuou para isso, quando em 2019, Luiz Carlos Ciciliotti foi eleito pela Assembleia Legislativa como conselheiro para a vaga de Valci Ferreira. No que pesa o excelente trabalho que Ciciliotti exerce no Tribunal de Contas, é indispensável jornalisticamente informar ao leitor que Ciciliotti foi filiado ao PSB – mesmo partido de Casagrande – durante 32 anos, tem uma vasta e umbilical trajetória pessoal de militância política ao lado de Casagrande.

Conselheiro do Tribunal de Contas é uma vaga das mais sonhadas no funcionalismo público brasileiro. No Espírito Santo o ocupante recebe quase R$ 40 mil por mês e tem salário vitalício; dispõe de uma condição muito privilegiada na sociedade. São eles os guardiões de toda a lisura das contas públicas nas esferas locais. Ao todo são sete conselheiros, dos quais quatro foram indicados ou apoiados por Casagrande.

Será que o apoio atípico e quase imoral de Casagrande a Marcelo Santos, passa pela desistência do segundo a disputar a vaga de conselheiro em prol de algum dos aliados irrestritos do governador para a vaga do Tribunal de Contas? Bom, essa tese atenderia politicamente a: 1- importantes partes envolvidas na eleição da Assembleia; 2 – teria ressonância com o passado recente da articulação que conduziu Ciciliotti ao cargo; 3 – e faria mais sentido do que as justificativas apresentadas pelo governador. Mas ainda assim, não pode ser ‘só’ isso. Até porque a história política de Vandinho Leite aponta a capacidade de dialogo e construção; não existe qualquer ilegalidade que impeça que as forças estabelecidas debatam e ajustem o nome da indicação ao TC. Vandinho não poderia ter dado a garantia que trabalharia para isso, na condição de presidente da Ales? Supõe-se que sim.

Se o jogo passa por esse pano de fundo, Vandinho então estaria enfrentando mais do que uma eleição de Assembleia Legislativa, mas também uma pré-escolha de conselheiro do Tribunal de Contas. O que não justifica atropelos democráticos e não anula a ideia hipotética de que o próprio Vandinho poderia ter dado essa garantia.

Na esfera política eleitoral, falou-se que o movimento de Casagrande visava proteger o prefeito de Cariacica, Euclerio Sampaio, tirando Marcelo Santos da disputa por essa cidade em 2024. Desde quando a política capixaba é definida com base na Prefeitura de Cariacica? Até porque, Vandinho poderia ter dado essa mesma garantia a outro aliado de Casagrande, (só que maior) Sérgio Vidigal na Serra? Supõe-se que sim, também. Vandinho não se colocou nem sequer extraoficialmente como pré-candidato. O único que já fez isso – publicamente – foi o deputado Pablo Muribeca.

O que é mais possível é que Euclerio seja mais um de uma constelação que atuou por Marcelo. Euclerio quer ser reeleito, claro, e com um vice-prefeito adequado, especula-se que pode sair ao Senado. Tem outro que o mercado político anda falando, o deputado federal, Da Vitória que ser candidato a governador. Um terceiro é Arnaldinho Borgo, prefeito de Vila Velha, que quer ser reeleito; e com o vice-prefeito escolhido a dedo, pode ser candidato a governador. Euclério, Da Vitória e Arnaldinho… os três têm em comum uma barreira natural, chamada de Ricardo Ferraço, com sua penetração e influência no Governo de Casagrande. Ferraço que estava na planície política ressurgiu ao Vandinho assinar sua ficha de filiação e criar as condições para seu ressurgimento político como vice-governador. Euclério, Da Vitória e Arnaldinho não tem o interesse de Ricardo ainda mais forte com o PSDB presidindo a Assembleia. Já com Marcelo, nada disso acontece.

De todo modo, não deixa de ser uma pressão natural de tais processos a quem exerce a função de governador. Deve haver outras (ou mais) explicações que jogaram Casagrande para dentro da Assembleia, resta descobrir quais. Tal movimento de Marcelo não jogou pressão sobre Vandinho, na verdade isso tirou a pressão em cima do deputado da Serra, que agora se perder, ganhou e se ganhar, ganhou. Enquanto a Marcelo e Casagrande, se ganharem, não fizeram nada mais que a obrigação, porém se perder…

Yuri Scardini

Morador da Serra, Yuri Scardini é repórter do Tempo Novo. Atualmente, o jornalista escreve para diversas editorias do portal, principalmente para a editoria de política.

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